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Interviews

"The Brazilian Agricultural Research Corporation (Embrapa) plays a crucial role in strengthening global food security."

Silvia Maria Massruhá Spoke to CEBRI-Journal Editors
Silvia Maria Massruhá. Photo: Embrapa.

Silvia Maria Massruhá é presidente da Embrapa desde maio de 2023. Tem doutorado em Computação Aplicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e mestrado na área de Automação pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp, com aproximadamente 100 publicações técnico-científicas e 25 softwares. É pesquisadora sênior da Embrapa Agricultura Digital desde setembro de 2021, onde foi chefe-geral (2022-2015) e Chefe de P&D (2015-2009). Tem formação complementar em desenvolvimento de habilidades gerenciais pela Fundação Dom Cabral e em gestão avançada pela Amana-Key. Atualmente participa como membro de vários conselhos: Conselho Diretor da SBIAGRO; Conselho Superior da Fundação Fórum Campinas Inovadora (FFCI); Conselho Consultivo Fundador do Hub Internacional de Desenvolvimento Sustentável (HIDS); Conselho de Administração do Instituto de Pesquisas Eldorado; Conselho Consultivo do Manifesto Brasil 5.0, liderado pelo Instituto Micropower; Comissão de Agricultura de Precisão e Digital do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e membro da Câmara do Agro 4.0, criada pelos ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da Ciência, Tecnologia, Inovações (MCTI). Nos últimos anos tem articulado projetos e parcerias nas áreas de IoT (Internet das Coisas) rural, inteligência artificial, big data e analytics e tem participado do movimento de Agtechs, atuando em programas de aceleração e mentoria de startups, visando contribuir para a consolidação do ecossistema de inovação para Agricultura Digital no país (Adaptado do Linkedin).

Seguem trechos da entrevista concedida por escrito aos editores da CEBRI-Revista.

Dados até 2022 divulgados pelo Programa Mundial de Alimentos revelaram estatísticas preocupantes sobre a situação de segurança alimentar no Brasil. Cerca de 4,7% dos brasileiros estão desnutridos, enquanto 10% enfrentam insegurança alimentar grave e 23% experimentam insegurança alimentar moderada. As políticas alimentares e nutricionais de sucesso do passado estão sendo retomadas com a modernização de programas-chave como o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos, o Plano Safra da Agricultura Familiar e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Qual a visão da Embrapa sobre a retomada dos programas que visam à segurança alimentar no Brasil? Como a senhora vê o papel da pesquisa e desenvolvimento em agricultura e alimentos para o fim da fome no país?

Silvia Massruhá: No dia 25 de abril, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), tendo como grande destaque positivo o fato de que melhorou a situação de segurança alimentar nos domicílios brasileiros nos últimos trimestres de 2023. 

Os dados são da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), fruto de parceria do Ministério do Desenvolvimento Social com o IBGE. Ao final de 2023, constatou-se que 24,4 milhões de pessoas saíram da situação de passar fome no Brasil, ou seja, saíram da condição de insegurança alimentar grave.

Ainda segundo os dados do IBGE, ao final de 2023, 4,1% dos domicílios brasileiros (3,2 milhões) ainda estavam em situação de insegurança alimentar grave. Segundo especialistas no tema, caso as políticas públicas continuem com a trajetória virtuosa de reconstrução e fortalecimento, e os níveis de insegurança alimentar continuem caindo, o Brasil poderá sair novamente do Mapa da Fome elaborado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), situação já alcançada em 2013.

[A] Embrapa considera muito positiva e importante esta retomada das políticas públicas e programas voltados para a promoção da segurança alimentar e nutricional, evidenciando a prioridade absoluta do atual governo com a erradicação da fome no país.

Nesse sentido, a Embrapa considera muito positiva e importante esta retomada das políticas públicas e programas voltados para a promoção da segurança alimentar e nutricional, evidenciando a prioridade absoluta do atual governo com a erradicação da fome no país. Bolsa Família, Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), Plano Safra da Agricultura Familiar, Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além da valorização real do salário mínimo e da queda significativa dos níveis de desemprego, certamente contribuíram para os dados positivos apresentados pelo IBGE.

