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What can the EU offer Brazil?

The EU-Mercosur agreement reinforces positive aspects of Brazilian multilateral relations

COMEÇANDO POR UMA LEMBRANÇA[1]

Um pouco antes do acordo político entre a União Europeia (EU) e o Mercosul sobre o acordo de livre comércio entres estas duas entidades (perdoem-me se, enquanto falante nativo da língua Portuguesa, tenho uma certa resistência a utilizar o termo “Mercosur”) — que foi finalmente alcançado em 28 de junho de 2019 em Bruxelas, após uma negociação que durou quase 20 anos — participei numa reunião com membros da equipe de negociação brasileira. Nessa altura, dirigia o Departamento de Economia num órgão consultivo interno do Presidente da UE, Jean-Claude Juncker, e a minha função naquela reunião era apoiar a discussão fornecendo alguns argumentos analíticos. Para tal, primeiro mostrei o gráfico abaixo (ver Figura 1).

Figura 1. Valor adicionado bruto, % do total. Fonte: IBGE.

Figura 1. Valor adicionado bruto, % do total. Fonte: IBGE.

A mensagem que este gráfico transmite é, acredito, intuitiva: a importância da indústria transformadora — o setor econômico mais fortemente ligado ao desenvolvimento sustentável e à melhoria do nível de vida de uma população, tendo em conta os grandes ganhos de produtividade e inovação a ele associados e devido à sua multiplicidade de ligações a jusante e a montante na estrutura econômica de um país — diminuiu em um terço num período de apenas quinze anos.

A industrialização tem sido o grande princípio orientador do desenvolvimento econômico no Brasil durante os séculos XX e XXI, já agora, como foi o caso em toda a região Latino Americana, um processo apoiado pela análises produzidas (ver Prebisch 1950) pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe, ou CEPAL (serei aqui transparente, confessando que comecei a minha carreira como economista na própria CEPAL). 

As políticas sugeridas e implementadas durante este período devem ser vistas como um tipo específico de política industrial na qual as relações com parceiros estrangeiros eram explicitamente tidas em conta quando da definição de ações de política interna: é importante salientar que isto não implicava isolamento ou autarquia — o que é profundamente prejudicial do ponto de vista do desenvolvimento — mas sim uma reflexão estratégica sobre as opções que qualquer país tem para interagir com os seus potenciais parceiros externos. Esse princípio fundamental do desenvolvimento nacional foi integrado nas políticas brasileiras, de uma forma ou de outra, pelo menos desde o governo Getúlio Vargas na década de 1930, e implicou gerações sucessivas de grandes investimentos na indústria e na infraestrutura — inclusive por parceiros externos do Brasil, e um compromisso político muito significativo apoiado por esforços tanto a nível federal quanto a nível estadual.[2]

Continuando com a história com a qual eu comecei este artigo, em seguida na mesma reunião mostrei o gráfico abaixo (ver Figura 2), após o que uma discussão sobre alguns dos elementos pendentes do acordo começou.

Figura 2. Valor adicionado bruto e exportações para a China, % do total. Observação: “China” aqui é a China continental, mais Hong Kong e Macau. Fonte: IBGE, BCB.

Figura 2. Valor adicionado bruto e exportações para a China, % do total. Observação: “China” aqui é a China continental, mais Hong Kong e Macau. Fonte: IBGE, BCB.

Ora, o gráfico acima naturalmente é ilustrativo, não implicando necessariamente causalidade, mas o ponto fundamental que eu queria transmitir é que existem diferentes formas de o Brasil se integrar ainda mais na economia global, com consequências muito diferentes — e mesmo opostas — para a economia brasileira. Essas opções (e são realmente opções, e opções não mutuamente exclusivas) devem ser avaliadas, debatidas e escolhidas pelo povo Brasileiro e seus representantes eleitos, utilizando como referência de base o interesse nacional e o bem-estar (atual e futuro) da nação brasileira, enquanto o Brasil se engaja num diálogo de iguais com seus parceiros. 

COMO O BRASIL SE BENEFICIOU ANTERIORMENTE DA SUA RELAÇÃO COM A UE?

