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Policy papers

Foreign Investment Screening Instruments (FISI) as a Result of the New Geoeconomy: How to Rethink Brazil in this Context?

Challenges in a new geoeconomic dispute landscape

Abstract

This policy paper contextualizes the creation and revival of Investment Screening Mechanisms by central economies in a new scenario of international geoeconomic disputes. This mechanism revival reactivates concepts and policy formulations under concerns of national or economic security. The text presents the challenges for Brazil and its policy on foreign investments in this new context, fostering a broader national debate on a relevant topic for the country's international insertion and internal policies.

Keywords

foreign investment; screening; national security; geoeconomics
Image: Shutterstock

Instrumentos de Avaliação dos Investimentos Externos (IAIE) são mecanismos de controle e avaliação sobre o ingresso de investimentos oriundos de jurisdições estrangeiras. Esses instrumentos têm sido crescentemente invocados nos últimos vinte anos, alterando a tendência global de liberalização para entrada de capital externo desde Bretton Woods e sem regulamentação internacional que permita minimizar seus efeitos sobre os fluxos de recursos. Os países anfitriões dessas políticas de controle de entrada de investimento justificam as preocupações em razão da segurança nacional, estabelecendo uma série de definições sobre o que é considerado crítico para o seu território e, assim, passível de sofrer controle ou mitigação, conforme declarações ilustrativas:

Investir nos Estados Unidos é um privilégio, não um direito. O Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos (CFIUS, em inglês) continuará a manter uma abordagem rigorosa e focada para proteger infraestruturas e tecnologias americanas críticas, e ao mesmo tempo proteger nosso ambiente aberto a investimentos. Manter a integridade dos nossos mecanismos de avaliação de investimentos é essencial para salvaguardar a segurança nacional e promover a prosperidade econômica.
– Steven Mnuchin, Secretário do Tesouro dos Estados Unidos (2017-2021), em 10 de outubro de 2018 (grifos nossos).

O Reino Unido está aberto a investimentos, não à exploração. Ao mesmo tempo que negociamos a nossa relação futura com a UE e com o mundo, seremos duros com aqueles que procurarem tirar partido da nossa abertura. Nossas reformas propostas para o regime de segurança nacional e de investimento assegurarão que o governo do Reino Unido tenha os poderes necessários para examinar e intervir em investimento estrangeiro que ameace a nossa segurança nacional.
– Alok Sharma, Secretário de Estado para Negócios, Energia e Estratégia Industrial do Reino Unido (2020-2021), em 11 de novembro de 2020 (grifos nossos).

A mudança da lógica quanto ao ingresso do investimento externo – do direito para o privilégio, ou da percepção de contribuição para a de abuso – reflete a mudança dos ânimos e das diretrizes políticas da ordem econômica internacional. A sucessão de novos eventos, de magnitude e implicações expressivas nos últimos anos, tem levado à constatação de que as relações econômicas – portanto, políticas – na esfera internacional têm se modificado em sentido ainda não muito identificável, mas de modo claramente intenso. 

A mudança da lógica quanto ao ingresso do investimento externo – do direito para o privilégio, ou da percepção de contribuição para a de abuso – reflete a mudança dos ânimos e das diretrizes políticas da ordem econômica internacional.

O questionamento da eficiência das chamadas instituições de Bretton Woods, que forneceram cenário de referência estanque por sete décadas, tem levado mesmo a expressões do tipo "movimento de placas tectônicas", indicando a magnitude das transformações por que passam as relações entre países. Vivemos, assim, em 2024, um contexto muito diferente daquele que o mundo conheceu no início da década de 1990, a partir da queda do Muro de Berlim.

O desafio à ordem vigente é claro na adoção de medidas unilaterais e de novas políticas por parte das economias centrais, com impactos negativos sobre os fluxos comerciais e de investimentos. Tais medidas e políticas violam muitos dos compromissos anteriormente acordados, por exemplo, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e nos acordos pluri- e bilaterais de comércio e investimento disseminados e promovidos até muito recentemente.

