O ano de 2024 foi intenso para a diplomacia brasileira com a realização do G20 Brasil. O país organizou sua maior conferência desde a Eco-1992, com centenas de reuniões ao longo do ano. Passados alguns meses, é possível afirmar que o G20 Brasil foi também um grande sucesso diplomático. A cúpula atingiu consenso e uma declaração importante foi alcançada, a despeito de tensas negociações típicas da diplomacia do G20. Para o Brasil, o G20 foi um grande aprendizado, com intensa participação social nos mais diversos fóruns. Essa experiência mostrou que o G20 não é um fórum apenas para diplomatas e sherpas, mas também uma plataforma de participação da sociedade civil organizada.
O ano de 2024 foi intenso para a diplomacia brasileira com a realização do G20 Brasil (...) maior conferência desde a Eco-1992, com centenas de reuniões ao longo do ano. Passados alguns meses, é possível afirmar que o G20 Brasil foi também um grande sucesso diplomático.
O CEBRI esteve amplamente envolvido com o G20, mais especificamente na organização do T20 (Think Tank 20) ao lado de FUNAG e IPEA. O T20 Brasil realizou sua cúpula nos dias 11 e 12 de novembro envolvendo diversas instituições dos países do G20. Ao longo do ano, o T20 Brasil recebeu centenas de positions papers de dezenas de países e não apenas dos 20 países fundadores, o que representou um enorme esforço de inclusão e participação do T20. O CEBRI e seus parceiros, FUNAG e IPEA, estiveram envolvidos do início ao fim no grande esforço de compilar e analisar todos esses documentos, com o objetivo de sintetizar o espírito das propostas em uma única declaração final. Tal qual o G20, o T20 também foi um sucesso diplomático.
O CEBRI esteve amplamente envolvido com o G20, mais especificamente na organização do T20 (Think Tank 20) ao lado de FUNAG e IPEA. (...) Tal qual o G20, o T20 também foi um sucesso diplomático.
De fato, o Brasil assumiu a presidência do G20 em 2024 em um contexto internacional desafiador, marcado por tensões geopolíticas, como as guerras na Ucrânia e em Gaza. Esses conflitos ameaçavam a construção do consenso e o próprio sucesso da cúpula. O governo brasileiro soube navegar nas ondas revoltas das diversas divisões geopolíticas e construir uma declaração final aceita por todas as partes. Há algumas edições o G20 deixou de ser um fórum voltado exclusivamente a questões econômicas e financeiras. Cada vez mais, outros temas da ordem internacional, do clima às guerras, aparecem ou influenciam os debates do G20.
A presidência brasileira trouxe inovações importantes para a agenda. Um dos principais destaques foi o combate à fome, com a proposição de um plano global para garantir segurança alimentar por meio de investimentos em agricultura sustentável e distribuição mais equitativa de alimentos.
Outra novidade significativa foi a ação conjunta para a reforma da governança global. O Brasil articulou iniciativas para aumentar a representatividade de países emergentes em instituições financeiras internacionais e organismos multilaterais, buscando maior equilíbrio na tomada de decisões globais.
A bioeconomia também teve um papel central na presidência brasileira, promovendo o uso sustentável dos recursos naturais e incentivando políticas voltadas para a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico inclusivo. O Brasil enfatizou a necessidade de financiamento internacional para projetos que aliam tecnologia, preservação ambiental e geração de emprego nas economias em desenvolvimento. O país também impulsionou a agenda ambiental ao articular o compromisso com uma transição energética justa, alinhando interesses de economias emergentes e desenvolvidas.
O Brasil consolidou o debate sobre a tributação global das grandes corporações, buscando maior equidade fiscal no cenário internacional. As mudanças em governos do Norte devem dificultar a implementação dessa agenda, mas o fato de o Brasil conseguir gerar discussão sobre a temática e incluí-la na declaração final mostra que se trata de um tema incontornável.
Além disso, a presidência brasileira manteve o compromisso com pautas tradicionais do G20, como a estabilidade econômica global, o fortalecimento do sistema financeiro internacional e o apoio ao comércio multilateral. O Brasil deu continuidade aos debates sobre a digitalização da economia e a regulação da inteligência artificial, temas que ganharam destaque nas edições anteriores do fórum.
