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Book Reviews

Africa for Brazil: Inconstant Interests of an Inescapable Relationship

Book Review of Mathias Alencastro & Pedro Seabra's "Brazil-Africa Relations in the 21st Century: From Surge to Downturn and Beyond" (Springer Cham, 2021)

A obra Brazil-Africa Relations in the 21st Century: From Surge to Downturn and Beyond, organizada por Mathias Alencastro e Pedro Seabra (2021), preenche importante lacuna de estudos e pesquisas sobre a relação entre o Brasil e a África em língua inglesa. O livro, em 10 capítulos, apresenta uma rica diversidade de olhares para essa relação em múltiplas agendas, desde comércio internacional, defesa, até temas da cooperação Sul-Sul em setores como produção agrícola e saúde. Apesar da variação, o fio condutor das pesquisas perfila claramente os capítulos e é destacado pelos organizadores na introdução: as potencialidades de uma relação que é imprescindível para o protagonismo internacional do Brasil.

O lugar da África para a política externa brasileira (PEB) sempre foi sujeito a oscilações, hiatos e grandes silêncios históricos. As intempéries políticas e institucionais contribuíram para a projeção de uma diplomacia fenícia, como sublinhou Alberto da Costa e Silva (2003) em seu clássico Um rio chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África. A expressão denota o predomínio de uma estratégia de política externa suscetível às sazonalidades das oportunidades comerciais. 

O insumo intelectual que resultou no livro aqui resenhado tem sua origem em um evento que indagava What happened to Brazil’s African strategy? ocorrido em abril de 2019 no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), onde todos os autores apresentaram os primeiros rascunhos de seus capítulos e, durante dois dias, debateram entre si e com o público os resultados preliminares de suas pesquisas. 

O exemplo mais emblemático da diplomacia fenícia foi a interrupção do principal mercado que interligava o Brasil aos países africanos do Atlântico Sul, o tráfico de escravizados, proibido em 1850, como pontuam Thiago Krause e Leonardo Marques em The Longue Durée of Brazil-Africa Relations (1450–1960), que abre os capítulos sobre os estudos de caso.

Iniciou-se, então, um afastamento brasileiro, o qual foi mais acentuado com o fim da escravidão e o temor da revolução popular dos negros, que permeava o imaginário das elites brasileiras – patologia psicossocial categorizada como “haitianismo”. Após o fim da escravidão, no ocaso do Império, a política de embranquecimento patrocinada pelo Estado brasileiro no alvorecer da República assumiu feições aparteístas: debates sobre a indenização dos senhores de escravizados – o que não ocorreu, talvez até pela queima dos arquivos com registros de posses de escravizados a mando do então ministro da Fazenda, Ruy Barbosa (Schwarcz 2010);  proibição da vinda de imigrantes africanos por decreto[1] de Deodoro da Fonseca; e incentivo à naturalização[2] e imigração de europeus. 

Querendo se embranquecer, o Brasil optou por esquecer o seu passado e ignorar as relações que poderia construir com os africanos.

Querendo se embranquecer, o Brasil optou por esquecer o seu passado e ignorar as relações que poderia construir com os africanos. O retorno de uma política africana pelo Brasil ocorre décadas depois, em uma conjuntura de descolonização já na Guerra Fria, com a construção da Política Externa Independente (PEI), nos governos Jânio Quadros e João Goulart (1961-1964). O golpe militar mais uma vez resultou em um distanciamento para com o continente africano, e a política africana foi apenas retomada no escopo do Pragmatismo Ecumênico e Responsável no governo militar do General Geisel, sob a chancelaria de Azeredo da Silveira (1974-1979). Em especial, com o reconhecimento da independência de Angola e a aproximação com a Nigéria, cultivando a cooperação energética com países petrolíferos do Atlântico africano, em um contexto de vulnerabilidade brasileira durante a crise do petróleo. Mas as relações esfriaram, mais uma vez, no ocaso da Guerra Fria e na nova ordem mundial que emergiu nos anos 1990.