A criação ou reativação de IAIE está entre as medidas e políticas que afetam os fluxos de capital internacional, juntamente com o questionamento do sistema dominante de regulação de investimentos. A epítome desse sistema eram os acordos de promoção e proteção de investimentos que procuravam eliminar tradicionais disposições discriminatórias à participação de agentes estrangeiros em certos setores ou atividades. Os IAIE como forma de interferência estatal e a intensificação de seus mandatos são objeto desta contribuição, que tenta relacionar essa nova condicionante a considerações sobre a economia brasileira. 

Este texto está, assim, dividido em quatro seções. Seguindo esta introdução, a próxima seção traz considerações genéricas sobre a nova geoeconomia, situando as novas condicionantes. A terceira seção discute com mais detalhe o tema dos mecanismos de avaliação dos capitais estrangeiros, e a última traz considerações sobre a realidade brasileira e a contribuição desejada dos investimentos externos no país.

CONSIDERAÇÕES DA ORDEM GEOECONÔMICA 

O atual contexto das relações econômicas internacionais pode ser resumido em cinco palavras que começam com a letra “C”: Clima, Covid, China, Cibernética e Conflito. Poderíamos também adicionar Cadeias de fornecimento e Comércio – que se relacionam diretamente com as anteriores. Cada uma dessas palavras remete a situações, problemas e desafios enfrentados pelos governos e agentes econômicos na atualidade.

Neste novo contexto, três elementos da doutrina econômica liberal passam por mudanças profundas: (1) a abertura de mercados para bens, serviços e investimentos; (2) a integração econômica; e (3) a precedência dos mercados sobre os Estados. Tais mudanças ganharam vulto já no final da década de 1990 e início dos anos 2000. As manifestações de rua em prol do meio ambiente e os reclamos dos países em desenvolvimento durante a malfadada Conferência Ministerial da OMC em Seattle, em dezembro de 1999, foram um primeiro sinal de alerta a lembrar que nem tudo corria bem no mundo que se queria economicamente aberto, liberal e dominado por um único polo hegemônico, “benigno” e democrático – os Estados Unidos da América. Seguiram-se as crises financeiras regionais e a recessão econômica no início dos anos 2000, culminando com a crise financeira de 2008 – e suas repercussões sobre os níveis de emprego, má distribuição de renda, redução do nível de vida e dos indicadores sociais em diversos países. Nesse cenário, a emergência da China enquanto potência comercial e exportadora de capital, mais intensamente a partir de 2010, adicionou tensão à sensação de crise do sistema liberal. Em 2016, Donald Trump foi eleito presidente dos EUA e esse mundo de abertura, integração e primazia dos mercados foi anunciado como comprometido, a partir do centro capitalista ocidental. 

A opção pela abertura dos mercados de bens, serviços, finanças e investimentos era baseada em uma busca de eficiência e competitividade pelo menor preço. Formaram-se cadeias de fornecimento internacionalizadas, na busca de maior eficiência, menor custo de produção e menor preço dos insumos e do produto final. A eclosão da pandemia de Covid no início de 2020, contudo, revelou a fragilidade dessas cadeias extremamente distendidas, com o fechamento de fábricas e portos, restrições aos transportes e movimentos de pessoas. Os riscos de uma interdependência extremada ganharam então mais alarde (Moraes 2024). 

A pandemia agudizou um desafio que já se manifestara anteriormente, com a ascensão econômica, política e militar da China. O que era inicialmente uma competição comercial com os EUA e a União Europeia passou a ser percebido, no mundo ocidental, como uma competição estratégica e de segurança – sobretudo na área de alta tecnologia cibernética, na pesquisa, no desenvolvimento de novos modelos e na fabricação e utilização de microprocessadores e computadores (WEF 2024).  

