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Trade and gender: a diplomatic approach

Diplomacy has a major role to play in advancing a gender-conscious approach to trade—its benefits will impact the whole economy

A representação igualitária de gênero traz claros benefícios sociais, econômicos e políticos (Woetzel et al 2015). Governos e a estrutura de mercado, no entanto, ainda seguem perpetuando desigualdades de gênero (UNCTAD 2022). A adoção de uma política externa feminista pelo Brasil legitimaria as ações internas e externas do governo brasileiro na busca por paridade de gênero e inclusão no comércio exterior, gerando benefícios para toda a economia do País.

Em dezembro de 2017, a Organização Mundial do Comércio (OMC) adotou a Declaração de Buenos Aires sobre Comércio e Empoderamento Econômico das Mulheres (OMC 2017). Até então, declarações afins restringiam-se aos foros relacionados a direitos humanos, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979, e que entrou em vigor em 3 de setembro de 1981. Atualmente, 127 dos 164 membros da OMC endossam a Declaração de Buenos Aires. 

Tem havido, desde então, aumento no número de cláusulas e capítulos de gênero em Acordos Comerciais Regionais, com vistas a promover a inclusão econômica das mulheres no comércio internacional. Em 2018, foram identificados 74 acordos com cláusula ou capítulo referentes a gênero, o que representa 25% da soma total de 292 acordos então em vigor. Em janeiro de 2021, contabilizaram-se 83 acordos (Monteiro 2021). 

Grande parte dessas cláusulas e capítulos, no entanto, ainda são considerados “soft law”. Os capítulos reconhecem que empresas lideradas por mulheres têm maior dificuldade de acesso ao crédito e a mecanismos de apoio à exportação. No Brasil, estudos da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e o recente relatório lançado pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Brasil 2023a) demonstram essa dura realidade para as mulheres no comércio exterior.

É dessa premissa que decorre o foco dos dispositivos em promover mecanismos para a inclusão dessas empresas no mercado externo, o que, por sua vez, geraria mais emprego e renda para mulheres, estratégia amplamente reconhecida como bem sucedida por organismos internacionais (World Bank 2020). Ao exportar, empresas lideradas por mulheres aumentam sua renda, contratam mais mulheres e geram efeito multiplicador positivo para toda economia (Aquino & Issa 2019). Se a perspectiva de gênero no comércio internacional é racional, economicamente e politicamente, por que tão poucos países têm compromissos vinculantes sobre o tema?

POLÍTICAS DE GÊNERO NO SERVIÇO EXTERIOR: UMA AGENDA A CUMPRIR

Políticas públicas de gênero dependem, necessariamente, da presença de mulheres no setor público. Isso não é diferente no caso de acordos de comércio. Os governos têm papel crítico em liderar essa agenda, que requer a promoção de igualdade de gênero em todas as esferas de decisão (OECD 2014). 

Em especial, a participação de mulheres no serviço exterior dos países negociadores de acordos de comércio reveste-se de fundamental importância. Hoje, Alemanha e Canadá aplicam políticas de paridade de gênero na ocupação dos cargos de chefes de missões diplomáticas. O Reino Unido, por exemplo, tem indicado apenas mulheres para chefiar suas embaixadas junto aos países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Na chancelaria francesa, há uma política externa abertamente feminista, com plano de paridade de gênero interno e externo e uma Alta Funcionária para a Igualdade (Diplmatie 2022). 

O Itamaraty tem buscado alinhar-se a políticas de gênero. Tem-se, pela primeira vez, uma Secretária-Geral das Relações Exteriores. Criou-se, também este ano, o cargo de Alta Representante para Temas de Gênero (Brasil 2023b). Contamos, hoje, com a participação histórica de 30% de mulheres no segundo escalão, ocupando três entre 10 Secretarias em Brasília.

Há, no entanto, muito mais a avançar. Todos os países da América do Sul, exceto o Uruguai e o Brasil, já tiveram uma mulher Chanceler. O Brasil tem a mais baixa representatividade de mulheres na diplomacia entre os países do Mercosul. As mulheres representam 23% da classe de diplomatas, mas chefiam apenas 13% dos postos no exterior, mesmo havendo quadros qualificados disponíveis. Há 20,5% de Ministras de Primeira Classe e 19,5% de Ministras de Segunda Classe que poderiam ocupar posições de chefia no exterior (AMDB 2023a). Nesse cenário, e na esteira de grupo informal que atua desde 2013, foi fundada, em janeiro de 2023, a Associação das Mulheres Diplomatas do Brasil (AMDB), cujo objetivo é buscar a paridade de gênero no Itamaraty como política formal de Estado, com metas tangíveis, estatísticas periódicas e avaliações semestrais (AMDB 2023b).