Ao mesmo tempo em que melhora o nível de renda da população, é notório o maior acesso e consumo dos alimentos pelas famílias brasileiras. E isso deve ser seguido e complementado por outras políticas públicas que também melhorem a qualidade da alimentação, tornando-a cada vez mais saudável e sustentável, e tenham como perspectiva uma estabilidade nos preços dos alimentos, contribuindo para um ciclo virtuoso de desenvolvimento.

A pesquisa pública para a agropecuária, desenvolvida na Embrapa e em muitas outras instituições de relevância no Brasil, tem papel crucial nas políticas e programas de erradicação da fome no país. Desde o desenvolvimento de sistemas integrados e sustentáveis de produção, passando por tecnologias de agregação de valor e redução de perdas e desperdícios, até as iniciativas inovadoras de inclusão socioprodutiva e digital de parte significativa de agricultores, agricultoras, povos e comunidades tradicionais, as instituições públicas de pesquisa agropecuária têm muito a aportar e contribuir para o fortalecimento e a implementação de políticas públicas de desenvolvimento rural e de promoção da segurança alimentar e nutricional.

E a Embrapa tem buscado retomar a sua relevância e contribuição, trabalhando em parceria com vários ministérios (MAPA, MDA, MCTI, MPA, MMA, MF, MDS), agências de governo e instituições representantes da sociedade civil, respeitando toda a diversidade e heterogeneidade presentes na agricultura e nas diferentes regiões produtoras deste país. 

É imprescindível que a transição para a sustentabilidade em sistemas agroalimentares seja parte dessa nova agenda.  Há o imenso desafio de produzir com sustentabilidade, compromisso traduzido em metas quantitativas de redução de emissões de gases de efeito estufa, propostas durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 15) em 2009 e atualizadas durante a COP 16, realizada em 2022. Diante disso, a pesquisa agropecuária vem desenvolvendo e aperfeiçoando sistemas de produção não só mais eficientes, como também mais sustentáveis econômica, ambiental e socialmente, tais como a integração Lavoura-Pecuária-Floresta e os sistemas agroflorestais. Têm sido intensificadas, ainda, as pesquisas sobre tecnologias prestadoras de serviços ambientais e ecossistêmicos, como sequestro de carbono pelo solo e pelas plantas e melhoria da qualidade da água.

Nesse sentido, além de trabalhar no fortalecimento de sua agenda de pesquisa, desenvolvimento e inovação, a Embrapa tem feito acordos de cooperação para apoiar políticas prioritárias do governo federal, com impacto importante na promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional, enfrentamento às mudanças climáticas, saúde única e taxonomia de sistemas de produção. 

No que tange à segurança alimentar global, uma questão fundamental é como explorar diferentes cenários no processo de planejamento relacionado à produção agrícola de longo prazo, ao uso da terra, à segurança alimentar e às mudanças climáticas, à medida que esses fatores socioeconômicos evoluem com o tempo. O crescimento da população e a renda per capita são dois fatores cruciais que afetam a curva de demanda agrícola. Portanto, as mudanças na direção e na magnitude desses fatores socioeconômicos poderiam mitigar ou intensificar os desafios enfrentados pela agricultura e pela segurança alimentar no futuro. Já do ponto de vista da oferta, o aumento da produtividade agrícola, apesar do ambiente de produção imprevisível e desafiador que provavelmente surgirá devido às pressões das mudanças climáticas, será determinante para o sucesso na realização dos objetivos nutricionais e econômicos. Nesse contexto, como a Embrapa trabalha para assegurar o lado da oferta? Como o desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira pode ajudar ainda mais o lado da oferta global de alimentos? E qual o papel da Embrapa nesse contexto?

SM: A Embrapa desempenha um papel crucial no fortalecimento da segurança alimentar global por meio de uma série de iniciativas voltadas para assegurar o lado da oferta agrícola. Primeiramente, a instituição investe em pesquisa e desenvolvimento tecnológico para aumentar a produtividade e a eficiência da agricultura brasileira. Isso inclui a criação de variedades de culturas mais resistentes a pragas e doenças, adaptadas a diferentes condições climáticas e com maior potencial de rendimento. O mesmo ocorre com o melhoramento genético de animais melhor adaptados às condições tropicais e com menor impacto ambiental no processo produtivo.