A busca de Pequim por novos parceiros como destino de investimentos também passou a ser percebida como um risco. O projeto “Belt and Road” é talvez a expressão mais acabada da determinação da China em organizar espaços econômicos a partir de seu território e do seu poderio econômico. Mas não é a única expressão dessa tendência: empresas e fundos de investimento chineses passam a investir fortemente e não raro a exercer o controle societário em empresas de geração e distribuição de eletricidade, portos, ferrovias e em outros setores-chave e considerados sensíveis em diversos países, inclusive membros da União Europeia.

A integração econômica, segundo elemento do mundo do Consenso de Washington, também já não se faz a partir de uma visão de mundo ocidental ou de organizações internacionais como a OMC. Ainda que todas as maiores economias do mundo – incluindo a China e a Rússia – sejam membros da OMC, em um sistema de regras multilaterais unificado, e ainda que a quase totalidade dos países seja signatária de Acordos de Livre Comércio, em uma vasta e intrincada teia de preferências comerciais, a tendência atual já não é de maior integração econômica. 

As políticas atuais, nos países desenvolvidos, são melhor descritas por conceitos como “autonomia estratégica” e “segurança nacional”. A segurança nacional passa a justificar todo um arsenal de restrições comerciais a produtos siderúrgicos e ao alumínio, por exemplo, que têm suprimento abundante no mercado internacional. Justifica também restrições à exportação de produtos de alta tecnologia e os investimentos em empresas de setores considerados sensíveis e estratégicos. Essas restrições são combinadas com programas de subsídios vultosos, em especial à produção de bens de alta tecnologia, e baterias e veículos elétricos passam a ser a nova tendência.

A geografia e a história passam – ou voltam – a ter importância. O locus da produção é elemento-chave em um mundo em que cada governo deseja acesso assegurado a produtos considerados estratégicos, como equipamentos médicos, alimentos, bases de dados e produtos de alta tecnologia, ou acesso a matérias-primas e minerais chamados “críticos”. Autonomia e independência, em vez de interdependência, ganham espaço nas políticas. A guerra na Ucrânia, o conflito entre Palestina e Israel e as dificuldades do transporte marítimo no Mar Negro e no Mar Vermelho passaram a dar peso, ainda maior, à busca de autonomia e de produção dentro das próprias fronteiras – ou comércio preferencial com países considerados parceiros confiáveis ou, simplesmente, “amigos” (Misra 2024; Freeland 2022).

As considerações estratégicas e de segurança nacional passam, nos últimos anos, a ser a principal justificativa para medidas restritivas ao comércio e a investimentos e para a concessão de subsídios à instalação e expansão de empresas no território de cada qual – muitas vezes aliadas ou revestidas de preocupação com o aquecimento global, com as mudanças climáticas e a proteção de florestas e biodiversidade, assim como quanto a riscos na área de energia e segurança alimentar.

As considerações estratégicas e de segurança nacional passam, nos últimos anos, a ser a principal justificativa para medidas restritivas ao comércio e a investimentos e para a concessão de subsídios à instalação e expansão de empresas no território de cada qual – muitas vezes aliadas ou revestidas de preocupação com o aquecimento global, com as mudanças climáticas e a proteção de florestas e biodiversidade, assim como quanto a riscos na área de energia e segurança alimentar.

Essa tendência de prevalência da autonomia, da preocupação com a segurança e com a defesa de setores produtivos considerados estratégicos é clara nos países desenvolvidos e industrializados – e se faz frequentemente acompanhada por instrumentos regulatórios de controle de investimentos estrangeiros.

