Foto: Ricardo Stuckert
No dia 6 de dezembro de 2024, foi oficialmente anunciada a conclusão das negociações do Acordo de Parceria entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul), integrado pelos países-membros Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e a União Europeia (UE), composta por 27 países-membros, encerrando um processo diplomático que se estendia por mais de duas décadas. O anúncio oficial da conclusão da negociação birregional foi feito pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no encerramento da 65ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, realizada em Montevidéu, nos dias 5 e 6 de dezembro.
As negociações que resultaram nesse acordo começaram no final do século XX. A primeira reunião de Chefes de Estado e de Governo da América Latina, Caribe e União Europeia, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1999, estabeleceu as bases para a criação de uma parceria birregional estratégica, impulsionando os esforços entre o Mercosul e a UE para a construção de um tratado bilateral que promovesse uma maior integração econômica e comercial entre os dois blocos.
Com a conclusão das negociações, o MERCOSUL e a União Europeia iniciarão a preparação dos textos do Acordo para assinatura. Os próximos passos incluem a redação final do texto, com revisão jurídica e tradução para os idiomas oficiais dos países. Após esse processo, o Acordo será submetido aos procedimentos internos de cada parte para aprovação – no caso da UE, a análise do Conselho e do Parlamento Europeu. Com a aprovação dessas instâncias, o tratado será assinado, formalizando o compromisso das partes. Em seguida, passará pelos respectivos processos de ratificação. Após essas etapas, o tratado entrará em vigor, marcando o início de um novo capítulo nas relações entre os dois dos maiores blocos econômicos do mundo.
Com uma população combinada de cerca de 718 milhões de pessoas e um Produto Interno Bruto (PIB) estimado em US$ 22 trilhões, o Acordo de Parceria entre o Mercosul e a União Europeia não apenas se consolida como o maior já negociado pelo Mercosul, mas também figura entre os mais relevantes pactuados pela União Europeia com parceiros comerciais.
O que é o Acordo de Parceria Mercosul-União Europeia? Quais os principais pontos?
Trata-se de um dos maiores acordos bilaterais de livre comércio do mundo, refletindo novas oportunidades de comércio e investimentos, e um importante espaço de diálogo. Além de reforçar os mecanismos de cooperação política entre os dois blocos, que compartilham valores e interesses comuns, como a defesa da democracia, o multilateralismo e a promoção dos direitos humanos, o Acordo prevê ganhos econômico-comerciais significativos e reforça o compromisso de ambas as partes com as agendas ambiental, social e econômica.
O que o acordo representa para o Brasil?
O Brasil representa aproximadamente 80% do comércio realizado entre o Mercosul e a UE. Do ponto de vista brasileiro, o Acordo com a União Europeia, segundo maior parceiro comercial do Brasil, possui um valor estratégico multifacetado. Espera-se que ele fortaleça a diversificação das parcerias comerciais do país em bases mais amplas e sustentáveis, um aspecto crucial para expandir sua inserção econômica global e a maior integração nas cadeias globais de valor (CGVs). O Acordo também visa impulsionar a modernização da indústria brasileira, ao integrar o país às cadeias produtivas da União Europeia, além de aumentar o fluxo de investimentos e simplificar os processos de importação e exportação.
Em conformidade com os objetivos compartilhados da transição verde, o Acordo também viabiliza a ampliação de parcerias estratégicas voltadas ao desenvolvimento sustentável, alavancando a matriz energética limpa do Brasil para impulsionar a exportação de energia renovável e a manufatura de produtos com baixas ou nulas emissões de CO2. Sob a orientação do presidente Lula, desde 2023, o governo brasileiro tem dedicado atenção especial aos interesses e preocupações nacionais, priorizando áreas como o desenvolvimento industrial, a sustentabilidade e a preservação do espaço para políticas públicas em setores estratégicos, como saúde pública, tecnologia e inovação.
O papel do G20 nas negociações
Houve por um tempo a expectativa de que o Acordo seria assinado durante a Cúpula do G20. Apesar do frustrante atraso, a conclusão das negociações do Acordo Mercosul-UE ocorre logo após a Cúpula de Líderes do G20, realizada nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro. O Acordo simboliza o compromisso dos blocos econômicos com as agendas de integração comercial e desenvolvimento sustentável, uma questão destacada na declaração final da Cúpula dos Líderes do G20.
