Copied!

From the Editors

International Relations and Brazil in the World: Debating and Rebuilding

A Look Into How the CEBRI-Journal Was Founded

A atuação do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) tem sido fundamentada na edificação de um espaço de excelência para debater os grandes temas que demarcam o campo das Relações Internacionais e o papel do Brasil no mundo. Ao se colocar como uma robusta caixa de ressonância no fomento ao debate qualificado acerca dos temas globais, o espírito da instituição buscou atrair os mais variados setores da sociedade para engajá-los na construção de uma plataforma de ideias e soluções capazes de responder aos difusos anseios da população e do país. 

Os constantes desafios que se interiorizam no âmbito da ordem internacional vêm modulando a forma como governos, empresas, sociedade civil e centros de pensamento estão se relacionando. Em um mundo cada vez mais multifacetado, o monopólio da política externa já não cabe mais como instrumento de competência exclusiva de entidades governamentais, seja em seu aspecto de formulação ou em aspecto decisório. A transformação das cadeias econômicas, a crescente complexidade das rivalidades geopolíticas e a imprescindibilidade da tecnologia ao mundo moderno elevaram a importância dos setores não governamentais no âmbito dos debates nacionais e internacionais e ainda como atores legítimos na construção de políticas públicas indispensáveis para a sociedade. Os temas estruturais inseridos na agenda das Relações Internacionais da atualidade como, por exemplo, as mudanças climáticas, a transição energética, a saúde pública, a segurança humana e a inovação tecnológica, ascenderam a partir do esforço de múltiplos setores fora do espectro estatal, alterando a topologia de temas clássicos precípuos das políticas exteriores dos países.

Tais transformações têm colocado nas grandes democracias do mundo o locus de pensamento e de fomento ao debate no epicentro das discussões governamentais. Essas discussões são também meios instrumentais necessários no aporte de ideias e caminhos na construção
de políticas internacionais focadas em identificar riscos e apontar oportunidades. No Brasil, a conversão da política externa em política de governo e não mais como política de Estado escancarou as dificuldades das instituições estatais e cristalizou a importância de think tanks, como o CEBRI, e de outras organizações sociais e econômicas como vetores imprescindíveis na proteção do interesse nacional.

No Brasil, a conversão da política externa em política de governo e não mais como política de Estado escancarou as dificuldades das instituições estatais e cristalizou a importância de think tanks, como o CEBRI.

O lugar do Brasil no mundo já não é mais tema adstrito aos corredores do poder e das instituições públicas, mas sim uma responsabilidade coletiva de todos na busca de caminhos que ensejam a paz, a prosperidade e o desenvolvimento. Nos escritos do ex-chanceler Celso Lafer (2001), a política externa é um imperativo que responde à conversão das necessidades internas em possibilidades externas.

É no marco desse axioma que emerge a CEBRI-Revista. Seu objetivo é servir como amálgama entre os vários segmentos de nosso país – público e privado; civil e militar – e como plataforma voltada para a galvanização de conhecimento inovador a serviço do fortalecimento de uma ordem plural e democrática de debates.

Nesse sentido, o lançamento da CEBRI-Revista responde a um desafio duplo. Em primeiro lugar, o Brasil vive um dos mais delicados momentos de sua história política, social e econômica. Trata-se de um momento de articular soluções, de encontrar caminhos que permitam ao país reencontrar-se consigo próprio e retomar uma trajetória de crescimento, estabilidade política e justiça social. E a estratégia de relacionamento com o mundo é parte indissociável desse esforço. Em segundo lugar, vivemos um período de escassez de debates de qualidade e de reflexão sistemática e competente no campo das Relações Internacionais em nosso país. A CEBRI-Revista procura preencher esse vazio, ao proporcionar um espaço de discussão de alto nível, tanto da perspectiva acadêmica quanto no campo analítico da política internacional.

Estimular o debate de qualidade acerca dos grandes temas das Relações Internacionais e daí retirar elementos que ajudem na reconstrução de nossa política exterior, eis o duplo desafio que esta iniciativa se propõe a enfrentar com empenho. A materialização da CEBRI-Revista representa o esforço e a aspiração de um sonho coletivo. A idealização e a consecução desse projeto se concretizam em um contexto de urgência, com a missão de disponibilizar ao público um veículo aberto ao debate democrático independente, plural, transparente, ético e fundamentado na excelência das ideias acerca do campo das Relações Internacionais e da política exterior do Brasil. Um veículo necessário para debater e para reconstruí-la.

Esta edição especial de lançamento traz artigos sobre temas cruciais para pensar nossa inserção internacional e os rumos do país, refletindo uma pluralidade de visões. Da rivalidade entre EUA e China à geopolítica das mudanças climáticas. Do bicentenário da independência do Brasil ao processo de desenvolvimento da América Latina. Do aviltamento à democracia à importância do multilateralismo como foro fundamental de diálogo em favor da paz e da prosperidade. Tais escritos, uns de ordem conjuntural e analítica e outros de ordem acadêmico-científica, representam uma miríade de assuntos que compõem os principais temas em discussão da agenda internacional na atualidade.