No século XXI, a reinserção da África na agenda estratégia da PEB durante os governos de Lula da Silva (2003-2010), a abertura de inúmeras embaixadas e os múltiplos projetos de cooperação Sul-Sul liderados pelo governo brasileiro, dentre outras articulações diplomáticas, produziram a ilusão de uma permanência da política africana, a qual teria se transformado em política de Estado. O “atlantismo brasileiro”, conceito intrigante cunhado por Saraiva (2012), demonstrou-se apenas um vento passageiro que desanuviou brevemente o Atlântico Sul. Os tempos fechados dos últimos anos reafirmaram a lógica fenícia, que suplantou as expectativas criadas no início do século XXI. 

A introdução desta obra – Introduction: Turnaround and Let-Down - Making Sense of Brazil and Africa after the Surge –, de autoria dos professores Mathias Alencastro e Pedro Seabra, ressalta episódios simbólicos sobre a pouca relevância que os presidentes da República depois de Lula da Silva deram ao continente africano. O cancelamento da participação de Dilma Rousseff na cúpula da União Africana na Etiópia em 2013 e o abandono da cúpula dos BRICS em 2018 por Michel Temer antes da fala do presidente sul-africano ilustram a indiferença para com a África. Claro que tais símbolos são corroborados pelos números do esvaziamento da Cooperação Sul-Sul e mais um recuo da relação Brasil-África. O ponto mais baixo do recente distanciamento brasileiro foi, indubitavelmente, a presidência de Jair Bolsonaro (2019-2022), que conduziu uma política externa indiferente ao continente africano. Pela primeira vez, desde a redemocratização, um mandatário brasileiro não visitou oficialmente nenhum país africano durante o seu mandato.

O livro reúne artigos de notáveis especialistas para apresentar as nuances dessa trôpega relação. A proposta é o foco na relação Brasil-África construída no século XXI a partir de três importantes variáveis: os interesses materiais; a diplomacia presidencial; e a influência da tradição diplomática brasileira. A partir dessa arquitetura, apresenta uma variedade importante de análises de casos em agendas múltiplas, com destaque para as de comércio exterior, construção civil, saúde, agricultura, defesa e participação da sociedade civil. As relações do Brasil com os países da África lusófona são prioritárias, principalmente quando as três variáveis delineadas têm forte impacto. Este é o caso de Angola, fundamental na inter-relação entre diplomacia econômica dos governos Lula da Silva e interesses do setor privado, mais especificamente o papel da construtora Odebrecht no país, como discutido no capítulo Economic Diplomacy, Lula Style: The Case of Odebrecht in Angola, de autoria de Mathias Alencastro.

A relação estratégica e prioritária com os países lusófonos tem grande destaque no livro. É o que verificamos no capítulo From Opportunity Seeking to Gap Filling: Reframing Brazil in Lusophone Africa, escrito por Pedro Seabra, que realiza consistente pesquisa de campo, apresentando entrevistas com operadores das políticas externas de países lusófonos em África e Brasil. Ainda assim, as análises não se restringem a esse perfil cultural ou geopolítico e demonstram o amplo alcance possível da relação do Brasil com países africanos, especialmente com a análise do caso pouco explorado da relação do Brasil com a Tanzânia, no capítulo Brazil’s Boom and Bust in Tanzania: A Case Study of Naivety? de Barnaby Joseph Dye. O estudo, importante ressaltar, consegue desenhar com muita qualidade o pano de fundo das relações do Brasil com o continente em geral e exemplifica o colapso da presença brasileira em países africanos não lusófonos após a ascensão da política africana nos anos 2000.

O argumento supracitado de uma diplomacia fenícia é corroborado pela rica análise de Adriana Schor no capítulo Brazilian Trade with Sub-Saharan Africa (2000–2018), em que a autora esmiúça os fatores que levaram ao boom das relações comerciais do Brasil com a África Subsaariana na primeira década no século XXI e o declínio de exportações e importações nos anos 2010. A mesma tendência de crescimento, de 2003 a 2016, e declínio posterior foram observados no campo da defesa, como disseca a análise de Pedro Seabra e Danilo Marcondes no capítulo In and Out and Out Again: The Travails of Brazil as a Security Provider in Africa, que explora, além da literatura especializada, a documentação diplomática oficial recentemente tornada pública pela lei de acesso à informação do Brasil. 