Os gráficos anteriores foram utilizados para ilustrar um ponto muito importante de política econômica, nomeadamente, que não só a escala mas também a natureza da integração no comércio internacional são importantes para o desenvolvimento sustentável. Fluxos comerciais que se concentram principalmente em matérias-primas e produtos agrícolas habitualmente têm efeitos limitados para o desenvolvimento, com uma reduzida criação de valor adicionado e emprego internamente, e cadeias de valor domésticas limitadas, que operam como “ilhas” isoladas no tecido econômico de uma nação.  

Ou seja, mesmo grandes (e crescentes) fluxos comerciais com qualquer parceiro podem eventualmente ser prejudiciais para o desenvolvimento de longo prazo se forem meramente baseados na exportação de matérias-primas, conduzindo à desindustrialização e a uma taxa de crescimento baixa e instável, especialmente na ausência de políticas estruturais compensatórias.[3] Verifica-se que as exportações brasileiras para a UE são muito mais diversificadas e têm um componente manufatureiro muito maior — incluindo produtos sofisticados como automóveis — do que as destinadas a outras regiões do mundo, que, em alguns casos, podem se constituir de até 60% de matérias-primas (ver Figura 3).

Figura 3. Composição setorial das exportações brasileiras para mercados selecionados, 2021, %. Fontes: COMTRADE (para a China) e COMEXT (para a UE).

Figura 3. Composição setorial das exportações brasileiras para mercados selecionados, 2021, %. Fontes: COMTRADE (para a China) e COMEXT (para a UE).

Além disso, o comércio e o investimento direto estrangeiro (ou IDE) devem ser mais adequadamente considerados como elementos complementares, e não como coisas separadas: isso ocorre porque um investidor estrangeiro pode tirar proveito das vantagens comparativas de um país (por exemplo, grande mercado interno, abundância de matérias-primas, baixos custos de energia e mão de obra, etc.) para não só produzir para o consumo interno em um país, mas também para a exportação para o exterior, para além de construir infraestrutura e trazer inovação e tecnologias modernas para o país destinatário. 

Ora, a UE é, historicamente, a maior fonte de IDE para o Brasil: dos quase 900 bilhões de dólares de IDE acumulados no Brasil, quase 60% provêm da UE (ver Figura 4). Não só nenhum outro país ou região se aproxima deste estoque acumulado de investimento proveniente da UE, mas a sua posição de liderança tem-se reforçado com o tempo. E, ainda mais importante, esses fluxos de IDE da UE apoiaram, de fato, o desenvolvimento de setores industriais modernos no Brasil, desde automóveis até as energias renováveis.

Figura 4: Valor do estoque de IDE no Brasil por origem nacional (em milhões de $). Observação: “China” aqui é a China continental, mais Hong Kong e Macau. Fonte: IBGE, BCB.

Figura 4: Valor do estoque de IDE no Brasil por origem nacional (em milhões de $). Observação: “China” aqui é a China continental, mais Hong Kong e Macau. Fonte: IBGE, BCB.

Quero ser claro que o que foi dito acima obviamente não significa que o desenvolvimento brasileiro não deve implicar um significativo componente de recursos naturais: claro que deve, isto é inevitável, esta é uma das maiores vantagens comparativas do Brasil, dada a enorme dotação de recursos naturais que o país tem, e pode ser benéfico, se feito de forma adequada e sustentável, em paralelo ao desenvolvimento de outras fontes de crescimento, e com salvaguardas em termos de políticas regulatórias e compensatórias apropriadas.

O QUE MAIS PODE A UE OFERECER AO BRASIL NO FUTURO?

Este é um ano de transições e novos começos para o Brasil. Vou ilustrar onde esta relação multifacetada, forte e secular pode aproveitar esta janela de oportunidade, retornando a apenas um exemplo específico, aquele que utilizei no início deste artigo: o acordo UE-Mercosul (que, já agora, é composto não apenas do acordo de livre comércio concluído em 2019, mas também de um “Acordo de Parceria e Cooperação”, que é o pilar político e de cooperação, este concluído em 2020).

