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Academic Articles

Diplomacy in the Age of Networks

Impact of telecommunications on transgovernmental networks and the strengthening of the Itamaraty

Abstract

In recent decades, the advance of telecommunications has led to the multiplication of networks on an unprecedented scale in the international sphere, with an impact on international relations, diplomacy and global governance. This paper highlights the rise of “transgovernmental networks”, a consequence of the international activities of government agencies in charge of domestic roles such as economy, education, justice, and health, among others. It outlines the risks and opportunities of transgovernmental dynamics and offers suggestions to strengthen Itamaraty's capacity as a conscious, strategic, and determined actor with appropriate resources to better operate, in a guiding role, in transgovernmental and transnational networks.

Keywords

global governance; transgovernmental networks; Brazilian diplomacy
Image: Shutterstock

Em um planeta interconectado por fluxos velozes e potentes de informação, produtos, serviços, finanças, ideias e resíduos, quais seriam as principais forças responsáveis pelos rumos da civilização humana? Quem dita as normas e os limites que condicionam a organização desses fluxos? E de que maneira? Por que instrumentos e arranjos? Além da dimensão descritiva implícita nessas perguntas, o agravamento de problemas globais – entre os quais a mudança do clima, a excessiva concentração de renda e riqueza, a exploração insustentável dos recursos naturais, a erosão da biodiversidade, as migrações em massa, as crises econômico-financeiras, as tensões étnicas e identitárias, o terrorismo e o crime transnacionais – tem ressaltado cada vez mais perguntas de ordem normativa: para onde essa ordem global (ou a falta dela) está nos levando? As forças e os arranjos vigentes seriam adequados ao bom manejo das crises e dos problemas de ação coletiva que estão sendo gerados em escala global? Se não, que espaço haveria para uma transformação? De que modo?

Este artigo defende que a atual crise de governança que aflige o planeta deriva, em boa medida, da incompatibilidade entre a natureza transfronteiriça e global dos problemas gerados pelo desenvolvimento e o alcance individual limitado dos atores que poderiam resolvê-la, em particular os Estados nacionais. A recusa dos Estados em ceder formalmente soberania a uma instância global capaz de enfrentar esses problemas de forma centralizada é plenamente compreensível e justificável, diante, por exemplo, de questões fundamentais ligadas à representatividade popular e legitimidade, muito difíceis de construir em âmbito global. Na falta de uma governança global hierárquica, a solução de compromisso tem sido a proliferação de redes informais de atuação entre países, em múltiplas esferas de governo, em uma verdadeira colcha de retalhos que tem sido chamada, por alguns estudiosos, de “relações transgovernamentais”, em oposição às relações intergovernamentais, mais formais e centralizadas, porém mais rígidas e limitadas em escopo. Como se verá mais adiante, essas redes transgovernamentais têm uma dinâmica própria de atuação e trazem riscos à defesa dos interesses do Brasil no exterior e à sua capacidade de influência externa. Porém, podem também trazer oportunidades de monta, caso se saiba aproveitá-las de forma consciente e deliberada, por meio, por exemplo, de uma melhor capacitação e reforço do Itamaraty para atuar como orientador da atuação dos demais ministérios e órgãos de governo nessas redes. 

James N. Rosenau foi um dos teóricos que buscaram elucidar os contornos da ordem internacional que se reacomodava no pós-Guerra Fria, apontando, entre outras tendências, como a autoridade unitária do Estado nacional via-se deslocada e desafiada por grupos transnacionais não governamentais, como corporações e ONGs, e por linhas de força operando em nível supranacional e subnacional, conectadas em redes e estabelecendo relações de legitimidade e governança para além do governo hierárquico unitário. Temia-se a desagregação, ao mesmo tempo que se exaltava o dinamismo da nova ordem cada vez mais globalizada e multipolar. Embora admitisse a impossibilidade de prever os rumos dessa reacomodação, Rosenau, escrevendo no limiar do século XXI, encontrava razões para otimismo:

[no] advento das redes e do fluxo de comunicação horizontal inseriu mais pessoas em um ou outro aspecto do atual diálogo. As condições para o surgimento de uma série de consensos globais nunca existiram com a extensão que têm hoje. As habilidades dos indivíduos e as orientações das organizações que eles apoiam são cada vez mais propícias à convergência em torno de valores compartilhados (Rosenau 2000. Tradução própria). 

Duas décadas depois, o panorama resultante não é dos mais animadores. Embora siga havendo razões para otimismo, a visão de observadores recentes ressalta a inadequação das atuais estruturas para lidar com os problemas globais: 

Há cada vez mais sinais de que a ordem liberal internacional criada após 1945 tem riscos de colapsar. Enquanto o populismo e o nacionalismo estão crescendo por todo o mundo, nós estamos também mais conectados do que jamais estivemos. Como essas conexões criam não apenas ganhos e oportunidades, mas também perdas e riscos, elas demandam uma gestão cuidadosa. E, no entanto, não estamos à altura desse desafio. Uma série de problemas globais de ação coletiva, desde a disseminação de armas de destruição em massa até as mudanças climáticas, ameaçam transformar nossas sociedades em mais fracas, mais pobres e mais violentas. Há um risco substancial de que a humanidade não possa terminar o século XXI tão bem como o começou (Hale & Held 2018, 129. Tradução própria). 

A CRISE GLOBAL DE GOVERNANÇA E SUAS POSSÍVEIS SOLUÇÕES

Embora diferentes correntes e autores possam propor soluções distintas para o problema, a questão-chave parece ser uma crise de governança. O aprofundamento da interdependência não estaria correspondendo a mecanismos de governança capazes de lidar adequadamente com seus impactos (Coen & Pegram 2018, 107). A avaliação não implica que os Estados seriam incapazes de cooperar, pelo contrário. O próprio sucesso da cooperação internacional e da globalização nas últimas décadas teria levado a um aumento da interdependência e à multiplicação de mecanismos e forças de alcance transfronteiriço, que, por sua vez, estariam na origem do que Hale e Held (2018) denominam “problemas de cooperação de segunda ordem”: multipolaridade, fragmentação, inércia institucional e problemas globais mais difíceis. O impacto conjunto desses problemas nos teria levado a uma situação de engarrafamento, ou impasse (gridlock), impedindo o desenvolvimento de uma governança adequada. Uma vez que a erosão da governança nacional não tem sido suficientemente correspondida por sistemas de governança internacional que possam regulamentar questões transfronteiriças e externalidades globais de forma intencional, coordenada e eficaz, o resultado é um déficit de governança. Sem uma gestão eficiente da globalização, seus impactos e externalidades negativos agravam problemas econômicos e sociais na esfera nacional, como o aprofundamento da desigualdade de renda e riqueza, o desemprego estrutural, terrorismo e a elevação da frequência e intensidade de desastres climáticos. 