Além disso, a Embrapa trabalha no desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis, promovendo a conservação do solo, a gestão eficiente dos recursos hídricos e a redução do uso de insumos químicos, o que contribui para a preservação do meio ambiente e a produção de alimentos mais saudáveis.

No contexto global, o desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira pode servir como um exemplo e uma fonte de soluções para os desafios enfrentados por outros países.

No contexto global, o desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira pode servir como um exemplo e uma fonte de soluções para os desafios enfrentados por outros países. A Embrapa compartilha seu conhecimento e sua tecnologia por meio de parcerias internacionais, cooperação técnica e transferência de tecnologia, contribuindo para o aumento da oferta global de alimentos.

O papel da Embrapa nesse contexto é liderar e coordenar esforços de pesquisa e inovação, trabalhando em colaboração com outros órgãos governamentais, instituições de pesquisa, setor privado e sociedade civil, para promover o desenvolvimento sustentável da agricultura e garantir a segurança alimentar não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Através de sua expertise em diversas áreas da agricultura, a Embrapa busca soluções inovadoras e eficazes para os desafios presentes e futuros da produção de alimentos, contribuindo para um sistema alimentar mais resiliente e sustentável.

Reconhecendo a importância crescente da segurança e insegurança alimentar e seus impactos internacionais, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil estabeleceu recentemente a Coordenação-Geral de Segurança Alimentar e Nutricional (CGSAN). Este novo órgão concentra a ação internacional do Brasil no que tange ao combate à fome. Nesse sentido, o Brasil deu passos significativos dentro do G20 ao lançar a Força-Tarefa para uma Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. Essa iniciativa visa estabelecer uma Aliança Global dedicada a mobilizar recursos e compartilhar conhecimento para implementar políticas públicas e tecnologias sociais comprovadamente eficazes na redução da fome e da pobreza em todo o mundo. Como a Embrapa participa do esforço político e técnico de auxílio ao debate sobre a fome em escala global? Como a senhora vê a posição internacional do Brasil no G20 no que tange à segurança alimentar?

SM: O Brasil tem um papel fundamental neste contexto da segurança alimentar e do combate à fome, e a Embrapa é uma empresa estratégica nessa agenda do governo brasileiro, na Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. A nossa experiência em agricultura tropical sustentável permitirá colaborar nos eixos de treinamentos e capacitações para a transferência de tecnologias desenvolvidas pela pesquisa agropecuária em sistemas agroalimentares, chegando principalmente aos países latino-americanos, caribenhos e do continente africano.

Em maio de 2024, entre os dias 15 e 17, a Embrapa organizará o MACS-G20 (Meeting of Agricultural Chief Scientists of G20 States), que reunirá os representantes de instituições científicas do mundo todo ligadas à pesquisa agrícola. A reunião terá como tema “Construindo um mundo mais justo e um planeta sustentável”, e promoverá debates sobre a contribuição da ciência para a segurança alimentar, mudanças climáticas e erradicação da fome. 

Durante o MACS-G20, temas como rotas para a segurança alimentar por meio da ciência, segurança alimentar e sistemas agroalimentares, estratégias para fomentar a adaptação e a resiliência de sistemas agroalimentares e a agricultura no contexto da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza serão discutidos e alinhados com as instituições de pesquisa convidadas. Os avanços da ciência para a questão da segurança alimentar no contexto das mudanças climáticas também serão abordados como prioridade no evento.

Mostraremos como a ciência pode ser uma ferramenta para minimizar vulnerabilidades e fortalecer a resiliência em sistemas agroalimentares. Além disso, vamos explorar formas pelas quais a pesquisa científica pode sustentar pequenos agricultores e comunidades tradicionais, preservando seus conhecimentos e contextos específicos.