O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considera que o avanço positivo das negociações do Acordo é um retrato do apelo feito pelo Brasil como líder do G20 em 2024 por uma “reglobalização sustentável do ponto de vista social, econômico, ambiental e geopolítico”. A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, defendeu que “o acordo não é apenas uma necessidade econômica. É necessidade política”. Além das vantagens comerciais, ambas as partes vislumbram o Acordo como uma ratificação de valores compartilhados entre as nações como a defesa da democracia, dos direitos humanos e do combate às mudanças climáticas.
Protecionismo verde e pontos de sensibilidade
Um dos principais obstáculos nas negociações do Acordo foram as demandas da UE relacionadas à proteção do meio ambiente . A posição brasileira era de que a UE tentava emplacar uma forma de “protecionismo verde”, no qual barreiras comerciais apareceriam disfarçadas de políticas de proteção ambiental. Um exemplo disso é a exigência francesa pela inclusão ‘cláusulas espelho’, ou seja, um mecanismo que exige que produtos estrangeiros sejam comercializados na UE apenas se seguirem as mesmas condições impostas internamente aos produtores europeus. O ponto foi ainda fruto de polêmicas para o lado europeu, no qual o maior símbolo é a persistente objeção da França ao Acordo, o que pode dificultar a assinatura, ainda que os líderes tenham dado o “aperto de mãos” decisivo. O Presidente Emmanuel Macron argumenta que este pode ser uma ameaça à produção agrícola no país. A posição da Itália corrobora o apelo francês, defendendo que apesar de a política industrial estar caminhando na direção certa, é preciso repensar o que se está definindo em relação à produção agrícola.
A Fundação Konrad Adenauer (KAS) organizou, em dezembro de 2024, uma delegação de formadores de opinião brasileiros para uma visita a Berlim e Bruxelas, com o objetivo de aprofundar o diálogo sobre a relação entre o Brasil e a União Europeia. Pelo CEBRI, participaram Léa Reichert, Diretora Adjunta de Projetos, e Marianna Albuquerque, Senior Fellow e Professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID-UFRJ). A iniciativa abordou temas como defesa, comércio e política externa, destacando o papel da Alemanha como parceira estratégica do Brasil em um mundo em transformação. O programa buscou oferecer análises qualificadas sobre o cenário político brasileiro e a política externa, além de promover o intercâmbio de perspectivas e experiências entre analistas brasileiros e parceiros europeus. Entre os principais tópicos discutidos estavam a presidência brasileira do G20, a organização das cúpulas do T20 e do G20, a realização da COP30 no Brasil e a futura presidência dos BRICS pelo país, com menções ao impacto do Acordo Mercosul-UE nesse contexto estratégico.
A delegação teve a oportunidade de visitar instituições como o Bundestag, a sede central da Fundação Konrad Adenauer em Berlim, a OTAN e o Serviço Europeu de Ação Externa (EEAS), em Bruxelas. Além disso, encontros com especialistas alemães e europeus enriqueceram o debate, ampliando o entendimento mútuo sobre os desafios e oportunidades nas relações bilaterais e no cenário internacional. A visita ocorreu em paralelo ao anúncio de conclusão das negociações do Acordo Mercosul-UE, realizadas durante a 65ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul. As relações comerciais entre esses dois blocos é um dos principais tópicos de trabalho da parceria CEBRI-KAS. O conteúdo discutido durante a viagem contribuiu para o melhor entendimento desse tema, fortalecendo essa parceria na sua missão de disseminar informações e propor ideias para as relações bilaterais Brasil-União Europeia.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Confira a entrevista do Vice-Presidente do Conselho Curador do CEBRI, Embaixador José Alfredo Graça Lima. Na capacidade de Subsecretário-Geral para Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior (1998-2002) foi responsável por todas as negociações comerciais bilaterais, plurilaterais, birregionais e multilaterais do Brasil e do Mercosul.
Assista na íntegra AQUI.