A resposta do institucionalismo liberal ao problema [da crise global de governança] é propor a reforma do sistema multilateral, com maior cessão de soberania a organizações internacionais estabelecidas. Não é, porém, o que está ocorrendo, e tampouco é certo que seria a solução mais apropriada.

A resposta do institucionalismo liberal ao problema é propor a reforma do sistema multilateral, com maior cessão de soberania a organizações internacionais estabelecidas. Não é, porém, o que está ocorrendo, e tampouco é certo que seria a solução mais apropriada. Estados nacionais, longe de desaparecer, reagiram à deterioração de suas atribuições, provocando a desaceleração, ou mesmo a reversão, do processo de transmissão de autoridade a instituições supranacionais e o enfraquecimento do multilateralismo formal, ainda que este mantenha papel importante[1]. É o chamado “paradoxo da governança global”: ao se recusarem a ceder parte de sua soberania formal sobre alguns aspectos, os Estados ainda assim ficam sujeitos à erosão dessa soberania na prática, sujeitando-se a efeitos transfronteiriços que, sem ação coletiva, não são capazes de controlar (Dingwerth & Pattberg 2006; Hale & Held 2018; Slaughter 2003). São perfeitamente compreensíveis e legítimas, porém, as razões dos Estados para resistirem a ceder soberania. Quanto mais ampla a escala das questões e mais afastada dos cidadãos a quem deveria, em última análise, responder, mais problemática se torna a institucionalização. A centralização do poder em escala global, com pouco controle popular e sem solução para as difíceis questões referentes à legitimidade, ao voto e ao controle democrático, comporta o risco de uma tecnocracia opressiva, desatenta a diferenças e sem contrapesos (Slaughter 2004a, 8).

Não parece, no momento, haver solução clara nem única ao impasse gerado pelas tensões entre global x nacional, centralização x fragmentação, ganhadores x perdedores, legitimidade x eficácia, público x privado, democracia x tecnocracia, controle individual x ação coletiva. Seu desenrolar deverá determinar os rumos da política internacional nas próximas décadas e, com eles, a mitigação, ou o irremediável agravamento, dos grandes problemas ambientais, econômicos e sociais com que se defronta a espécie humana. 

É plausível, porém, que parte da solução – ao menos no que diz respeito às formas e mecanismos possíveis de governança internacional – passe pelo emprego inteligente e inovador de uma característica cada vez mais saliente da “colcha de retalhos” da atual política internacional e que, ao menos em teoria, poderia ajudar a equacionar algumas das tensões e oposições mencionadas no parágrafo anterior: a governança em rede. Ainda que nem sempre sejam conceituadas como tal, as redes estão na base de algumas das saídas ao menos parciais ao impasse global apontadas por autores diversos, como a colaboração técnica em processos legítimos e transparentes e a multiplicação descentralizada de iniciativas e instituições em torno de objetivos comuns (Eberlein & Newman 2008; Florini & Dubash 2011; Hale & Held 2018; Kahler 2011; Raustiala 2002; Slaughter 2017).

RELAÇÕES TRANSGOVERNAMENTAIS: OPERANDO O JOGO POLÍTICO ENTRE ESTADOS DESAGREGADOS 

Em literatura originada na sociologia e na ciência política, e que vem sendo crescentemente aplicada às relações internacionais, as redes são concebidas como uma forma organizacional específica, com características que as diferem das outras duas formas mais comuns: as relações hierárquicas – típicas dos governos e regimes normativos – e os mercados, caracterizados por trocas pontuais entre desconhecidos (Kahler 2011). As redes são um padrão mais estruturado que os mercados e mais fluido que as hierarquias, conformadas por trocas voluntárias e constantes entre atores autônomos, estabelecendo relações e interesses mais complexos e diversos do que os envolvidos em uma transação pontual em um mercado[2]. Algumas características das redes por oposição às organizações hierárquicas são: a descentralização vs. a centralização; a colaboração vs. a obediência; vínculos fracos, mas numerosos vs. vínculos fortes, mas menos numerosos; e a autoridade derivada da expertise, da confiança ou da contribuição à rede vs. a autoridade intrínseca à posição (Slaughter 2017, 51). O poder e a influência de um ator específico em uma rede (um “nó” da rede) dependem não apenas de sua capacidade intrínseca, mas também de sua posição particular dentro da rede, da geometria de suas conexões. Hoje, em parte graças à explosão de redes sociais “virtuais” exibindo perfeitamente as características acima descritas, e por vezes espelhando redes de relacionamentos no mundo real, o estudo das redes desenvolveu-se a ponto de envolver sofisticados programas de computador, capazes de mapear conexões, geometrias e comportamentos.

No ambiente internacional, desprovido de uma autoridade superior, as redes têm sido uma forma relevante de organização para diferentes atores não governamentais que cada vez mais vêm se juntar aos Estados nacionais na conformação da governança global. É no seio do Estado, porém, que vamos encontrar um tipo de rede que tem ocupado cada vez mais espaço na governança global: as redes transgovernamentais. 

O conceito de redes transgovernamentais, desenvolvido no âmbito dos estudos de governança global, parece imprescindível para uma boa compreensão da dinâmica internacional neste início do século XXI. Estudiosos como Slaughter, Keohane, Nye, Abbott, Rosenau, Raustiala e muitos outros descreveram como a chamada “nova ordem mundial” segue atrelada aos Estados. Estes, porém, não se comportam sempre como atores unitários, mas, sim, de forma desagregada em múltiplas agências e órgãos reguladores, técnicos ou judiciais, que passaram a estabelecer redes cada vez mais prevalentes de cooperação e concertação diretas, prescindindo do controle político centralizado do alto comando do Executivo e das chancelarias, bem como de arranjos formais e legais (Keohane & Nye 1974; Nye & Keohane 1971; Abbott, Green, & Keohane 2016; Slaughter 1997; Raustiala 2002). 