Desde 2020, o mundo tem enfrentado choques sistêmicos sem precedentes e sequenciais, incluindo uma pandemia global, guerras e eventos climáticos que afetam a produção agrícola e as cadeias de abastecimento. A segurança alimentar interna em cada país, especialmente no mundo em desenvolvimento, é indubitavelmente urgente e crítica. No entanto, o debate sobre a contribuição do comércio exterior para a segurança alimentar global foi um tanto negligenciado nos últimos anos e merece uma atenção renovada. Os desafios nessa área incluem o impasse nas negociações agrícolas na Organização Mundial do Comércio; o aumento do protecionismo não tarifário por meio de restrições técnicas, sanitárias e ambientais não baseadas na ciência e incompatíveis com as regras comerciais; medidas unilaterais adotadas por quase três dúzias de países em busca de maior soberania e/ou autossuficiência alimentar, através de proibições ou limitações de exportações e subsídios distorcivos. Como a senhora vê a posição da agricultura brasileira nesse contexto de crescente protecionismo comercial? É possível assegurar segurança alimentar com sistemas autóctones e predominantemente nacionais de produção de alimentos? Ou o mercado exterior tem o papel crucial?

SM: Não deixa de ser constrangedor que, ainda em 2024, pessoas se reúnam para discutir o papel da ciência no combate à fome. O mesmo homo sapiens, que foi capaz de criar tecnologias impressionantes, ainda tem de superar problemas básicos que acompanham a evolução humana desde os tempos mais remotos. Destacam-se a insegurança alimentar e a fome, a pobreza e a desigualdade extrema, para mencionar apenas alguns que continuam mobilizando esforços da comunidade internacional. A ciência parece ter sido mais eficaz para enfrentar problemas cujas soluções passam, fundamentalmente, pelo desenvolvimento tecnológico, e menos quando o desafio envolve, além da tecnologia, dimensões sociais, econômicas, culturais, políticas e institucionais. Não se trata de negligenciar os avanços tecnológicos, mas de melhor compreender as interações da tecnologia com outras dimensões da ciência, a exemplo das ciências sociais e políticas.

A questão da alimentação humana vai muito além de fornecer porções adequadas de alimentos saudáveis à população, ela envolve desde aspectos culturais (alimentação islâmica, alimentação kosher etc.) até da saúde, mas, fundamentalmente, a alimentação representa a paz. Não é por acaso que a maioria dos países prioriza a soberania alimentar desenvolvendo esforços, incluindo os subsídios, para garantir a soberania alimentar. Dos 206 países listados pela FAO, 35% têm prevalência moderada ou severa de insegurança alimentar maior que 40% e menos de 5% têm prevalência moderada ou severa de insegurança alimentar menor que 5%. 

Cumpre destacar que apenas um pequeno grupo de países desenvolveu as competências necessárias para alimentar o mundo. Os cinco maiores produtores mundiais de alimentos (China, Índia, EUA, Brasil e Indonésia) representaram mais de 40% do valor da produção global de alimentos no ano de 2022. A concentração tende a aumentar ao se considerarem a projeção de aumento da população mundial nas próximas décadas e a disponibilidade imediata dos países para o aumento proporcional na produção de alimentos. Do lado da disponibilidade de terras, América do Sul e África são as regiões mais promissoras.  Porém, quando são considerados os demais fatores de produção, a América do Sul, com destaque para o Brasil, será a principal fonte de alimentos para a humanidade.

Além da questão política, é preciso ter em conta que a produção de alimentos é um importante setor em muitas economias nacionais, notadamente nos cinco maiores produtores de alimentos. No caso do Brasil, a cadeia de valor da agricultura tem representado mais de 23% do Produto Interno Bruto e gerado cerca de 20% dos empregos durante a última década.

Por todas essas questões políticas e econômicas que levam à concentração da produção mundial de alimentos, é improvável a perda de importância do comércio internacional. Obviamente que alguns fatores, a exemplo dos culturais, podem motivar as produções locais de alimentos, porém em volumes insuficientes para saciar a fome da humanidade. Um estímulo importante às produções locais é a soberania alimentar. Todavia, vários países, notadamente aqueles com limitações locais, estão investindo nas ampliações geográficas da produção de alimentos, a exemplo da cooperação Brasil-Japão na década de 1970.