O IMPACTO DA NOVA GEOECONOMIA NA REGULAÇÃO DO INVESTIMENTO EXTERNO 

A nova geoeconomia marca, portanto, uma mudança em curso. Novas crises e preocupações têm orientado movimentos considerados “reacionários”, muitas das vezes pautados pelo nacionalismo (De Orellana & Michelsen 2019) e orientados pelas noções de risco e segurança (Lash 2023). No caso dos IAIE, pode-se observar que, ao menos, quatro fases já marcaram sua reativação recente (Sanchez-Badin et al. 2020): 

  • Fase I (2007-2009), associada à crise financeira de 2008 e ao crescimento da China como fonte de investimento externo direto, marcou o controle de setores de segurança e defesa nacional como fundamento para a securitização dos investimentos externos. Esse primeiro momento foi liderado por Alemanha, Austrália, Canadá, China, EUA e Rússia;
  • Fase II (2014-2015), movida principalmente pela invasão russa na Ucrânia, tem novos setores associados à noção de segurança e aos conceitos de setores críticos e sensíveis incorporados à agenda de controle do investimento externo. Nessa fase, procedimentos para análise e teste de risco e resiliência passaram a ser mais sofisticados dentro de uma linguagem de mensurabilidade;
  • Fase III (2016-2019), em que os países perceberam a relevância do setor de tecnologia para a segurança nacional, além de haver maior disseminação dos IAIE e a inclusão do controle da exportação de IED na competência dos IAIE. Nesse cenário, África do Sul, França, Índia, Japão, México, Reino Unido regulamentaram os IAIE, o que ocasionou um ponto de atenção para as organizações internacionais, como OCDE, UNCTAD, e fóruns globais como G7 e G20, para acompanhamento do tema; 
  • Fase IV (2020-...) surge diante das crises mundiais em torno de pandemias, das novas guerras e da constante instabilidade internacional, acentuada por questões geopolíticas e geoeconômicas. Esse novo cenário impulsionou uma revisão dos procedimentos dos IAIE e tem trazido novos países, como Bélgica, Holanda e Suíça – e até mesmo alguns setores no Brasil – para a discussão do tema.

O que se observa nas quatro fases é que o conceito de segurança nacional evoluiu de setores militares e de defesa e passou a envolver diversas camadas da estrutura doméstica industrial, tecnológica e de infraestrutura crítica, como setores de energia, transporte, água, telecomunicações, recursos minerais e mídia. As preocupações a respeito desses setores críticos avançaram a partir de 2016, assim como as próprias tecnologias e suas diferentes finalidades, e nos últimos anos foram ainda mais ampliadas em relação a questões climáticas e sanitárias. 

A criação e a reativação de IAIE com controle sobre as operações com capital estrangeiro e a intervenção governamental direta na economia têm sido consideradas como o método mais eficaz que os países encontram para se prepararem e gerenciarem as diversas crises. Conhecer um pouco mais em detalhe como essas agências atuam torna-se exercício obrigatório no atual contexto geoeconômico, para entender tais tendências e também para pensar as especificidades do contexto brasileiro, como apresentado na seção seguinte.

MECANISMOS DE AVALIAÇÃO DOS CAPITAIS ESTRANGEIROS

Em estudos recentes, notamos, por exemplo, que não há um modelo único de IAIE (Sanchez-Badin et al. 2020; 2021a; 2021b; 2022a; 2022b). Suas estruturas são variadas, incluindo: i) órgãos individuais e específicos; ii) estruturas colegiadas específicas para essa função, compostas por representantes de diferentes burocracias ou ministérios; ou iii) competências compartilhadas entre diferentes agências. Mas, o que se observa é que os IAIE estão, majoritariamente, em interfaces entre as burocracias responsáveis em cada país por: i) investimento externo; ii) controles nas áreas de comércio e transferência de capitais; iii) controle da concorrência; e/ou iv) análise de assuntos associados à segurança nacional. E esse desenho institucional tem relação não apenas com a abordagem das noções de risco e segurança de cada país neste novo contexto geoeconômico, como também reflete componentes históricos e de conjuntura política doméstica.