A Cooperação Sul-Sul, que cresceu exponencialmente também na primeira década do século XXI, certamente ganha maior expressão em áreas em que o Brasil conseguiu avanços importantes em políticas públicas. No campo da saúde, o capítulo Brazilian Health Cooperation in Africa: A Case Study of Promoting Pharmaceutical Production in Mozambique, de autoria de Danilo Marcondes, apresenta a importante cooperação do Brasil com Moçambique e a transferência de tecnologia brasileira para a produção de antirretrovirais (ARV), fundamentais para o tratamento do HIV/AIDS. O capítulo se sustenta em extensa pesquisa de campo do autor em Luanda, Rio de Janeiro, Brasília e Genebra, com a realização de entrevistas e uso de fontes primárias das correspondências diplomáticas oficiais. A cooperação na agenda da saúde, como revela o autor, tem uma interface importante da atuação da sociedade civil, tema que é mais aprofundado no capítulo Participation, Critical Support and Disagreement: Brazil-Africa Relations from the Prism of Civil Society, de autoria de Laura Trajber Waisbich. Esse estudo revela os tensionamentos de projetos de cooperação que produziram impactos importantes para as populações locais e provocaram resistências. O destaque fica para as mobilizações em uma rede transnacional que articulou as sociedades civis moçambicana e brasileira no questionamento sobre os impactos sociais e ambientais de projetos de investimentos agrícolas financiados pelo BNDES e BRICS/NBD, principalmente o ProSavana. Revela, portanto, os dilemas da cooperação e a “exportação dos problemas” que podem resultar desses projetos. 

As reflexões finais do livro (...) servem como farol das possibilidades de um novo momento mais auspicioso da relação Brasil-África. (...) A inconstância do lugar da África na bússola estratégica da diplomacia brasileira revela, no fim das contas, a ausência de uma política de Estado que priorize o continente.

As reflexões finais do livro, no capítulo Conclusion: Bursting the Bubble – Brazil’s Failure in Africa, escrito por Robert Rotberg, servem como farol das possibilidades de um novo momento mais auspicioso da relação Brasil-África. O livro já vale pelas análises empíricas e críticas que expressam uma radiografia bem completa da relação Brasil-África nas duas primeiras décadas do século XXI. E, pelas circunstâncias da história, ganha ainda mais luz com uma nova gestão de Lula da Silva a partir de 2023, a qual promete a retomada da relação estratégica com o continente africano. A inconstância do lugar da África na bússola estratégica da diplomacia brasileira revela, no fim das contas, a ausência de uma política de Estado que priorize o continente. Sejam quais forem as ações concretas tomadas por Lula 3, a profecia permanece, como destacam Alencastro e Seabra: “It is in Africa where Brazil sees itself best in the role of a global middle power”. 

Notas

[1] Decreto 528 de 28 de junho de 1890 (Brasil/Imprensa Nacional):  https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-528-28-junho-1890-506935-publicacaooriginal-1-pe.html.

[2] O decreto conhecido com a “Grande Naturalização” foi publicado em 14 de dezembro de 1889: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03//decreto/1851-1899/D0058A.htm.

Referências bibliográficas

Alencastro, Mathias & Pedro Seabra (orgs.). 2021. Brazil-Africa Relations in the 21st Century: From Surge to Downturn and Beyond. New York: Springer Cham https://doi.org/10.1007/978-3-030-55720-1

Brasil/Imprensa Nacional. Coleção de Leis do Brasil - 1890, p. 1424 Vol. 1 fasc.VI (Publicação Original).

Silva, Alberto da Costa. 2003. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova fronteira Ed. UFRJ.

Schwarcz, Lilia. 2010. “O som do silêncio: sobre interditos e não ditos nos arquivos quando o tema é escravidão ou escorre para o racismo”. Cadernos AEL 17 (29): 71-96. https://ojs.ifch.unicamp.br/index.php/ael/article/view/2597

Saraiva, José Flávio Sombra. 2012. África parceira do Brasil atlântico: relações internacionais do Brasil e da África no início do século XXI. Belo Horizonte: Fino Traço. 

Recebido: 5 de junho de 2023

Aceito para publicação: 20 de junho de 2023

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