É consenso a importância do Brasil e suas atividades agropecuárias para a agenda climática global. Se a energia fóssil foi o vetor do desenvolvimento socioeconômico durante o último século, o sequestro de carbono o será no século em curso. Nenhuma região no globo terrestre tem tanta importância para a nova ordem de desenvolvimento quanto o Brasil.

É consenso a importância do Brasil e suas atividades agropecuárias para a agenda climática global. Se a energia fóssil foi o vetor do desenvolvimento socioeconômico durante o último século, o sequestro de carbono o será no século em curso. Nenhuma região no globo terrestre tem tanta importância para a nova ordem de desenvolvimento quanto o Brasil.  Porém, é preciso transformar esse ativo ambiental em renda e desenvolvimento. Para tanto, são necessárias metas claras e exequíveis, a começar pelo fim do desmatamento ilegal e a reciclagem de resíduos. Em seguida, são necessárias alterações profundas no modelo agrícola brasileiro, enfatizando aumento da produtividade sustentável dos recursos naturais – o que implica diversificação da produção, recuperação das áreas degradadas, substituição de insumos químicos por biológicos e uso intensivo de tecnologias de comunicação, entre outras ações. Além disso, é necessário expandir a cadeia de valor da agricultura, aumentando o escopo industrial. Por exemplo, a produção de biocombustíveis e de polímeros/plásticos a partir de óleos e/ou açúcares vegetais já é uma realidade no Brasil que deve ser incentivada. 

Se a agenda agrícola parece clara para o Brasil, as desconfianças e os ataques de toda ordem não o são. Essas são algumas das opções para a agricultura brasileira. Todavia, o maior desafio está em estender as pontes entre o investimento verde e as fontes privadas, no momento às voltas com poucas oportunidades de obter retornos compatíveis com suas exigências. Para tanto, serão necessários o desenvolvimento de projetos estruturados, com riscos e retornos em conformidade com as preferências dos investidores, e a redução dos riscos legais, regulatórios e políticos.

A cooperação técnica internacional da Embrapa assume diversas formas: 1) projetos estruturantes, que recebem considerável financiamento (acima de um milhão de dólares) e têm duração superior a dois anos, envolvendo a presença contínua de um profissional da Embrapa no país para liderar as atividades, podendo contar com parcerias com a ABC e agências internacionais; 2) projetos pontuais, de menor escala e curta duração; 3) programas de capacitação em agricultura tropical. No contexto da cooperação com a África, o escopo da cooperação agrícola brasileira enfatiza a importância de promover projetos voltados para a segurança alimentar da região. No entanto, muitos desses projetos acabam se concentrando na produção de commodities para exportação. A Embrapa esteve envolvida em projetos com objetivos distintos e, em algumas ocasiões, conflitantes, como evidenciado no caso de Moçambique: um projeto de inovação agrícola (Plataforma), um projeto de desenvolvimento agrícola (ProSavana) e um projeto de segurança alimentar e nutricional (ProAlimentos). Apesar da recepção inicial positiva, essas atuações, por vezes ambíguas e até contraditórias, estão minando a credibilidade da cooperação brasileira no continente africano. Como a senhora enxerga o papel da Embrapa na cooperação com parceiros na África? Como evitar a repetição dos erros cometidos em projetos anteriores em relação à segurança alimentar local?

SM: A Embrapa tem respondido às demandas de políticas externas do governo do Brasil. Sendo o Ministério das Relações Exteriores (MRE) responsável pela formulação, execução, acompanhamento e representação externa da política do governo brasileiro, é este o ministério de interação com a área internacional da Embrapa, principalmente a Secretaria de Promoção Comercial, Ciência, Tecnologia, Inovação e Cultura (SECIC) e a Secretaria de Clima, Energia e Meio Ambiente (SECLIMA). A Agência Brasileira de Cooperação (ABC), agência diretamente ligada ao secretário-geral do MRE, é o órgão encarregado de coordenar a elaboração e a execução dos programas de cooperação técnica entre o Brasil e outros países ou organismos internacionais. 

