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International Court of Justice denies provisional measures in the Mexico and Ecuador case.

Latest Chapter in the Tensions Escalation between the Countries

Em 23 de maio de 2024, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) rejeitou, por unanimidade, o pedido do México para aplicação de medidas provisórias[1] contra o Equador pela invasão da embaixada mexicana em Quito (CIJ 2024). A Corte concluiu que o México não comprovou que o Equador havia lesado seus direitos de forma irreversível ou que a circunstância exigia a aplicação urgente de medidas cautelares[2].

A decisão reforça a crescente procura por medidas provisórias nos últimos anos. Entre 2023 e a presente data, o número de solicitações supera a soma dos cinco anos anteriores, evidenciando o renovado interesse dos Estados por este instrumento processual cautelar.

O caso representa o último capítulo da escalada de tensões entre os países latino-americanos. O imbróglio iniciou quando o presidente mexicano, López Obrador, argumentou que o assassinato do candidato presidencial equatoriano Fernando Villavicencio, ocorrido dias antes do primeiro turno eleitoral em 2023, teria influenciado a votação final, vencidas por Daniel Noboa. 

A detenção de Jorge Glas, ex-vice-presidente do Equador, em 5 de abril na embaixada mexicana em Quito, acirrou a crise política entre os países, apesar de tentativas de conciliação diplomática. Condenado por corrupção e em liberdade provisória, Glas buscava asilo na embaixada mexicana temendo novas medidas por parte das autoridades equatorianas. Essa ação gerou forte reação do México, que, considerando-a violação flagrante de sua soberania, rompeu relações diplomáticas com o Equador e iniciou procedimento contencioso na CIJ dias depois.

Em sede cautelar, o México requereu que o Equador tomasse medidas “apropriadas e imediatas” para garantir a proteção e segurança da embaixada mexicana, incluindo seus arquivos e as residências privadas dos diplomatas mexicanos. O Estado mexicano também exigiu que o Equador se abstivesse de qualquer ação que possa prejudicar o processo em andamento na CIJ, incluindo a garantia de que não haverá novas medidas contra o México ou seus representantes. 

O México, no mérito, solicita à CIJ que reconheça a responsabilidade internacional do Equador por violações à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que estabelece os princípios de inviolabilidade e não interferência nas atividades das missões diplomáticas. Além disso, requer a suspensão do Equador como membro da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em resposta, o governo do Equador, horas antes do início das audiências públicas do caso na Haia, apresentou sua própria queixa à CIJ, na qual acusa o México de utilizar indevidamente a embaixada mexicana em Quito para abrigar o ex-vice-presidente desde dezembro de 2023 (CIJ 2024b). Com base na mesma Convenção de Viena, o Estado equatoriano argumenta que houve violação ao princípio da não interferência em assuntos internos, além de apontar violações às Convenções sobre Asilo Diplomático de 1954 (“Convenção de Caracas”) e sobre Asilo Político de 1933, e à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

Os casos demonstram que o tema do asilo diplomático, caro ao contexto latino-americano, retorna às instâncias internacionais. Marcada por turbulenta trajetória política, a região encontrou no asilo diplomático instrumento importante para proteger indivíduos vítimas de perseguição política, uma tendência dos regimes autoritários do século XX[3]

O instituto do asilo diplomático foi analisado pela CIJ ao julgar os casos Asilo e Haya de la Torre, respectivamente, em 1950 e 1951. No centro do debate estava a prerrogativa da Colômbia, na qualidade de Estado concedente do asilo, em determinar unilateralmente a natureza do crime cometido por Victor Raúl Haya de la Torre, líder político equatoriano. A questão cingia-se a avaliar se o crime em questão era de cunho político, garantindo-lhe o direito ao asilo, ou se se configurava como crime comum, o que o excluiria dessa proteção. A CIJ decidiu por unanimidade que a Colômbia, como Estado concedente, não era competente para qualificar a infração por meio de uma decisão unilateral e definitiva, vinculante ao Peru. Além disso, a Corte não reconheceu a existência de um costume regional nesse sentido, já que o Peru a ele se opunha  (CIJ 1950, 266; 1951a, 71).

O resgate do caso Asilo na disputa atual entre México e Equador, à primeira vista adequado, pode-se revelar problemático. Afinal, a Convenção de Caracas de 1954 – da qual ambos são parte – estabeleceu, em seu artigo 4º, o direito de qualificação do delito pelo Estado asilante. Em seu procedimento, o Equador se absteve de citar o dispositivo, limitando-se a afirmar que o ex-vice-presidente nunca fora objeto de perseguição política. A postura equatoriana destoa, ademais, da decisão de conceder asilo a Julian Assange por sete anos na embaixada equatoriana em Londres, ainda que adotada pelo governo anterior. 

