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The Mercosur-European Union Agreement in the New Global Context

As negociações do pilar comercial do acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) foram concluídas em junho de 2019, em uma conjuntura doméstica e internacional completamente diferente do momento quando foram iniciadas, em 1999. Naquele ano, o Mercosul estava para completar 10 anos, em uma trajetória de aumento do comércio intra- e extra-regional e otimismo acerca de seu papel para fortalecer a inserção dos seus estados-membros na economia e política global. Em termos geopolíticos, a aproximação com a UE era vista como uma estratégia para contrabalançar a hegemonia dos Estados Unidos da América (EUA) na região. No caso do Brasil, iniciava-se o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, um período de consolidação democrática, e com uma política externa pautada pela busca da “autonomia via integração” (Vigevani et al. 2003). 

Já em 2019, o país vivia uma de suas piores horas, sob o governo de Jair Bolsonaro, empossado em janeiro daquele ano. Apesar de conquistas significativas, o Mercosul também sofria, por um lado, da polarização e ideologização no regionalismo Latino-Americano, marcado pelas discórdias sobre como lidar com a crise na Venezuela e, por outro lado, da queda de sua relevância comercial ao longo da década anterior (Ribeiro Hoffmann 2020). A ascensão da China, crise das instituições multilaterais e incertezas sobre as mudanças em curso na ordem internacional definiam os contornos da conjuntura global, que ainda iria se tornar mais complexa com a pandemia Covid-19 e a Guerra na Ucrânia.

A conclusão das negociações comerciais do acordo Mercosul-UE, que haviam sido reabertas em 2016, foi polêmica. Para além das tradicionais disputas nas áreas de agricultura, propriedade intelectual e compras governamentais, o contexto político brasileiro e, em particular, sua política ambiental, despertaram críticas em ambas as regiões (Toni & Feitosa 2022; da Silva et al. 2019). O texto final resultado das negociações foi disponibilizado no site da Comissão Europeia, mas o acordo ainda está sujeito a modificações; como afirma Diz (2022, 6): 

É importante sublinhar que o AA [Association Agreement] é ainda um projeto e não um documento oficial final e vinculativo. Está sujeito a revisão técnica e jurídica (conhecida como “depuração jurídica”); por conseguinte, apesar do anúncio do fim das negociações, algumas questões continuam a ser objeto de negociações e possíveis alterações. A experiência aponta para o fato de que devem ocorrer alterações significativas durante a fase de “scrubbing”, especialmente em disposições sobre temas sensíveis que não foram redigidos em detalhes, como os contratos públicos e o desenvolvimento sustentável. Por último, antes de entrar em vigor, o acordo deve ser revisto e ratificado pelas autoridades nacionais competentes das Partes” (Tradução própria).  

As negociações dos pilares de diálogo político e cooperação foram concluídas em junho de 2020, mas não foram disponibilizadas (Caetano 2022). Com a posse de Lula, aumentaram as expectativas para a assinatura do acordo durante a Cúpula UE-CELAC, a ser realizada em Madrid, em julho de 2023 (Vilela 2023; Fontes 2023). Este artigo discute algumas das principais características do acordo e possíveis efeitos para o Mercosul.

O ACORDO

Devido ao escopo deste trabalho, a análise do acordo foca o tratamento do desenvolvimento sustentável e as questões ambientais, um dos temas mais controversos. Em seu item 14, o acordo afirma que:

A premissa de base é que o aumento das trocas comerciais não deve ser obtido à custa do ambiente nem das condições laborais. Pelo contrário, deve promover o desenvolvimento sustentável. 

As partes acordam que não devem ser menos exigentes no que respeita às normas laborais ou ambientais a fim de atrair comércio e investimento. Consideram também que o acordo comercial não deve restringir o seu direito de legislar em matéria ambiental ou laboral, incluindo em situações nas quais a informação científica não é concludente. 

As partes comprometem-se a respeitar as convenções da Organização Internacional do Trabalho relativas a: 

- Trabalho forçado e infantil 

- Não discriminação no trabalho 

- Trabalho infantil 

- Liberdade de associação e direito à negociação coletiva. 

Ademais, há compromissos em matéria de saúde e segurança no trabalho e de inspeção do trabalho. 

Ambas as partes também se comprometem a respeitar acordos multilaterais no domínio do ambiente que tenham assinado (European Commission 2019, 27-28). 

Também foram incluídos no acordo compromissos relativos ao combate contra a desflorestação e a promoção da responsabilidade social das empresas/conduta empresarial responsável. Adicionalmente, questões ambientais são tratadas no sistema de solução de controvérsias proposto no acordo. O mecanismo geral previsto é a arbitragem, a ser acionada em caso de fracasso de consultas e mediação. No entanto, há um mecanismo específico no capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, que prevê apenas consultas e, em seu fracasso, análise e recomendações não vinculantes por parte de um painel de três especialistas, ou seja, um mecanismo mais fraco. Apesar das inovações, os mecanismos do acordo foram criticados por juristas e ambientalistas de ambas as regiões (Fillol 2022). Mais recentemente, o presidente Lula manifestou seu descontentamento com as condicionalidades do acordo, ainda que a política ambiental seja prioridade de seu governo (Ferreira 2023; Sanahuja 2020; Do Amaral et al. 2021; Chade 2023). 