Visando dar suporte à política externa do governo brasileiro de aproximação e cooperação com os países africanos, foi criado, em 2006, um Projeto de Cooperação Técnica para a África (Embrapa África) em Acra, capital de Gana. A cooperação teve por finalidade promover e fomentar o desenvolvimento social e o crescimento econômico dos países africanos por meio do compartilhamento de conhecimentos e de experiências no campo da pesquisa agropecuária. À época, os principais temas de cooperação técnica incluíam uso sustentável dos recursos naturais, sistemas produtivos e proteção sanitária de plantas e animais, fruticultura e horticultura tropical, biotecnologia e troca de material genético, zoneamento agrícola, transferência de tecnologia e capacitação de recursos humanos. A atuação da Embrapa em programas e projetos de cooperação técnica com a África é essencialmente focada no fortalecimento das instituições homólogas do país receptor e não em produção direta de cadeias produtivas específicas. 

No caso de Moçambique, o país foi beneficiado em 2009 com o Projeto Plataforma, no qual a Embrapa contribuiu com o fortalecimento do Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) no Programa. No componente de fortalecimento institucional do IIAM, a Embrapa desenvolveu atividades de comunicação e dados focadas na veiculação e divulgação de informações técnicas e científicas à população local, via rádio, para a produção de milho, feijão e caju. Na área de organização de dados, em 2013, a Embrapa apoiou as instituições de Moçambique para construção de mosaico digital a partir de imagens do satélite Landsat 8, usado para a análise preliminar, em ambiente de sistemas de informação geográfica, para o levantamento de uso e cobertura das terras de Moçambique. Os resultados da participação da Embrapa nesse projeto foram considerados muito positivos pelo país receptor. 

Em 2010, a Embrapa contribuiu no Programa ProSavana como um dos componentes do Projeto de Inovação. O programa ProSavana foi coordenado pela ABC na parte brasileira e pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) por parte do Japão, com o objetivo geral de repetir a experiência que a JICA teve nas décadas de 1970 e 1980 com o ProCerrados no Brasil. O Programa ProSavana contou com o aporte de mais de US$ 11 milhões, dos quais a Embrapa foi responsável pela execução de 300 mil dólares em atividades de capacitação e de fortalecimento das instituições de pesquisas agrícolas de Moçambique. Apesar de a parte pela qual a Embrapa era responsável ter sido executada com sucesso, o Programa como um todo foi descontinuado devido a questões políticas e conflitos agrários no país receptor.

O Projeto ProAlimentos, executado no período de  2011 a 2015 através da ABC e financiado majoritariamente pela USAID, foi de grande sucesso. A execução por parte do Brasil coube à Embrapa, tendo como coexecutoras nos EUA a Universidade da Flórida e a Universidade Estadual de Michigan e em Moçambique o Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM). Nesse projeto, a Embrapa contribuiu, entre outros, com a capacitação de recursos humanos, a introdução de cultivares brasileiras de hortaliças, a avaliação de sistemas de irrigação e sistematização da área experimental para pesquisas em produção orgânica de hortaliças na estação experimental e com a construção de laboratórios do IIAM. Os resultados foram de expressivo sucesso por parte do país receptor.

É fato que a participação da Embrapa na cooperação técnica em países africanos tem contribuído para o avanço da tecnologia de produção agrícola e pecuária dos países receptores e tem proporcionado importante troca de conhecimento para o Brasil. A credibilidade da cooperação brasileira no continente africano depende, portanto, da estratégia de cooperação internacional do Brasil e das condições políticas, tanto no país doador de tecnologia como no país receptor, para sua execução.

Cabe observar que a participação da Embrapa na cooperação técnica com países africanos é decorrente de demandas da política externa do governo do Brasil. Tal participação tem possibilitado que a Embrapa ofereça expressiva contribuição aos países em desenvolvimento e atue indiretamente na execução das políticas transversais nacionais. Essa atuação torna a Embrapa um ator relevante para a construção e consolidação do soft power do Brasil e, consequentemente, na projeção do país em um cenário de influência geopolítica global.

Entrevista enviada por mídia escrita em 7 de maio de 2024.

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