É de se notar, ainda, a argumentação no sentido de que a concessão de asilo pelo México viola o princípio de não interferência em assuntos internos, em razão da utilização da missão diplomática mexicana para fins supostamente incompatíveis com o exercício de suas funções diplomáticas, conforme dispõe o artigo 41 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. No entanto, desde o caso Nicarágua[4], a apuração de eventual violação ao princípio da não intervenção exige que se avalie se o ato em questão – a concessão de asilo – constitui ingerência coercitiva no contexto político-eleitoral equatoriano (CIJ 1984, 392).

Além disso, a decisão é notável por sua concisão, o que revela tendência preocupante para a atuação da Corte em matéria processual. A Corte, desde sua primeira decisão sobre aplicação de medidas provisórias no caso Anglo-Iranian Oil, de 1951[5], gradualmente identificou condições cumulativas para o exercício da prerrogativa estabelecida pelo artigo 41 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, quais sejam: (i) existência de jurisdição prima facie[6]; (ii) plausibilidade dos direitos pleiteados; (iii) conexão dos direitos pleiteados com as medidas requeridas; (iv) o risco de dano irreparável; e (v) urgência (CIJ 1951b, 89).

A Corte tem mantido a tradição de abordar a existência de jurisdição prima facie como requisito, mesmo quando, em seguida, venha a negar a concessão de medida cautelar por falta de urgência, como ocorreu no caso Bélgica v. Senegal[7]. E não é só: desde os casos Fisheries Jurisdiction e Nuclear Tests, ambos da década de 1970, a existência de jurisdição prima facie tem sido abordada pela Corte como elemento prejudicial à análise dos demais requisitos para concessão de medida provisória (CIJ 2012, 422; 1972a, 12; 1972b, 30; 1973a, 99, 1973b, 135). 

Uma das raras exceções à jurisprudence constante da Corte ocorreu no recente caso Nicarágua v. Alemanha[8]. Ao indeferir o pedido cautelar, a Corte se absteve de enfrentar aspectos substantivos relevantes – tais como a jurisdição prima facie –, limitando-se a relatar os fatos e argumentos das partes para concluir que “as circunstâncias não exigiam a aplicação de medidas provisórias” (CIJ 2024, tradução livre).

A primazia da economia processual parece ter influenciado a Corte ao, novamente, indeferir medida cautelar sem abordar a jurisdição prima facie na ordem de 23 de maio. Diferentemente do caso Nicarágua v. Alemanha, a Corte amparou-se no caráter vinculante de declarações públicas do Estado equatoriano, dirigidas tanto à Corte quanto ao México, que asseguravam o compromisso equatoriano de respeitar a integridade da missão diplomática mexicana e de seus agentes. Reconhecendo que o ato unilateral cria obrigação jurídica para o Estado emissor, a Corte rapidamente concluiu que não havia urgência na aplicação de medida cautelar.

Embora proferida de forma unânime, a decisão foi acompanhada por cinco declarações apartadas emitidas por juízes que compõem a Corte. Tais pronunciamentos individuais podem indicar pontos de divergência que, se não são suficientes para inaugurar divergência, podem revelar fissuras na posição unânime da Corte. É o que se percebe da declaração do juiz alemão Georg Nolte (2024), que criticou a tendência econômica da Corte. Para Nolte, o aumento de pedidos de medidas cautelares pode justificar maior concisão nas decisões, mas não deve permitir a desconsideração de condições que assumem prioridade lógica e substantiva.

A recepção favorável à decisão da CIJ pelas autoridades mexicanas e equatorianas é digna de nota. O governo equatoriano, por meio de comunicado oficial, se mostrou satisfeito com o resultado, afirmando que a decisão “confirma a natureza desnecessária do pedido” apresentado pelo México (Equador 2024). Já a chancelaria mexicana considerou a decisão da Corte como um “avanço na proteção dos interesses” do país (México 2024). Com essa postura, ambos os governos demonstram confiança na resolução do caso no mérito. 

O caso Glas expõe as fragilidades da diplomacia regional e acende preocupações com a escalada de conflitos entre nações latino-americanas. Nesse sentido, as tensões podem colocar em risco interesses estratégicos do Brasil (2024) – que condenou a ação equatoriana –, como o fortalecimento de mecanismos de cooperação regional já existentes, como o Mercosul e a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, e a dinamização das relações bilaterais com países andinos. Para o direito internacional, permanece a questão de saber se a Corte, no mérito, revisitará o instituto do asilo diplomático, a fim de esclarecer aspectos obscuros sobre o estado atual do princípio e sua aplicação nos crescentes pedidos de asilo diplomático.