Dada polêmica acerca do tema das condicionalidades, é importante discutir como serão tratados os temas da democracia e dos direitos humanos nos outros pilares do acordo. Tradicionalmente, estes são considerados valores comuns em ambas as regiões; tanto o Mercosul como a UE têm cláusulas democráticas e outros mecanismos para promover e proteger as democracias e direitos humanos de seus Estados-membros, contudo, esses instrumentos não se mostraram efetivos nas últimas crises, podendo-se citar a Hungria e Polônia na Europa, e a Venezuela e o próprio Brasil na América Latina. A fragilidade democrática e ascensão da extrema-direita em ambas as regiões torna o tema da condicionalidade democrática ainda mais relevante neste contexto, embora, talvez justamente por isso, mais questionada. 

EFEITOS DO ACORDO PARA O MERCOSUL

Os impactos econômicos do acordo foram analisados em diversos estudos, incluindo o relatório da Avaliação de Impacto da Sustentabilidade encomendado pela Comissão Europeia (LSE Consulting 2018), que aponta para benefícios comerciais moderados para ambas regiões, inclusive nos setores automobilístico e agrícola, mas são mais céticos sobre o efeitos nos investimentos:

(...) espera-se que o ACL UE-Mercosul constitua um fator importante para impulsionar os investimentos entre as duas regiões. No entanto, na fase atual, é ainda difícil avaliar sua magnitude e quais os setores e países que podem se beneficiar. Os dados sobre investimento são escassos, o que complica a definição de uma base de referência credível para diagnosticar e projetar investimento futuro” (LSE Consulting 2018, 61).

Baltensperger e Dadush (2019) também apresentam uma análise moderadamente positiva, argumentando que embora os ganhos quantificáveis sejam reduzidos:

devido à pequena parte do comércio da UE com o Mercosul e às ambições relativamente modestas do acordo em termos de liberalização da agricultura na UE e da indústria manufatureira no Mercosul. No entanto, o acordo, se for ratificado e acompanhado de reformas que reforcem a competitividade, poderá representar um importante passo em frente para o Mercosul, impulsionando-o para uma estratégia de desenvolvimento orientada para o exterior. O acordo poderá igualmente representar um importante passo em frente para a UE nos seus esforços de reforma do sector agrícola. 

Já os autores em Maduro et al. (2020), analisando o impacto normativo do acordo, argumentam que ele: 

representa uma inflexão na política de inserção internacional do Mercosul e de seus países associados. Sendo um acordo de nova geração, alinhado com os acordos comerciais mais modernos, a normativa negociada entre os dois blocos é, em muitas áreas, mais profunda e moderna do que a vigente no Mercosul. Ademais, o acordo com a União Europeia incorpora normativas em áreas em que há um vazio  regulatório no bloco sul-americano. É de se esperar que o acordo Mercosul-UE venha a influenciar o arcabouço normativo do bloco sul-americano e a própria essência do processo de integração, uma vez que será necessário promover uma atualização da agenda do bloco para mantê-lo compatível com o acordo negociado (Maduro et al. 2020, 5).

Peña (2023) também chama atenção para potenciais efeitos da ‘bilateralidade’ do acordo, ou seja, o fato que o acordo poderá entrar em vigor em um estado-parte antes que todos estados-partes o tenham ratificado: 

la denominada bilateralidad podría tener consecuencias que trascienden al acuerdo birregional y que penetrarían hondo incluso en la dimensión existencial del Mercosur y en las relaciones entre sus países miembros…[transformando] la unión aduanera del Mercosur en una zona de libre comercio” (Peña 2023, 2-3). 

O retrocesso do Mercosul para uma área de livre comércio, com a abolição da tarifa externa comum, foi amplamente discutida sobre o conceito de ‘flexibilização’, promovida no Brasil durante o governo Bolsonaro, sobretudo por seu ministro da Economia Paulo Guedes, assim como pelos presidentes Mario Abdo Benítez (Paraguai) e Lacalle Pou (Uruguai), este último tendo chegado a chamar o Mercosul de um “corset” que impedia o movimento de seus estados-membros (CNN Brasil 2021). O novo ciclo eleitoral no Brasil acabou por diluir o projeto de flexibilização.

Para concluir, para além dos efeitos do acordo no Mercosul e nas sociedades dos seus estados-membros, é necessário considerar os efeitos geopolíticos no plano global. Na atual conjuntura, o acordo entre o Mercosul e a UE contribui para o fortalecimento do multilateralismo, e a sinalização por parte de ambas as regiões que mesmo em uma conjuntura de incertezas e disputa hegemônica, é possível abrir espaços de diálogo que resistam e contestem processos de bilateralização e o retorno de uma ordem global bipolar.

Referências Bibliográficas

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Chade, Jamil. 2023. “Governo Lula não aceitará condições ambientais da Europa para fechar acordo”. Notícias Uol, 27 de abril de 2023. https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/04/27/governo-lula-nao-aceitara-condicoes-ambientais-da-europa-para-fechar-acordo.htm?utm_campaign=jamil-chade&utm_content=veja-texto-completo&utm_medium=email&utm_source=notificacao-coluna

CNN Brasil. 2021. “Com bate-boca entre Fernández e Lacalle, reunião escancara fissuras no Mercosul”. CNN Brasil, 26 de março de 2021. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/com-bate-boca-entre-fernandez-e-lacalle-reuniao-escancara-fissuras-no-mercosul/

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