Masterclass com os jornalistas da Globo News e O Globo debate o tema “América Latina em Foco”

Na quinta-feira (25/9), o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) realizou a masterclass “América Latina em Foco” com os jornalistas da Globo News e O Globo, Ariel Palacios e Janaína Figueiredo.

Com a abertura da Diretora-Presidente do CEBRI, Julia Dias Leite, a masterclass destacou a complexidade atual da política na América Latina, marcada pela fragmentação institucional, pela ausência de consensos regionais e pela crescente influência do governo Trump nos assuntos hemisféricos.

Fragmentação política, novos mosaicos de poder e o fator Trump na América Latina

Em sua exposição, Ariel Palacios argumentou que a região vive hoje um cenário distinto daquele em que presidentes recém-eleitos contavam com maiorias parlamentares de seus próprios partidos, como no caso de Evo Morales e Luis Arce na Bolívia, ou dos Kirchner na Argentina. 

O especialista defendeu que, atualmente, observa-se um “mosaico” político: presidentes eleitos que não dispõem de base legislativa sólida, a exemplo de Gustavo Petro na Colômbia, Gabriel Boric no Chile ou mesmo Javier Milei na Argentina. Essa ausência de maiorias próprias dificulta a governabilidade e dilata uma instabilidade política.

No que concerne à relação dos governos latino-americanos com Washington, a jornalista Janaína Figueiredo apresentou uma dimensão que surge com o retorno de Donald Trump. No novo cenário, a correspondente do O Globo afirma que o presidente norte-americano, em sua proximidade com o presidente eleito argentino, Javier Milei,  utiliza o líder como porta-voz e instrumento geopolítico na região. 

Argentina em foco

Os especialistas sublinharam as especificidades do caso argentino. Ariel Palacios enfatizou o antagonismo permanente que caracteriza a política do país, expresso na centralidade do Peronismo e em sua oposição histórica.

No campo eleitoral, Janaína Figueiredo observou que o Peronismo ressurge com força, como demonstrado pela vitória da coalizão liderada por Axel Kicillof na Província de Buenos Aires durante as eleições de 2023. Para a jornalista, as eleições legislativas de outubro de 2025 serão decisivas: a depender do desempenho de Javier Milei, os resultados podem sinalizar o desgaste irreversível de seu governo e até comprometer o apoio norte-americano.

Ainda sobre Milei, Janaína destacou a preocupante ausência de uma diplomacia presidencial sólida entre Brasil e Argentina, em contraste com o relacionamento mantido com outros países, como o Equador. Ela também ressaltou o enfraquecimento de instâncias multilaterais, como a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), revelando a crescente fragmentação regional.

Bolívia

A Bolívia carrega uma longa tradição de instabilidade institucional. Nesse contexto, Ariel Palacios analisou a chegada de Evo Morales ao poder como um ponto de inflexão, marcado pela fundação do Estado Plurinacional e pela mudança das regras de reeleição.

Quanto ao futuro próximo, os analistas avaliam que o curto e médio prazo permanecem incertos, cenário que tende a favorecer Morales, cuja liderança costuma se fortalecer em momentos de crise. Foi mencionado, ainda, que figuras alternativas, como Ricardo Paes Pereira, poderiam desempenhar um papel na redução do risco de convulsão social.

Chile

O Chile se prepara para novas eleições em novembro, em meio a um cenário de fragmentação política. A esquerda articula-se em torno da candidatura de Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho do governo Boric, enquanto a direita, ainda dispersa, pode vir a se consolidar.

Durante a discussão, foram levantadas especulações sobre os nomes que poderão disputar a presidência e suas reais chances no pleito. Em paralelo, Janaína Figueiredo chamou atenção para os alarmantes indicadores econômicos do país, que tendem a adicionar peso às decisões do eleitorado.

Venezuela

Um dos casos mais delicados da região, Ariel Palacios apresentou a formação social venezuelana e as profundas divisões que a caracterizam.

O êxodo venezuelano, já superior ao de países em guerra como a Síria, revela a gravidade da crise atual no país. Nesse contexto, o governo de Trump incide na Venezuela sob uma estratégia ambígua: de um lado, ensaia pressões militares e de intimidação; de outro, possui alas dispostas a dialogar com Nicolás Maduro e reafirmar o interesse no petróleo e na deportação de venezuelanos no território norte-americano. Sob o olhar de analistas internacionais, os reais objetivos de Washington ainda permanecem incertos, e as divisões internas na oposição venezuelana e o silêncio de instâncias regionais como a CARICOM reforçam a vulnerabilidade do país diante de pressões externas.

Conclusões

Para os especialistas, a América Latina atravessa uma fase de incertezas, com instituições regionais fragilizadas e uma crescente influência externa, em especial da extrema-direita estadunidense. O caso argentino ilustra bem esse quadro, mas Bolívia, Chile e Venezuela revelam igualmente as crises internas enfrentadas pela região.

O resultado é um mapa fragmentado, em que cada país requer análise própria e estratégias específicas de política externa, inclusive para o Brasil. Nesse contexto, a capacidade de navegar entre pressões domésticas e condicionantes externas torna-se o maior desafio das democracias latino-americanas.

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