Outro ponto de continuidade foi a ênfase na cooperação internacional para mitigação das mudanças climáticas. O Brasil, ao sediar a COP 30 em 2025, articulou a sinergia entre o G20 e as negociações climáticas globais, reforçando compromissos previamente estabelecidos.
Entre os ganhos diplomáticos, o Brasil reafirmou sua posição como ator central na governança global, ampliando sua capacidade de interlocução com potências tradicionais e emergentes. A presidência do G20 também fortaleceu a imagem do país como mediador em conflitos internacionais e promotor do multilateralismo.
Apesar dos avanços, o G20 Brasil 2024 enfrentou desafios significativos. As tensões entre grandes potências, como EUA, China e Rússia, dificultaram a obtenção de consensos em temas estratégicos, especialmente na reforma do sistema financeiro internacional. Além disso, a resistência de alguns países desenvolvidos em avançar com medidas mais robustas para o financiamento climático limitou os impactos de certas iniciativas propostas pelo Brasil.
A passagem de bastão para a África do Sul também foi um marco da presidência brasileira. Chega-se ao fim da Troika do Sul Global com as respectivas presidências da Índia 2023, Brasil 2024 e África do Sul em 2025. Passados alguns anos, será possível avaliar o impacto conjunto de três países do Sul Global tanto para a agenda do G20 em si, como do próprio multilateralismo. Em 2026 o governo americano de Donald Trump assume a presidência. Aí as prioridades serão muito distintas da Troika.
Enfim, o G20 Brasil 2024 consolidou a posição do país como um protagonista na agenda internacional, deixando contribuições importantes para o multilateralismo e a governança global. Contudo, desafios estruturais persistem, exigindo um esforço contínuo para transformar as propostas em resultados concretos. O legado do Brasil na presidência do G20 será medido não apenas pelo que foi acordado, mas pelo impacto real dessas iniciativas nos próximos anos.
Nesse contexto, a CEBRI-Revista organiza sua 12ª edição sobre o legado e a continuidade do G20 Brasil, fazendo uma ponte com a presidência da África do Sul em 2025. Como os leitores poderão ver, a sessão especial trata especificamente do G20 Brasil com oito textos. Nessas análises, os leitores terão uma noção completa do que foi o G20 Brasil, suas dificuldades, ganhos e desafios. Na mesma toada, a sessão de entrevistas ao final da edição também tem como foco o G20, mas direcionado ao T20 Brasil pelos seus protagonistas, ou seja, os presidentes do CEBRI, Julia Dias Leite, do IPEA, Luciana Servo, e da FUNAG, embaixador Raphael Azeredo, discutem legados e continuidades da agenda do T20 Brasil.
Nesse sentido, o primeiro texto foi escrito pela sherpa brasileira da Trilha de Finanças e sênior fellow do CEBRI, embaixadora Tatiana Rosito. Nesse artigo, Rosito apresenta as agendas prioritárias que a presidência brasileira do G20 promoveu em 2024 na Trilha de Finanças e os resultados alcançados, além de indicar próximos passos. Atriz central do processo de negociação do G20 Brasil, Rosito argumenta que o G20 marcou um importante avanço na construção de uma agenda financeira global comprometida com a inclusão, a sustentabilidade e a resiliência econômica.
O segundo texto de autoria tripla de Maria Netto, Lucas Rizzo e João Felipe Ribeiro, todos membros do Instituto Clima e Sociedade (iCS), mostra que o G20 Brasil se destacou pela promoção de temas voltados para a redução das desigualdades sociais, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global, com resultados satisfatórios relacionados à agenda de financiamento climático, foco dos autores. O artigo busca qualificar o impacto dessas iniciativas, identificar os resultados trazidos pela Declaração dos Líderes e sugerir como esses temas podem influenciar as negociações climáticas no BRICS+ e na COP 30, em 2025.
O texto de Marcelo Furtado, diretor da Nature Finance, head de Sustentabilidade Itaúsa e CEO do Instituto Itaúsa, discute como a Iniciativa de Bioeconomia (GIB), uma das grandes novidades do G20 Brasil, consolidou a bioeconomia na governança global, aprovando os Princípios de Alto Nível e promovendo cooperação multissetorial. O texto aborda de que modo a articulação de uma iniciativa como essa ajuda a influenciar políticas públicas e debates internacionais – destacando-se como estratégia para sustentabilidade econômica – e os desafios para manter o engajamento global diante da crescente crise climática.