Notas

[1]No âmbito da Corte Internacional de Justiça, as medidas provisórias se configuram como instrumentos processuais excepcionais e urgentes, empregados para prevenir danos irreparáveis ​​ou proteger direitos básicos enquanto se aguarda a resolução final de um caso contencioso. Tais medidas, previstas no artigo 41 do Estatuto da Corte e vinculantes às partes em disputa, assumem caráter cautelar e temporário, visando resguardar os interesses das partes em litígio e garantir a efetividade das decisões da Corte.

[2]Uma versão abreviada deste artigo (Almeida & Vollers 2024) foi publicada no portal Migalhas em 14 de junho de 2024.

[3]O asilo diplomático é um instrumento do direito internacional que permite a um Estado conceder proteção a um indivíduo que se encontra em sua missão diplomática (embaixada ou consulado) e corre risco de perseguição ou dano em seu país de origem. Trata-se de instituto controverso, pois não é universalmente reconhecido e gera tensões entre os Estados envolvidos. No entanto, na América Latina, o asilo diplomático tem uma longa tradição e importância histórica, tendo sido utilizado como ferramenta para proteger indivíduos perseguidos por regimes autoritários.

[4]Neste importante caso para a litigância internacional, a Corte condenou os Estados Unidos por violarem o direito internacional ao apoiar rebeldes contra o governo sandinista da Nicarágua, em particular os princípios da não intervenção em assuntos internos e da proibição do uso da força.

[5]Neste caso, a Corte Internacional de Justiça determinou, pela primeira vez, a aplicação de medidas cautelares para, inter alia, assegurar o status quo ante entre as partes, prevenir o agravamento da disputa e permitir a continuação supervisionada das operações no Irã da Anglo-Iranian Oil Co.

[6]Jurisdição prima facie no direito internacional refere-se a uma avaliação preliminar feita por uma corte ou tribunal internacional de que, com base nas informações disponíveis inicialmente, parece ter jurisdição sobre um caso. Trata-se de determinação inicial de que o órgão jurisdicional possui fundamentos suficientes para avaliar a aplicação de medidas cautelares, sem decidir definitivamente sobre o mérito da disputa.

[7]Em 2009, a Bélgica iniciou procedimento contra o Senegal na Corte Internacional de Justiça, alegando que Senegal violava a obrigação de “extradição ou julgamento” (aut dedere aut judicare) da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Ao decidir sobre a aplicação de medidas provisórias, a Corte, referindo-se às garantias dadas pelo Senegal de que não permitiria que o Sr. Habré deixasse seu território enquanto o caso estivesse pendente, concluiu que não havia risco de prejuízo irreparável aos direitos reivindicados pela Bélgica e que não existia urgência suficiente para justificar a indicação de medidas provisórias.

[8]Em 1º de março de 2024, a Nicarágua iniciou procedimento contra a Alemanha na Corte Internacional de Justiça sob argumento de que a Alemanha viola a Convenção contra o Genocídio de 1948 ao fornecer armas a Israel para o conflito na Palestina. Ver mais informações em: https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/193/193-20240430-ord-01-00-en.pdf.

Referências Bibliográficas

Almeida, Paula Wojcikiewicz & Lucas Vollers. 2024. “Asilo diplomático de volta às instâncias internacionais”. Migalhas, 14 de junho de 2024. https://www.migalhas.com.br/depeso/409186/asilo-diplomatico-de-volta-as-instancias-internacionais.

Brasil. 2024. “Ingresso de forças policiais equatorianas na Embaixada do México em Quito”. Ministério das Relações Exteriores, Nota à Imprensa 145, 6 de abril de 2024. https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/ingresso-de-forcas-policiais-equatorianas-na-embaixada-do-mexico-em-quito.

Equador. 2024. “International Court of Justice unanimously rejects provisional measures requested by Mexico against Ecuador”. Ministerio de Relaciones Exteriores y Movilidad Humana, comunicado de imprensa, 23 de maio de 2024. https://www.cancilleria.gob.ec/2024/05/23/international-court-of-justice-unanimously-rejects-provisional-measures-requested-by-mexico-against-ecuador/.

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Nolte, Georg. 2024. “Declaration of Judge Nolte”. Embaixada do México em Quito (México v. Equador). Corte Internacional de Justiça, 23 de maio de 2024. https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/194/194-20240523-ord-01-02-en.pdf.

Recebido: 17 de julho de 2024

Aceito para publicação: 29 de agosto de 2024

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