A presença cada vez maior das redes transgovernamentais pode ser vista como uma reação espontânea aos dilemas de governança examinados anteriormente. Levados a cooperar além de suas fronteiras em virtude de problemas concretos, e relutantes – ou politicamente impedidos – em ceder soberania e controle, reguladores, técnicos e outros agentes do Estado aproximam-se de suas contrapartes no exterior em busca de coordenar ações, dispensando a hierarquia e a imposição de obrigações legais.

O conceito de relações transgovernamentais foi empregado consistentemente, pela primeira vez ainda na década de 1970, pelos cientistas políticos Robert Keohane e Joseph Nye. Após terem introduzido brevemente o termo “interações transgovernamentais” na conclusão a um influente volume do periódico International Organization sobre as relações transnacionais e a política mundial, publicado em 1971, Keohane e Nye retornaram ao conceito em 1974, em uma publicação de notável clarividência. O artigo, que se tornou o marco fundador do estudo das relações transgovernamentais, examinava as interações entre as dinâmicas transgovernamentais e as organizações internacionais tradicionais; questionava a conceptualização do Estado como um ator exclusivamente unitário; e elaborava exemplos e possibilidades de interação em diferentes geometrias. No seu artigo de 1974, Keohane e Nye empregam o termo “relações transgovernamentais” para designar aquelas relações entre parcelas constitutivas do Estado[3], por oposição a “relações internacionais” para designar aquelas relações mais típicas de um Estado unitário, e “relações transnacionais” para designar as estabelecidas primariamente entre atores não estatais, como corporações, ONGs e outros. 

No seu artigo de 1974, Keohane e Nye empregam o termo “relações transgovernamentais” para designar aquelas relações entre parcelas constitutivas do Estado, por oposição a “relações internacionais” para designar aquelas relações mais típicas de um Estado unitário, e “relações transnacionais” para designar as estabelecidas primariamente entre atores não estatais, como corporações, ONGs e outros. 

O interesse acadêmico pelo tema arrefeceu nas duas décadas seguintes àquela publicação, em prol da perspectiva mais tradicional encontrada no debate travado entre realistas e institucionalistas liberais. As relações transgovernamentais foram retornando, contudo, às atenções acadêmicas a partir do final dos anos 90, já no contexto do debate sobre governança global, e à medida em que a globalização, o aumento da interdependência e a revolução das comunicações estimulavam e facilitavam a conformação de redes internacionais diretas entre ministérios técnicos, agências reguladoras, polícias e outras burocracias do Estado (Raustiala 2002).  

Para seus observadores acadêmicos mais entusiasmados, como Anne-Marie Slaughter, as redes transgovernamentais (doravante referidas, por brevidade, como “RTGs”) estariam “rapidamente se transformando no modo mais disseminado e eficaz de governança internacional”. Uma governança global em grande medida conformada por redes fluidas de funcionários técnicos, policy-makers, fiscais, bancos centrais e até procuradores, juízes e legisladores, interagindo de formas variadas com organizações internacionais clássicas e atores não governamentais, seria uma representação que se aproximaria bastante da nova realidade mundial. Uma representação superior, em todo caso, às baseadas no Estado unitário dos realistas; nas organizações internacionais legalizadas e hierárquicas dos institucionalistas; ou na ordem pós-Estado dos neo-medievalistas (Slaughter 1997). Nos últimos vinte anos, o enfraquecimento do sistema multilateral tradicional e a ebulição de redes e formas transgovernamentais de governança parecem dar razão ao prognóstico:

As instituições de governança global mudaram dramaticamente nos últimos anos. Nas décadas após 1945, dúzias de agências especializadas, programas e comissões foram criados dentro do sistema da ONU [...] Tratados multilaterais também se multiplicaram; acordos ambientais, por exemplo, cresceram perto de 150% durante os anos 1990. Nos primeiros anos deste século, contudo, o crescimento no número de organizações intergovernamentais (OIs) decresceu significativamente. [...] A adoção de novos tratados ambientais desacelerou ainda mais acentuadamente. Novas formas organizacionais, ao contrário, emergiram e se expandiram rapidamente. Os Estados criaram instituições informais e “clubes” plurilaterais como o G20 e outros “G-grupos”. [...] As OIs criaram as suas próprias “emanações”. As agências regulatórias nacionais estabeleceram instituições transgovernamentais influentes […]. Parcerias público-privadas (PPPs) transnacionais se expandiram e ganharam reconhecimento oficial (Abbott, Green, & Keohane 2016).

CARACTERÍSTICAS E DINÂMICA DE FUNCIONAMENTO DAS REDES TRANSGOVERNAMENTAIS

O ponto de partida do conceito de relações transgovernamentais é o reconhecimento da desagregação do Estado em suas partes funcionais. No momento em que essas partes, em cada país, começam a interagir entre si no cenário internacional, progressivamente dispensando os filtros, controles e amarras centrais representados pelas chancelarias, governantes, tratados vinculantes assinados por plenipotenciários e ratificações congressuais, o Estado já não se comporta necessariamente com unidade de propósito, nem tampouco com interesses coerentes e invariáveis ao longo dos distintos foros multilaterais e bilaterais.

Os Estados modernos são compostos pelos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e por agências. Essas partes constitutivas – em particular as agências regulatórias encarregadas de elaborar e aplicar as leis que governam sociedades complexas – estão constantemente em rede com suas contrapartes no exterior. No processo, elas estão partilhando informações, ideias, recursos e políticas. Na medida em que os problemas que os formuladores de política abordam se tornaram globais, [...] isso também aconteceu com os formuladores de políticas. Mas o veículo que escolheram não é a organização internacionalista liberal formal; é, cada vez mais, o modelo de rede adaptável e amplamente descentralizado (Raustiala 2002).