MULTIPLICAR E DENSIFICAR ACORDOS DE COMÉRCIO E GÊNERO

As "políticas externas feministas" buscam, entre outras metas, aumentar o número de mulheres no serviço exterior, garantinodo-lhes posições de poder, além de incorporar a perspectiva de gênero na política externa, de maneira transversal (Dolce de Faria & Rios Balbino 2022). No momento, o Brasil não conta com uma política externa feminista. Esse fato, aliado ao déficit de representatividade de mulheres, principalmente no alto escalão, tem reflexos profundos na política externa brasileira. O Brasil é, ao lado da Guatemala, o último país na América Latina em termos de participação de mulheres em cargos de liderança no serviço público, inferior a 20% (Naranjo Bautista et al 2022). Uma dessas vertentes é a escassez de compromissos sobre comércio e gênero nos acordos comerciais firmados pelo país. 

O Brasil conta com capítulo de gênero no acordo comercial com o Chile e finaliza a negociação de acordo com seção similar com o Canadá, juntamente com os sócios do Mercosul. Com o Chile, a maior parte das disposições reafirma compromissos individuais no tema (Decreto n. 10.949, de 26 de janeiro de 2022). Além disso, esse capítulo não é vinculante, e encontra-se fora do mecanismo de solução de controvérsias do acordo. Cláusulas mais pungentes podem ser encontradas nos novos acordos comerciais negociados por Canadá, Chile, União Europeia e Nova Zelândia. O acordo Chile-Canadá prevê acompanhamento de metas em Comitê de Gênero e Comércio, cooperação em liderança feminina, inclusão financeira de mulheres e aumento de sua participação em ciência e tecnologia. 

Há estreita relação entre a adoção de políticas externas feministas e a densificação de cláusulas de gênero em acordos de livre comércio. No caso do Chile, as discussões acerca das diretrizes de sua política externa feminista refletiram-se na adoção das cláusulas de gênero nos acordos com Canadá, Brasil e Argentina. O Canadá, a partir de 2017, adotou a Feminist International Assistance Policy (Canadá 2022a), que provocou o aprofundamento da temática de gênero em acordos negociados pelo país. Em 2020, foi assinado o Acordo Global de Comércio e Gênero (GTAGA) por Canadá, Chile e Nova Zelândia. Em 2022, México, Colômbia e Peru se juntaram ao Acordo, que prevê mecanismos de apoio a empresas exportadoras lideradas por mulheres (Canadá 2022b). Depreende-se, portanto, que países que adotam políticas externas feministas tendem a negociar acordos comerciais com capítulos de gênero mais ambiciosos e abrangentes.

CONCLUSÃO

A adoção de uma política externa feminista pelo Brasil fortaleceria a agenda interna de ações de paridade e aplicaria lentes de gênero em todas as iniciativas de política externa, de forma transversal (Dolce de Faria & Rios Balbino 2022). Na área comercial, essa nova perspectiva reuniria forças para que acordos de comércio passem a dispor, de maneira prioritária, de cláusulas cogentes de gênero, com aplicação prática na ponta e capacidade para estimular exportações de empresas lideradas por mulheres, expandindo ganhos concretos para toda sociedade. Seguindo a linha de políticas públicas domésticas bem sucedidas com transversalidade de gênero, como o programa Bolsa Família, é chegada a hora de o Brasil adotar uma política externa feminista e colher os frutos do comércio internacional inclusivo. 

Referências Bibliográficas 

AMDB. 2023a. “Mulheres em posição de chefia em postos no exterior”. Grupo de trabalho de monitoramento da paridade de gênero no MRE. Associação das Mulheres Diplomatas do Brasil. https://img1.wsimg.com/blobby/go/22800fab-ef46-479e-bdfc-c62211c5ba73/downloads/GT-Monitoramento-Postos-20230131_Quadro_inicia.pdf?ver=1680216570874 

AMDB. 2023b. “Estatuto”. Associação das Mulheres Diplomatas do Brasil. https://mulheresdiplomatas.org/quem-somos. 