O artigo de Dan Ioschpe, chair do Business 20 (B20) durante o período de presidência brasileira do G20 (2024), trata da atuação do Brasil na presidência do B20. Para o autor, a experiência brasileira contribui para o legado do B20 ao enfatizar a relevância de temas urgentes como a descarbonização e a transformação digital, além da ampliação da participação de grupos sub-representados, em especial mulheres, e o compromisso da continuidade dessas políticas.
Dentro da mesma temática, o texto de Cristina Elsner de Faria, B20 Project Manager das forças-tarefas de educação e empregabilidade e de transformação digital do B20, discute o Relatório de Responsividade do B20 e seus destaque aos vínculos e lacunas entre as recomendações do B20 e do G20, servindo como um roteiro para engajamento futuro. Para a autora, os legados do B20 Brasil incluem iniciativas adaptadas ao contexto do Brasil, promovendo metas socioeconômicas e fortalecendo a agenda de políticas do G20.
O artigo escrito por Bruno Bioni, Jaqueline Pigatto, Louise Karczeski e Nathan Paschoalini, todos membros da organização Data Privacy Brasil, destaca como a presidência brasileira do G20 atuou ativamente sobre uma agenda que une transformação digital e equidade social. O texto faz uma discussão crítica das contribuições realizadas no âmbito do T20, a partir do trabalho da Força-Tarefa 5 de Transformação Digital Inclusiva, que englobou principalmente a temática da Inteligência Artificial (IA) e da governança de dados.
O artigo de autoria de Haihong Gao, professora e sênior fellow do Instituto de Política e Economia Mundiais, da Academia de Ciências da China (CASS), trata dos debates do G20 sobre as reformas do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. Para a autora, essas instituições precisam lidar com as questões de recursos financeiros insuficientes em países de baixa renda, acesso limitado à liquidez para economias em desenvolvimento e mercados emergentes e ritmo lento de reforma de governança.
Por fim, o texto de Nicolas Buchoud, assessor especial do CEO do Asian Development Bank Institute (ADBI), e Tetsushi Sonobe, CEO do ADBI, faz uma análise muito interessante das lições aprendidas com o G20 Brasil e as presidências imediatamente anteriores do G20. Eles discutem como essas lições podem ajudar a COP 30 em Belém. Com base em seus antecedentes e experiências complementares, os autores propõem maneiras originais de reviver as trocas multilaterais e construir soluções orientadas para as pessoas, interconectando ecossistemas em escala mundial.
Como se pode notar, a sessão especial traz uma pletora de textos que dão um bom panorama do que foi o G20 Brasil, com foco especial no T20, mas também discute o processo de transição para a COP 30 e a presidência da África do Sul em 2025.
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Como é de praxe, cada edição também traz textos gerais sobre temas importantes de relações internacionais e política externa. Nesse sentido, o artigo de Pedro Feliú Ribeiro, professor do IRI-USP, André Malamud, professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e Luís Schenoni, professor do Departamento de Ciência Política da University College London, trata do tema do superesticamento da política externa brasileira. Ou seja, para os autores, os dois primeiros mandatos de Lula podem ser considerados um exemplo de overstretch da política externa. Esse termo se refere à ambição de um Estado de projetar influência além de sua capacidade, potencialmente levando a uma crise das narrativas e práticas de política externa.
O artigo escrito por Luiz Enrique Vieira de Souza, Alina Mikhailovna Gilmanova Cavalcante e Márcio Giannini Rodolfo argumenta que desentendimentos sobre hidrocarbonetos não devem impedir que países amazônicos estabeleçam iniciativas conjuntas para energias renováveis. Os autores sustentam que a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica deve estabelecer mecanismos para que seus membros alcancem o acesso universal de forma colaborativa.
A revista ainda conta com a resenha do livro “Política externa e jornalismo”, de Maria Helena Tachinardi, escrita pelo embaixador Paulo Roberto de Almeida; e com as entrevistas com os presidentes do CEBRI, Julia Dias Leite, do IPEA, Luciana Servo, e da FUNAG, embaixador Raphael Azeredo, sobre a experiência de organizar o T20 e G20.
Boa leitura!
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