A existência de redes transgovernamentais com essas características precede de algumas décadas a própria cunhagem do termo, embora haja pouquíssima notícia de sua operação antes do fim da II Guerra Mundial[4], e sua ocorrência antes dos anos 1990 tenha sido mais rara e mais concentrada entre países desenvolvidos. A explosão dessas redes, que continua em andamento, começou assim que três condições básicas foram satisfeitas: a) o avanço das tecnologias de comunicação e transportes, que reduziu o custo de formação e operação dessas redes e retirou das embaixadas e legações formais o monopólio dos contatos internacionais; b) o adensamento regulatório doméstico, característica fundamental dos Estados contemporâneos, que, além de suas funções básicas no provimento de proteção da vida e da propriedade e administração da justiça, passaram a abarcar os mais diversos temas, incluindo normas técnicas, saúde, educação, meio ambiente, comunicações, pesquisa, concorrência, finanças, energia, sanidade, qualidade, transportes e uma infinidade de outros; e c) o já exposto crescimento da interdependência e do impacto transfronteiriço de atividades nacionais (Slaughter 2004a; Raustiala 2002). 

Hoje, quase toda unidade especializada nos poderes Executivos de cada país, e cada vez mais nos poderes Legislativo e Judiciário, é potencialmente parte de uma ou mais dessas redes, em configurações bilaterais, regionais, plurilaterais e multilaterais, com diversas composições de membros, graus de formalidade, influência e procedimentos. A situação geral de impasse na governança global em anos recentes deu impulso adicional à conformação das RTGs, ao colocar em relevo uma de suas principais virtudes: oferecer uma via para conciliar o impulso de manutenção da soberania e da autonomia dos Estados com o necessário aprofundamento da cooperação e da ação coletiva no plano internacional (Eberlein & Newman 2008; Hale & Held 2018; Slaughter 2003; Vabulas & Snidal 2012). 

Um exemplo bem-sucedido e relativamente precoce de arranjo transgovernamental é o Comitê de Basileia, estabelecido entre presidentes de Bancos Centrais em 1974. Suas diretrizes, embora alegadamente voluntárias e não vinculantes, acabam tendo mais impacto que muitos tratados formais, visto que são implementadas pelas instituições participantes da rede em seus países, por meio de regulamentação doméstica, e obedecidas por instituições financeiras do mundo todo. Outros exemplos de RTGs extremamente influentes apesar da ausência de tratados internacionais ou instrumentos vinculantes são o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), que trata de regras para combater a lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros; o Clube de Paris, que reúne funcionários dos Tesouros de países credores; a Organização Internacional de Valores Mobiliários (IOSCO, na sigla em inglês), que reúne órgãos reguladores de bolsas de valores e outros mercados financeiros; e o “Five Eyes”, rede de cooperação estabelecida no pós-guerra entre as agências de inteligência de Austrália, Canadá, EUA, Nova Zelândia e Reino Unido, cuja existência só foi revelada ao público em 2005. Em alguns âmbitos – como, por exemplo, na governança da energia e da transição energética, de constituição recente e particularmente fragmentada – as RTGs são inumeráveis e tornaram-se a modalidade predominante entre as organizações e iniciativas existentes. 

Em suas interações com a concepção unitária do Estado como promotor de um “interesse nacional” legítimo e único, as relações transgovernamentais podem servir como instrumento para avançar os interesses desse Estado unitário (seja lá como este interesse for definido), ou para avançar os interesses da própria rede, em detrimento, ou em paralelo, aos interesses do Estado. Keohane e Nye chamam de coalition building a situação em que atores de uma unidade da burocracia de um país – ultrapassando a simples coordenação de políticas, troca de ideias e gradual construção de convergência – aliam-se a suas contrapartes de terceiros países para buscar vantagens em disputas contra outras instâncias internas no processo decisório doméstico. Por exemplo, ministérios de Agricultura de países da União Europeia, em suas próprias redes, frequentemente se aliam para avançar políticas agrícolas domésticas em face da resistência de ministérios de Finanças e Planejamento (Nye & Keohane 1971). Tais alianças são uma característica comum e recorrente das redes transgovernamentais, cujos integrantes não raro vinculam-se por laços de colegialidade estabelecidos em interações constantes, pela especialização profissional comum, pela afinidade de ideias e até pela amizade. Entre eles, a interação pode ser mais fluida do que entre diferentes órgãos governamentais no mesmo país (Ikeda 2015, 24).

Os estamentos burocráticos têm, ainda, tendência natural a querer ampliar seu orçamento e reforçar projetos em sua área de competência, por vezes contra os interesses de outra área do governo – por exemplo, os conflitos entre agências responsáveis por grandes obras de infraestrutura ou empreendimentos agrícolas e as agências responsáveis pelo controle de impacto ambiental, ou as disputas orçamentárias entre ministérios em geral e os responsáveis pelo controle das Finanças e do Tesouro. Nessa contenda doméstica, um argumento sobre a necessidade de implementar novos “consensos e boas práticas internacionais” resultante da participação desses estamentos em RTGs vem a calhar como instrumento a mais.

RISCOS, LIMITAÇÕES E DESAFIOS COLOCADOS PELA EMERGÊNCIA DAS REDES TRANSGOVERNAMENTAIS 

Examinadas as características das RTGs, cabe agora atentar a seus riscos e limitações, bem como aos desafios que sua emergência coloca à comunidade internacional e, particularmente, ao Brasil. Aqui, três questões sobressaem: i) a efetiva contribuição das RTGs a uma “boa” governança global; ii) as tensões entre seu modo de operação e a legitimidade democrática; e iii) as suas implicações para a disparidade de poder, especialmente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Sobre a questão de sua eficácia, a exaltação normativa do transgovernamentalismo como possível solução para os impasses na governança global é posta em dúvida por autores diversos. Questionam-se, sobretudo, seu papel na fragmentação da governança e na flexibilização de regimes internacionais; sua incapacidade de produzir compromissos e obrigações vinculantes dos países membros; deficiências de implementação efetiva de recomendações; sua menor penetração para além de áreas técnicas ou de mais fácil consenso; sua falta de autoridade para a tomada de decisões de grande impacto e/ou coordenadas entre áreas distintas de governo, o que requereria os mais altos níveis decisórios do Estado; e sua mais fácil captura por interesses específicos e comunidades epistêmicas tecnocráticas (Cerny 2016; Kadah 2011; Kahler 2011). 

Todos esses questionamentos, extremamente pertinentes, não permitem formar juízos peremptórios, nem generalizantes, sobre as redes transgovernamentais. A chave para a efetividade das RTGs parece residir em seu uso específico e nas interações entre elas e outros modos e instâncias de governança, tanto na esfera doméstica quanto na internacional. Estudiosos do tema têm, recentemente, clamado por uma “terceira geração” de estudos de governança global, que busque iluminar essas interações cruzadas na prática e buscar ressaltar “o que funciona” e em que condições (Coen & Pegram 2018).

