No dia 30 de setembro, o CEBRI realizou, em São Paulo, o evento de lançamento da 14ª edição da CEBRI-Revista, intitulada “Trump e a ordem global: ruptura ou reconfiguração?”. O encontro reuniu especialistas e autoridades que debateram as transformações recentes na ordem internacional e os impactos para a política externa brasileira.
A abertura foi conduzida pelo Diretor Acadêmico do CEBRI e Editor-Chefe da revista, Feliciano de Sá Guimarães, que apresentou a proposta da edição: promover uma reflexão aprofundada sobre a relação do Brasil com os Estados Unidos, a partir de um esforço coletivo de diversos autores.
Na sequência, Hussein Kalout, também Editor-Chefe da CEBRI-Revista, destacou que o Brasil nunca estruturou uma política externa defensiva em relação aos Estados Unidos, embora atualmente exista uma corrente ideológica consolidada nesse campo. Ressaltou que a instabilidade da relação bilateral exige do Brasil maior diversificação de alternativas e fortalecimento da autonomia estratégica. Para Kalout, a multipolaridade emergente reduz a influência norte-americana e beneficia países como o Brasil e o Sul Global. Concluiu defendendo a atualização da metodologia de formulação da política externa, de modo a permitir respostas mais ágeis a medidas unilaterais, exemplificando com o caso do “tarifaço”.
A especialista Vera Thorstensen trouxe a perspectiva da geoeconomia, enfatizando a relevância das regras de origem da Organização Mundial do Comércio (OMC) para a compreensão das dinâmicas atuais do comércio internacional.
Em seguida, o Conselheiro Consultivo Internacional do CEBRI, Victor do Prado, ressaltou a importância do artigo do diplomata Synesio Sampaio Goes Filho sobre a política comercial norte-americana. Observou que os Estados Unidos vêm estabelecendo arranjos bilaterais informais com países como União Europeia, Reino Unido, Vietnã, Filipinas e Indonésia, acordos desiguais e sem a formalidade jurídica de tratados, que levantam dúvidas sobre sua compatibilidade com as regras do GATT/OMC. Prado analisou ainda a ausência de reação conjunta de outros países às medidas tarifárias do governo Trump, apontando fatores como a diversidade de impactos e a atratividade contínua do mercado americano. Para ilustrar, recorreu ao “Dilema do Prisioneiro”, conceito da Teoria dos Jogos que explica por que, mesmo quando a cooperação é mais benéfica, os atores optam por estratégias individuais.
O Diretor Executivo para as Américas do Eurasia Group, Christopher Garman, convidado da 14ª edição da revista, destacou as diferenças entre o primeiro e um eventual segundo mandato de Donald Trump. Salientou que hoje há maior clareza quanto à postura do governo norte-americano em relação à América Latina e chamou atenção para a necessidade de refletir sobre a legalidade dos instrumentos utilizados pelos Estados Unidos na implementação de tarifas internacionais, como o International Procurement Act (IPA).
Encerrando o debate, o Conselheiro Fundador do CEBRI e Professor Emérito da USP, Embaixador Celso Lafer, remeteu a artigo de sua autoria publicado no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado “Incertezas”. Nele, reflete sobre a instabilidade crescente no sistema internacional e sobre a defasagem entre ordem e poder. Em seus comentários, ressaltou que a primazia norte-americana foi, em dado momento, elemento estruturante da ordem mundial, mas que os Estados Unidos já não dispõem da mesma capacidade de organização global. Lafer destacou também a relevância da diplomacia comercial, marcada pelas barreiras não tarifárias, reforçando a análise de Victor do Prado sobre a fragilidade dos chamados deals firmados pelos EUA. Concluiu avaliando que a liderança de Donald Trump se define pela pretensão de declarar exceções, tanto no plano interno quanto internacional, o que aprofunda as incertezas vigentes.