Equívocos de visão e de rota do Brasil nas Relações Internacionais não constituíram apenas mudanças circunstanciais nos paradigmas que regem a atuação da política externa, mas representaram, sobretudo, uma ruptura sem precedente com os fundamentos constitucionais pelos quais o Brasil sempre buscou balizar a sua atuação no cenário internacional. É imperativo enfatizar que a bússola geopolítica do Brasil no mundo está hoje desorientada – para alguns estudiosos, a frase que melhor retrataria a condição do país seria: “não se trata de desorientação apenas, trata-se de não ter bússola alguma”. 

O abandono do pragmatismo e do realismo como vetores centrais na formulação e na execução de nossa política internacional já impôs custos elevados ao país e à sociedade. Em um mundo cada vez mais competitivo e complexo, o governo atual converteu a nossa força de impulsão em vulnerabilidade e a nossa vantagem comparativa em debilidade. O falso dilema criado entre agrobusiness e desenvolvimento sustentável, a importância estratégica da América do Sul e o confronto ideológico inconsequente com os países vizinhos, a violação do padrão de voto do Brasil nas Nações Unidas a favor da defesa dos direitos fundamentais e do direito internacional, o antagonismo e o confronto aberto com os principais parceiros do Brasil na Europa e, por fim, a miopia política na decodificação dos objetivos de médio e longo prazo do país no âmbito da crescente rivalidade entre EUA e China – as duas superpotências globais – são alguns dos exemplos da distopia política praticada ao largo dos últimos três anos.

Ainda que o Itamaraty esteja respirando com a mudança de comando, a verdadeira correção de rumo na política externa e o reencontro do Brasil com as suas grandes aspirações nas Relações Internacionais ainda não ocorreram e devem aguardar as eleições presidenciais deste ano. Ajustes pontuais na narrativa e limitados a ensaios diplomáticos sem importância real definitivamente não ensejam transformações e nem propiciam a retomada que o país necessita. Nesse ínterim, é bom não esquecer os efêmeros e humilhantes discursos do Brasil na tribuna da Assembleia Geral da ONU – acompanhados de gestos obscenos e violentos que em nada dignificam a nossa diplomacia. Assim também é importante lembrar que alinhamentos automáticos e subordinações de interesses a quaisquer potências violam a nossa grandeza, reduzem nossa envergadura e minam os nossos mais elementares objetivos estratégicos nas múltiplas esferas das Relações Internacionais. 

A superação do isolamento internacional do Brasil requer, neste ano, um debate profundo, maduro e consubstanciado em ideias capazes de enxergar para além das fendas do fundamentalismo ideológico ou dos interesses circunscritos a projetos paroquiais de poder. É preciso recobrar a capacidade do país de atuar na América do Sul como indutor do processo de desenvolvimento, como também será necessário recuperar a liderança do país sobre as discussões inerentes às mudanças climáticas e à proteção da Amazônia nos grandes palcos globais. O equilíbrio no trato da rivalidade entre Washington e Pequim, a revitalização da relação com os países africanos e a revalorização estratégica da atuação do Brasil no âmbito do sistema multilateral serão fios condutores centrais da projeção da política externa e na maximização do interesse perene do Estado brasileiro nas Relações Internacionais.

O êxito de toda e qualquer política exterior depende primordialmente de algumas variáveis no front interno, tais como estabilidade política, equilíbrio econômico, respeito ao arcabouço das garantias e dos direitos e hoje, mais do que nunca, firme compromisso de proteção do meio ambiente e da biodiversidade, além da implementação de políticas públicas baseadas em evidências, inclusive na educação, na ciência, na tecnologia e na saúde, nas quais o governo de turno já causou tantas vítimas. A pandemia da Covid-19 ceifou a vida de mais de meio milhão de brasileiros, num contexto em que a ciência foi reduzida a pó de obscuridade e a cooperação internacional foi abandonada como princípio norteador nas Relações Internacionais do Brasil no momento em que mais necessitamos dela. É, portanto, imperativo reorganizar o debate nacional sobre o que queremos e como queremos estar inseridos no mundo.

O lançamento deste número inaugural da CEBRI-Revista acontece numa quadra crítica de nossa história.

O lançamento deste número inaugural da CEBRI-Revista acontece numa quadra crítica de nossa história. Este ano de 2022 marca a celebração do bicentenário da independência do Brasil e a eleição presidencial mais importante de nossa Era Republicana, pleito em que o futuro de nossa púbere democracia estará em jogo. Nem o mais pessimista dos brasileiros imaginaria que, 200 anos após a independência, o Brasil estaria na atual encruzilhada. Esta revista nasce com a vocação democrática do debate plural, aberto, abalizado e tem expectativa de não apenas contribuir para melhor compreender nossos dilemas contemporâneos que compõem o campo das Relações Internacionais, mas também apoiar a construção de políticas públicas nacionais e internacionais orientadas a partir de uma visão estratégica com vistas a garantir que o Brasil ocupe o lugar que lhe cabe no mundo.

Referências bibliográficas

Lafer, Celso. 2001. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva.

PUBLICAES RELACIONADAS