A segunda ordem de questionamentos às RTGs está ligada às tensões relacionadas à legitimidade, democracia e responsabilização (accountability). O próprio conceito de uma rede transnacional entre burocracias governamentais remete à ideia de um processo tecnocrático, dominado por afinidades profissionais e pela mentalidade “técnica” predominante nessa comunidade, ocultando uma agenda inevitavelmente política – um processo pouco permeável aos controles democráticos e à vontade popular, e permeável demais a interesses setoriais e players estabelecidos (Martinez-Diaz & Woods 2009b, 3; Slaughter 2004b, 1056)[5]. 

Essa ordem de críticas vincula-se àquelas feitas ao modelo institucionalista multilateral clássico e às tentativas de conformar um suposto “governo mundial”, ou qualquer tipo de autoridade supranacional, distante do cidadão comum e impermeável à vontade do eleitorado. Ao menos em teoria, porém, o problema da responsabilização democrática das redes transgovernamentais pode ser reduzido e equacionado ao problema eminentemente doméstico de como manter o controle democrático sobre agências regulatórias, polícias, órgãos judiciais e outras instâncias técnicas. Tais agências deveriam prestar contas sobre sua atuação nas redes transgovernamentais ao mesmo público doméstico a quem devem responder por suas ações no plano nacional. 

[...]o problema da responsabilização democrática das redes transgovernamentais pode ser reduzido e equacionado ao problema eminentemente doméstico de como manter o controle democrático sobre agências regulatórias, polícias, órgãos judiciais e outras instâncias técnicas.

Na prática, porém, a especialização dos temas, a possibilidade de comunhão de interesses entre agências de diferentes países, o distanciamento das atividades e até o idioma dos trabalhos oferecem desafios à responsabilização democrática dessas redes. Haveria, portanto, que equacionar o “trilema de governança” entre soberania, cooperação e responsabilização. Soluções diversas são aventadas na literatura, incluindo um reforço dos mecanismos domésticos de responsabilização de agências do Estado (Slaughter 2003; 2004b); o fortalecimento de redes transgovernamentais entre Parlamentos nacionais, com a consequente transposição, para o plano internacional, das funções do Legislativo em fiscalizar ações do Executivo (Kaiser 1971; Slaughter 2004b); e a incorporação de redes transgovernamentais em regimes e sistemas multilaterais mais amplos, com mecanismos de controle (Eberlein & Newman 2008). Como será proposto no decorrer deste artigo, a explicitação consciente das questões envolvidas nas relações transgovernamentais, e o envolvimento e acompanhamento sistemáticos dessas relações por parte de um órgão central, como o Ministério de Relações Exteriores, podem também ajudar a minorar os efeitos adversos de uma menor accountability das RTGs e incrementar o seu controle. 

Por último, mas não menos importante neste exame das cautelas com relação às RTGs, está a dimensão do poder. Diversos autores chamaram a atenção para o fato de que a disparidade de poder e capacidade entre países pode ser exacerbada pelos modos informais de governança das RTGs e pelo potencial de fragmentação que têm sobre os regimes internacionais. Nas organizações internacionais tradicionais, as assimetrias de poder podem estar encasteladas em suas regras (caso, por exemplo, do poder de veto e assento permanente do P-5 no Conselho de Segurança das Nações Unidas). Porém, o formalismo não escapa a uma distribuição mínima de poder e responsabilidades a todos os membros. No caso das redes, os custos de operação, juntamente com a influência e o poder de ditar a agenda, podem estar extremamente concentrados nos países desenvolvidos, ou mesmo em um só país (Martinez-Diaz & Woods 2009b). E embora os custos de manutenção sejam relativamente baixos para países menores, ainda podem ser expressivos em termos de recursos humanos, atenção, capacidade de participação, análise e resposta às pautas propostas. Tais custos podem ser proibitivos mesmo para burocracias de grandes países emergentes, significativamente subdimensionadas face às contrapartes norte-americanas e europeias (Kahler 2014) e consumidas com tarefas domésticas. A fragmentação da governança e as possibilidades crescentes de forum-shopping, com avanço paralelo de propostas em múltiplos fóruns, requerem grande esforço de engajamento, presença e também de coordenação interna multissetorial, áreas em que a maioria dos países em desenvolvimento tem desvantagem em relação aos poderes estabelecidos (Choer Moraes 2016; Ikeda 2015).

Em vista dessas questões, os países em desenvolvimento precisariam ter especial cuidado e atenção com seu engajamento nas RTGs, visto que os “nós” mais desenvolvidos e conectados, detentores de maior capacidade regulatória, de coordenação interna e produção de conhecimento – em geral, EUA e Comissão Europeia – costumam determinar a agenda e os objetivos de uma rede. Está bem assentado em estudos empíricos e estudos de caso, por exemplo, o papel das RTGs em promover a exportação de políticas e regulamentos de países e regiões centrais – especialmente EUA e União Europeia – para os países periféricos e em desenvolvimento, processo já demonstrado em setores tão variados quanto os de leis pró-concorrência; responsabilidade ambiental de investidores; regimes aduaneiros; mercados financeiros; regras contra insider trading e outras (Bach & Newman 2010; Choer Moraes 2016; Martinez-Diaz & Woods 2009b; Raustiala 2002). Naturalmente que a exportação regulatória não será sempre nociva aos países “importadores”, pelo contrário. A adoção de práticas e regulamentos de comprovada eficácia pode trazer benefícios concretos a países em desenvolvimento e é uma das funções precípuas das RTGs. Em alguns casos, porém, as redes servirão como veículo para exportar normas mal adaptadas ao contexto e às potencialidades de países em desenvolvimento, favorecendo a indústria e os interesses econômicos dos países de origem – ou de atores não governamentais originários desses países, com força suficiente para influenciar as redes em nível transnacional – em detrimento de alternativas e soluções locais que poderiam ser mais eficazes. 