Os gráficos que utilizei na parte inicial deste artigo visavam transmitir aos leitores que as relações econômicas com a UE, tanto através de comércio como de IDE, se revelaram historicamente benéficas para ambas as partes e, nomeadamente, para o Brasil, apoiando o seu desenvolvimento econômico e a sua industrialização. 

Tal deve-se à natureza daquilo que a UE representa como parceira: um mercado desenvolvido, grande e aberto, ancorado no respeito pelas leis, com elevados padrões ambientais, laborais e de proteção ao consumidor, com empresas altamente inovadoras e tecnologicamente avançadas. O acordo UE-Mercosul é uma ferramenta adicional que permite reforçar ainda mais os aspectos positivos da relação.

Ora, concretamente, como? Em primeiro lugar, permitindo um aumento e diversificação do comércio bilateral e do investimento em setores ainda mais avançados, reduzindo barreiras tarifárias e não tarifárias, nomeadamente para as pequenas e médias empresas, abrindo assim a economia brasileira que é ainda muito fechada, gerando ganhos de produtividade e inovação potencialmente significativos (Mendez-Parra et al. 2022), e relacionado com isso, o acordo tem até a capacidade de tornar o Mercosul ele mesmo mais integrado internamente. Além disso, e provavelmente ainda mais importante a longo prazo, o acordo vai muito além de simples redução tarifária, incluindo liberalização em matéria de serviços financeiros e de transporte, direitos de propriedade intelectual mais robustos, melhores normas de segurança alimentar, de concorrência, de facilitação do comércio, de proteção laboral e ambiental: estes são todos elementos que vão muito além dos constantes em acordos tradicionais de liberalização do comércio (Dadush & Baltensperger 2019).

CONCLUSÕES

Como qualquer outro país, o Brasil pode — e deve — escolher livremente entre as muitas opções que tem em termos de relações internacionais, econômicas ou não. Deve também fazê-lo de uma forma que maximize o bem-estar nacional brasileiro, agora e no futuro, enquanto respeitando os compromissos e regulamentos internacionais que são benéficos para todos nós. Ao se avaliar as opções brasileiras nestes termos, um futuro impulso no sentido de ligações UE-Brasil ainda mais fortes e mais profundas é claramente no interesse do Brasil (e, já agora, da UE).

Notas

[1] Nenhuma das afirmações desta obra reflete necessariamente as posições oficiais de qualquer instituição a qual este autor esteja ou tenha estado associado.

[2] O Brasil (formalmente, a “República Federativa do Brasil”) como uma nação federal tem estados federais que possuem ferramentas significativas e margem de manobra para projetar, implementar e apoiar políticas econômicas em geral.

[3] Há uma longa literatura a respeito dos efeitos negativos de um modelo de desenvolvimento baseado em recursos naturais, geralmente referido pelos termos “maldição dos recursos naturais” ou “doença holandesa”: por exemplo, ver Mikesell (1977).

Referências Bibliográficas

Prebisch, R. 1950. The Economic Development of Latin America and its Principal Problems. Nova Iorque: Nações Unidas. https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/30088/S4900192_en.pdf 

Mikesell, R. 1977. “Explaining the Resource Curse, with Special Reference to Mineral Exporting Countries”. Resources Policy 23 (4): 191-199. https://doi.org/10.1016/S0301-4207(97)00036-6 

Mendez-Parra, M., Garnizova, E., Baeza Breinbauer, D., et al. 2022. Sustainability impact assessment in support of the association agreement negotiations between the European Union and Mercosur: final report. Publications Office of the European Union, European Commission, Directorate-General for Trade. https://data.europa.eu/doi/10.2781/54752 

Dadush, U. & M. Baltensperger. 2019. “The European Union-Mercosur Free Trade Agreement: Prospects and risks”. Bruegel, 24 de setembro de 2019. https://www.bruegel.org/policy-brief/european-union-mercosur-free-trade-agreement-prospects-and-risks

Recebido: 14 de fevereiro de 2023

Aceito para publicação: 12 de maio de 2023

Publicado em 17 de maio de 2023. Atualizado em 15 de junho de 2023.

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