Aquino Bonomo, Christiane Silva & Liana Issa. “Comércio e gênero, exportação de empresas lideradas por mulheres, 2019”. In Columbia Women’s Leadership Network in Brazil: 2018 - 2019, organizad por Columbia Global Centers Rio de Janeiro; Columbia Women’s Leadership Network in Brazil. https://globalcenters.columbia.edu/sites/default/files/content/Rio/Columbia%20Women%27s%20Leadership%20Network%20in%20Brazil/2018/Publica%C3%A7%C3%A3o%20Columbia%20Women%27s%20Leadership%20Network%20in%20Brazil%202018-2019.pdf. 

Assembleia Geral das Nações Unidas. 1979. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/03/convencao_cedaw1.pdf.   

Brasil. 2023a. “Mulheres no comércio exterior: uma análise para o Brasil”. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, abril de 2023. https://www.gov.br/produtividade-e-comercio-exterior/pt-br/assuntos/comercio-exterior/estatisticas/outras-estatisticas-de-comercio-exterior-1/mulheres_comercio_exterior_uma_analise_para_o_brasil.pdf/view 

Brasil. 2023b. “Alta representante para temas de gênero”. Notas à imprensa nº 88. Ministério das Relações Exteriores, 8 de março de  2023. https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/alta-representante-para-temas-de-genero. 

Canadá. 2022a. “Canada’s Feminist International Assistance Policy”.  Governo do Canadá, 21 de janeiro de 2022. https://www.canada.ca/en/services/environment/weather/climatechange/canada-international-action/climate-finance/commitment/feminist-international-assistance-policy.html 

Canadá. 2022b. “Global Trade and Gender Arrangement”. Governo do Canadá, 8 de agosto de 2022. https://www.international.gc.ca/trade-commerce/inclusive_trade-commerce_inclusif/itag-gaci/arrangement.aspx?lang=eng 

Diplomatie. 2022. “Feminist Diplomacy”. Diplomatie, Fevereiro de 2022. https://www.diplomatie.gouv.fr/en/french-foreign-policy/feminist-diplomacy/. 

Dolce de Faria, Vanessa & Viviane Rios Balbino. 2022. Uma política externa feminista para o Brasil: desafios e possibilidades. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung.  https://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/19779-20221209.pdf. 

Leal, Camile, Carolina Coelho Paranhos & Christiane Aquino Bonomo. 2023. “Comércio e gênero: uma abordagem diplomática”. CEBRI-Revista Ano 2, Número 6 (Abr-Jun). Publicado online. https://cebri.org/revista/br/artigo/82/comercio-e-genero-uma-abordagem-diplomatica 

Monteiro, José-Antonio. 2021. “The Evolution of Gender-Related Provisions in Regional Trade Agreements”. Staff Working Paper ERSD-2021-8. Organização Mundial do Comércio, janeiro de 2021. https://www.wto.org/english/res_e/reser_e/ersd202108_e.pdf. 

Naranjo Bautista, Sandra, Mariana Chudnovsky, Luciano Strazza, Edgardo Mosqueira & Carmen Castañeda. 2022. Mulheres líderes no setor público da América Latina e do Caribe: lacunas e oportunidades. Washington, D. C.: Banco Interamericano de Desenvolvimento. http://dx.doi.org/10.18235/0004597 

OECD. 2014. Women, Government and Policy Making in OECD Countries: Fostering Diversity for Inclusive Growth. Paris: OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/9789264210745-en. 

OMC. 2017. Buenos Aires Declaration on Trade and Women's Economic Empowerment. https://www.wto.org/english/res_e/publications_e/women_trade_pub2807_e.htm. 

UNCTAD. 2022. Análisis del nexo entre el comercio y el género desde la perspectiva del desarrollo: um breve resumen. https://unctad.org/system/files/official-document/ditc2021d2_es.pdf. 

Woetzel, Jonathan, Anu Madgavkar, Kweilin Ellingrud, Eric Labaye, Sandrine Devillard, Eric Kutcher, James Manyika, Richard Dobbs & Mekala Krishnan. 2015. “The Power of Parity: How Advancing Women’s Equality Can Add $12 Trillion To Global Growth”. McKinsey Global Institute, 1 de setembro de 2015. https://www.mckinsey.com/featured-insights/employment-and-growth/how-advancing-womens-equality-can-add-12-trillion-to-global-growth. 

World Bank; World Trade Organization. 2020. Women and Trade: The Role of Trade in Promoting Gender Equality. Washington, DC: World Bank. http://hdl.handle.net/10986/34140

Recebido: 9 de abril de 2023

Aceito para publicação: 11 de abril de 2023

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