Em que pesem as agudas diferenças de poder e capacidade, as redes transgovernamentais podem também jogar em favor dos seus elos mais fracos. As RTGs proveem aos países em desenvolvimento um assento à mesa em igualdade, ao menos formal, de condições com os rule-makers, em ambiente em que a persuasão, a informação, o conhecimento e as relações interpessoais podem fazer a diferença. Uma rede informal costuma ter ainda um mais baixo custo de saída em relação a organizações ou regimes internacionais formais. Isso gera incentivos para que os principais operadores da rede busquem acomodar posições de elos periféricos vocais, a fim de evitar sua saída e a progressiva dissolução da rede (Martinez-Diaz & Woods 2009a, 254). 

Assim como apresenta riscos consideráveis, a nova estrutura multifacetada e fragmentária da governança global, ao magnificar a influência do soft power e relativizar a importância de estruturas hierárquicas de poder (Rosenau 2000), pode também criar oportunidades para alguns países emergentes, como o Brasil, desde que tenham disposição, conhecimento e meios para aproveitá-las (Fraundorfer 2015; Martinez-Diaz & Woods 2009a). 

Está claro que o transgovernamentalismo não é, em si mesmo, eficaz ou ineficaz, participativo ou antidemocrático, perpetuador ou destruidor do status quo, afirmador ou sabotador da soberania nacional. É preciso compreendê-lo como uma modalidade própria de relações internacionais, bem como uma ferramenta nas mãos de atores decididos. Desde que foram descritas, nos anos 1970, as redes transgovernamentais seguem em crescimento acelerado. Goste-se delas ou não, tudo indica que tenderão a ganhar mais força e ubiquidade nas próximas décadas. 

IMPLICAÇÕES DAS REDES TRANSGOVERNAMENTAIS PARA O BRASIL E O TRABALHO DO ITAMARATY 

A emergência das RTGs e as tendências relatadas acima têm implicações importantes para o trabalho do Itamaraty. A primeira e mais evidente é de natureza corporativa e institucional. Conforme a definição clássica de Keohane e Nye, a relação transgovernamental é aquela estabelecida diretamente entre subunidades de governo de diferentes países, sem supervisão direta de órgãos centrais de controle. Quanto mais preponderante esse tipo de relação, portanto, menos protagonismo e controle terão as chancelarias na condução de diferentes aspectos das relações internacionais em seu país.

A partir dos anos 1990, reuniram-se as condições e incentivos à intensificação dessas relações, iniciando-se pelos países desenvolvidos e estendendo-se progressivamente aos países em desenvolvimento. Uma consequência institucional importante no plano doméstico foi a disseminação de assessorias internacionais nos ministérios técnicos. Já em 2009, excluindo, naturalmente, o Ministério das Relações Exteriores (MRE), todos os então 23 ministérios e oito secretarias especiais com status ministerial já haviam constituído assessorias, secretarias ou diretorias de relações internacionais, à exceção do Ministério de Integração Nacional (Faria 2012, 322). Desde então, e ainda que de forma desigual, diversas dessas assessorias foram reforçando seus quadros e elevando o perfil de sua atuação em foros internacionais relevantes. 

Em linha com o arcabouço teórico apresentado neste artigo, observa-se que a presença e o protagonismo do Itamaraty se fazem sentir mais naturalmente em foros e mecanismos internacionais tradicionais, como nas Nações Unidas e suas agências especializadas; em outras organizações multilaterais e regimes internacionais formais, como a OMC e diversas das convenções internacionais em vigor; nas relações políticas bilaterais de alto nível; e em negociações comerciais, como entre o Mercosul e a União Europeia. Em todos esses mecanismos e foros pode-se considerar que a atuação externa do Estado se dá de forma razoavelmente unitária, conforme os modelos realista e institucionalista, tendo o Itamaraty como porta-voz. 

Na maior parte das múltiplas redes constituídas por “reuniões de ministros”, memorandos de entendimento interinstitucionais, foros regionais informais, associações de reguladores e GTs técnicos, o Itamaraty está, simplesmente, ausente. Diante desse quadro, como deveria se posicionar o Itamaraty, não em vista de uma corporativista defesa de seu “espaço institucional”, mas sim em prol dos interesses do país?

Situação bastante distinta ocorre no universo das redes transgovernamentais. Em alguns setores – notadamente em RTGs da área econômico-financeira, como o G-20F, o Clube de Paris, o GAFI e o Comitê de Basileia – a participação do MRE, mesmo quando presente, é subsidiária à do Ministério da Economia, do Banco Central, ou da Receita Federal. Em outros, como nos muitos foros do “complexo de regimes” de clima e energia, o MRE ainda logra manter presença relevante ou mesmo o protagonismo, a despeito da participação dos ministérios temáticos e/ou de suas agências e órgãos subsidiários. Na maior parte das múltiplas redes constituídas por “reuniões de ministros”, memorandos de entendimento interinstitucionais, foros regionais informais, associações de reguladores e GTs técnicos, o Itamaraty está, simplesmente, ausente. Diante desse quadro, como deveria se posicionar o Itamaraty, não em vista de uma corporativista defesa de seu “espaço institucional”, mas sim em prol dos interesses do país?

Além de contar com mandato formal e legal para o papel de coordenador e orientador interministerial para atuação externa, o Itamaraty já o tem desempenhado na prática, reiteradamente e com êxito. A estrutura do ministério já contempla bem essa finalidade graças às divisões ditas “temáticas”. Dada a sua especialização setorial e por não estarem vinculados a países, regiões, organismos ou foros específicos, os departamentos e divisões temáticos têm estado na raiz da apreciada atuação do Itamaraty em foros internacionais especializados. O recorte e a especialização temáticos são fatores-chave para nutrir um corpo de negociadores capaz de reunir uma conjunção poderosa – e felizmente comum no Itamaraty – de domínio técnico dos assuntos tratados; visão política ampla dos temas e suas implicações para outros foros; traquejo negociador; e respaldo junto aos órgãos substantivos domésticos, obtido via coordenação constante. A presença de diplomatas dessas divisões temáticas nos tabuleiros e redes internacionais é um dos fatores que destaca particularmente o Brasil entre as delegações de muitos países em desenvolvimento. Essa situação é frequentemente reconhecida por meio da liderança de facto exercida pelo Brasil junto a países do Grupo de Países da América Latina e Caribe (Grulac) ou mesmo do G-77 em negociações técnicas, visto que as delegações desses países frequentemente dependem dos delegados brasileiros para obter informação, análise e sugestões de posicionamento frente a uma agenda dominada pelos países desenvolvidos. 

Redes transgovernamentais têm potencial relevante de causar prejuízo a posições brasileiras quando o engajamento do Brasil nessas redes ocorre de forma que podemos, para efeitos deste artigo, chamar de “inconsciente”. Há atuação inconsciente quando órgãos técnicos ou outras unidades governamentais atuam em RTGs a reboque da agenda dos principais atores dessas redes, dando seu consenso ou apoio a propostas ou normativas de forma pouco refletida, sem coordenação com outras instâncias de governo que poderiam ser afetadas, e sem consideração das implicações em outros foros. A atuação “consciente” de um órgão nas RTGs ocorre, portanto, quando está suficientemente embasada em uma visão geral do interesse nacional; quando foi coordenada (quando necessário) com outras áreas relevantes de governo; e quando adota linha consistente com as posições do Brasil em outros foros internacionais. A atuação consciente não implica necessariamente a ausência de conflitos ou divergências de visão entre diferentes órgãos domésticos. Nesses casos, porém, a posição que eventualmente prevalecer terá sido devidamente informada e debatida, com ganhos para a preservação dos interesses brasileiros.

Um efetivo engajamento do Itamaraty na função de ampliar a “consciência” da atuação transgovernamental das várias instâncias do governo brasileiro – seja apoiando e orientando os demais órgãos e fomentando a coordenação interinstitucional, seja tomando a frente em determinadas situações – pode contribuir para equacionar satisfatoriamente os desafios que as RTGs trazem à inserção do país em geral, bem como para a questão de como preservar a relevância institucional do Ministério de Relações Exteriores frente ao cada vez maior engajamento internacional de outros órgãos de governo. Não se trata de funcionar como leão-de-chácara ou gatekeeper da atuação dos demais órgãos, nem de participar de todas as suas redes. Trata-se, sim, de estabelecer o monitoramento regular das atividades transgovernamentais em curso, identificar estrategicamente oportunidades e situações de risco, e intervir quando necessário, apoiando, orientando e coordenando a atuação de outros órgãos, ou mesmo tomando a frente quando preciso. 

A atual transgovernamental, porém, como já se observou previamente, não se caracteriza simplesmente pelo engajamento internacional direto de outros órgãos do Poder Executivo. A complexidade da questão se acentua quando começam a atuar redes entre representantes dos Poderes Legislativo e Judiciário com suas contrapartes, e também no caso das relações internacionais nos níveis subnacionais, aliás cada vez mais comuns, com estados e grandes municípios brasileiros desenvolvendo suas próprias assessorias internacionais e redes de contatos e iniciativas. Para ficar apenas em um exemplo: em anos recentes, a “diplomacia dos governadores” chegou a desempenhar um papel ativo no cenário internacional, de certa forma em contraposição às posições do governo federal e buscando sanar lacunas deixadas por este nos setores ambiental e de saúde pública. No primeiro caso, os governadores de estados amazônicos formaram um consórcio para buscar recursos internacionais para projetos de desenvolvimento sustentável, em um momento em que os países doadores do Fundo Amazônia interrompiam as atividades do Fundo em retaliação à política antiambiental do governo Bolsonaro.  Por sua vez, os governadores do Nordeste, também em consórcio, buscaram agir de forma independente para negociar com países fabricantes e importar vacinas contra o SARS-COV-2, em um momento em que o governo federal era percebido como displicente ou mesmo avesso à ação tempestiva nesse campo.  Em casos como esses, o papel de coordenação do Itamaraty passa a ser mais questionável e delicado, dada a separação de poderes e o respeito ao pacto federativo. Ainda assim, não seria inapropriado destinar à diplomacia brasileira um papel de orientação e, quando couber, de apoio às ações internacionais de outros Poderes e níveis de administração nacional, valendo-se, para tanto, de sua credibilidade e do ativo representado pela rede de postos no exterior. 

[...]não seria inapropriado destinar à diplomacia brasileira um papel de orientação e, quando couber, de apoio às ações internacionais de outros Poderes e níveis de administração nacional, valendo-se, para tanto, de sua credibilidade e do ativo representado pela rede de postos no exterior. 

Em um contexto internacional marcado pela emergência de múltiplas redes sobrepostas de governança, complexos de regimes, policentrismo, forum shopping, interações transnacionais e transgovernamentais, e uma cada vez maior complexidade decisória, o conjunto tradicional de competências de um corpo diplomático precisa ser ampliado e atualizado. A administração dos relacionamentos bilaterais entre Estados e as grandes negociações multilaterais em temas como comércio, meio ambiente, segurança, direitos humanos e outros seguirão sendo de extrema relevância. O êxito nesses tabuleiros tradicionais estará, contudo, fadado a ser incompleto e insuficiente para refletir e projetar adequadamente os interesses nacionais, se não for acompanhado de uma capacidade decisiva de influência sobre essas novas dinâmicas, cuja natureza mais dispersa, fragmentária, requer abordagens complementares. Para influenciar essa massa amorfa, o debate precisa ser travado não apenas nas salas de reunião e plenários multilaterais, mas nas ideias, corações e mentes de especialistas, ativistas, formuladores de políticas públicas, legisladores e do público geral. Para uma instituição como o Itamaraty, atuar nessas arenas de forma consistente é possível, mas envolve dedicação, comunicação, organização, aprendizado, preparo e recursos. 

A catedrática e ex-diretora de Planejamento Político do Departamento de Estado dos EUA, Anne-Marie Slaughter, descreve dois prismas diferentes pelos quais se pode enxergar o cenário global: como um tabuleiro de xadrez, em que Estados Nacionais medem forças em jogos animados por interesses geopolíticos racionais, e como uma grande teia, com atores e redes diferentes atuando a partir de motivações tão diferentes como ideologia, afinidades pessoais, identidade e relacionamentos. Segundo ela, os diplomatas e operadores da política externa norte-americana deveriam ser capazes de uma visão “em estéreo”, enxergando e operando em ambos os paradigmas ao mesmo tempo, e conforme a ocasião e o contexto. 

Nós sabemos como formar uma coalizão de nações para impor sanções ao Irã e para negociar com o governo iraniano a fim de assegurar que ele não construa uma bomba atômica. Nós não sabemos como construir redes comerciais, educacionais e sociais com o povo iraniano, redes que poderiam prover resiliência contra a propaganda governamental ou construir redes de bolsas de estudo e pesquisa colaborativas e impulsionar novos empreendimentos em ambos os nossos países (Slaughter 2017).

Independentemente da opinião que tenhamos sobre a propriedade dessas estratégias e tendências, fato é que estão sendo empregadas com maior ou menor grau de consciência por distintos atores e governos. Se, como foi observado por diversos autores, um dos principais fatores habilitantes do surgimento e proliferação de redes transgovernamentais foi o avanço das telecomunicações, que reduziu o custo dos contatos diretos entre instituições técnicas governamentais em diferentes países, dispensando a mediação de embaixadas e chancelarias, é de se esperar que a popularização das teleconferências e webinars como resultado da pandemia de Covid-19 contribua para uma nova aceleração dessa tendência, ao elevar a eficiência das interações que conformam a rede e poupar tempo e dinheiro com viagens internacionais.

CONCLUSÃO E SUGESTÕES PARA A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Em conclusão a este trabalho, avançam-se aqui cinco proposições fundamentais: primeira, que a prevalência crescente das redes transgovernamentais nos mecanismos de governança internacional é um dado da realidade com o qual é preciso lidar, goste-se dele ou não; segunda, que essas redes – e o paradigma do Estado desagregado que embutem – trazem riscos à defesa dos interesses e posições do Brasil no exterior e à sua capacidade de influência externa, mas também oportunidades de monta, caso se saiba aproveitá-las; terceira, que uma atuação “consciente” dos órgãos governamentais nessas redes é capaz de mitigar os riscos e potencializar as oportunidades; quarta, que um órgão central capaz de desempenhar as funções de monitoramento, coordenação e orientação dos demais órgãos de governo em sua atuação nas RTGs pode contribuir decisivamente para elevar o grau de “consciência” dessa atuação e, portanto, reduzir os riscos e alavancar as oportunidades derivadas das redes; quinta, que o Itamaraty tem mandato e vocação para desempenhar esse papel. 

Para assumir essa função com denodo e desempenho, o ministério deverá atualizar-se: reforçar suas competências naturais nos setores temáticos, desenvolver novas competências e capacidades institucionais, redirecionar a utilização de recursos e capacitar explicitamente seu corpo de funcionários para operar com “consciência”, inteligência e estratégia em um cenário internacional eivado de estruturas em rede. O detalhamento de sugestões específicas para tanto ultrapassa os limites deste artigo, bastando por hora mencionar algumas, partindo da já forte vocação do Itamaraty para a coordenação interministerial e orientação à atuação internacional de outros órgãos e ministérios, e reforçando seu preparo teórico, sobretudo seus instrumentos para uma melhor atuação no emaranhado global de redes: a) investir na formação de diplomatas em temas de redes transgovernamentais, governança, governança transnacional e comunicação pública; b) realizar oficinas para órgãos públicos sobre dinâmicas transgovernamentais e forum-shopping; c) fomentar e estimular o pensamento acadêmico autóctone sobre relações transgovernamentais; d) seguir estimulando a cessão de diplomatas para assessorias internacionais de ministérios técnicos e outros órgãos governamentais; e) reforçar os quadros dos departamentos e divisões “temáticos”, possivelmente redirecionando e capacitando recursos humanos hoje empregados em outras áreas do ministério; f) investir em mapeamento e monitoramento ativo e regular das atividades transgovernamentais; g) considerar aquisição e uso de ferramentas, estudos e serviços de mapeamento de redes; h) desenvolver capacidade interna para apoio a ações de comunicação e atuação em redes, como operação de redes sociais, criação de websites, comunicação e eventos; e i) capacitar a rede de postos para uma atuação diversificada em redes transgovernamentais.

Em síntese, a chancelaria brasileira, como ator consciente, estratégico, determinado e com os recursos apropriados, poderia desenvolver capacidades de instrumentalização e gestão das redes transgovernamentais e transnacionais em níveis ainda mais altos de profissionalismo e execução, em benefício dos melhores interesses da população brasileira e do desenvolvimento do país. A presidência do G20, a ser ocupada pelo Brasil em 2024, pode ser oportunidade única para alavancar tais capacidades.

Notas

[1]Ao otimismo e à produtividade institucionalistas da “década das conferências” de 1990 seguiu-se uma progressiva desarticulação do sistema, com a fragmentação de importantes regimes, o descrédito de instituições como o FMI e o Banco Mundial no imaginário popular, o fracasso da Rodada Doha, a paralisação da OMC em favor de acordos comerciais bilaterais e regionais, e outros fenômenos. Ver, entre outros, Cerny (2016, 32): “a história recente sugere que o desenvolvimento futuro de uma estrutura efetiva de governança global é improvável, movendo-se de fato em uma direção oposta”.

[2]Vale, aqui, citar a já clássica definição de redes formulada por Joel Podolny e Karen Page (1998): “qualquer conjunto de atores (N≥2) que buscam relações de troca repetidas e duradouras entre si e, ao mesmo tempo, não têm uma autoridade organizacional legítima para arbitrar e resolver disputas que possam surgir durante a troca). 

[3]“Nós definimos relações transgovernamentais como conjuntos de interações diretas entre subunidades de diferentes governos que não são controladas ou orientadas de perto pelas políticas dos gabinetes ou dos principais executivos daqueles governos” (Keohane & Nye 1974, 43).  

[4]Raustiala (2002) observa uma exceção precoce na “Convenção para Supressão do Tráfico de Drogas Ilícitas”, de 1936, que determinava, entre outros dispositivos, a criação de agências nacionais antidrogas e mandatava a cooperação e comunicação direta entre elas, obviando canais diplomáticos que, até então, eram a forma quase exclusiva de contato entre Estados.  

[5]Ver também Karl Kaiser(1971), um dos primeiros autores a chamar a atenção para a ameaça das relações transnacionais ao processo democrático. Segundo ele, porém, o perigo representado por burocracias governamentais em negociação direta além-fronteiras era menor do que o colocado pelas ações de grupos não governamentais, como empresas transnacionais, por exemplo, justamente por não se darem ao abrigo do controle democrático de nenhum país. 

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Recebido: 19 de maio de 2023

Aceito para publicação: 2 de setembro de 2024

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