Em geral, os processos que tramitam em um IAIE iniciam com a notificação do investidor quanto à intenção de investimento, isto é, na fase chamada de preestabelecimento. Apenas alguns países inserem o contexto de pós-estabelecimento no processo de avaliação. Após a notificação, o processo passa para a etapa de avaliação e obtém seu resultado final pelo órgão responsável; excepcionalmente, o processo pode seguir para avaliação discricionária pelo Chefe do Poder Executivo, que detém o poder de veto à transação. Ainda que este seja um caminho comum nos IAIE, cada país estabelece os perfis dos investimentos e os categoriza de acordo com a sua implicação para a segurança nacional, listando ou não setores específicos sujeitos ao IAIE, avaliando o investimento de acordo com critérios e órgãos próprios, e, por fim, autorizando, bloqueando ou propondo condições para a entrada do investimento em questão. 

Os IAIE têm sido criticados pelos seus altos custos e procedimentos pouco claros que prejudicam a segurança jurídica do investidor e que podem levar eventualmente a desistências de investimentos. (...) [O]utra questão crítica da atuação dos IAIE está na falta de transparência dos seus critérios e decisões. O funcionamento dos IAIE tem se dado em um espaço demasiadamente discricionário – quando não político – do Poder Executivo, em especial pelo conceito vago e, em última instância, altamente subjetivo do que seja segurança nacional.

Os IAIE têm sido, contudo, criticados pelos seus altos custos e procedimentos pouco claros que prejudicam a segurança jurídica do investidor e que podem levar eventualmente a desistências de investimentos (Sanchez-Badin et al. 2021). Além disso, considerando o sigilo das transações e os elementos associados à segurança nacional, outra questão crítica da atuação dos IAIE está na falta de transparência dos seus critérios e decisões. O funcionamento dos IAIE tem se dado em um espaço demasiadamente discricionário – quando não político – do Poder Executivo, em especial pelo conceito vago e, em última instância, altamente subjetivo do que seja segurança nacional. Tais imprecisões criam oportunidade para o abuso de poder pelas autoridades com viés "iliberais", protecionistas e nacionalistas envolvidos nos IAIE. 

Como forma de contornar os questionamentos acima, nos últimos anos, alguns IAIE têm promovido mudanças em seus procedimentos, procurando delinear critérios com base na medição de riscos, assim como a possibilidade de prestação de contas do Poder Executivo ao Poder Legislativo, com a publicação de decisões e do uso dos recursos mobilizados pelos IAIE. Quanto a essa relação do Executivo com o Legislativo, os casos do CFIUS nos Estados Unidos, do Foreign Investment Review Board (FIRB) na Austrália e do sistema do Canadá são os exemplos mais notórios.

Como se pode intuir, mas também como já apresentado na literatura (Voon & Merriman 2022), as regras que fundamentam os IAIE têm alto potencial de violar compromissos internacionais já assumidos pelos países, em especial nos acordos de promoção e proteção de investimentos. Ainda que o fundamento de segurança nacional tenha se ancorado em cláusulas de exceção que explicitamente tratam da questão, suas redações tradicionalmente fazem referências a questões de defesa e momentos de conflito. Considerando isso, uma tendência tem sido a revisão e o detalhamento dessas cláusulas para inclusão de novos setores, como infraestrutura crítica, como parte das exceções e, ainda, a explícita exclusão desta cláusula à sua interpretação por terceiros em mecanismos adjudicatórios. 

A criação e reativação dos IAIE também têm suscitado a atenção de algumas organizações internacionais e, desde 2022, passou a integrar as declarações do G7 como instrumento comum em torno das noções de resiliência econômica e de segurança econômica (G7 2022; G7 2023). Dentre os organismos internacionais, como indicado, a OCDE e a UNCTAD têm acompanhado a tendência de criação e implementação de políticas dos IAIE (OCDE 2016; 2018; 2019; 2020; 2021a; 2021b; UNCTAD 2016; 2018; 2019; 2020). No entanto, a troca de informações sobre os IAIE e as orientações sobre requisitos mínimos para a coordenação internacional ainda são quase inexistentes. 

Vale notar que muitos dos países que têm IAIE são membros da OCDE que endossaram as Diretrizes da OCDE de 2009 para Políticas de Investimento em Países Recipientes em Relação à Segurança Nacional. Essas diretrizes recomendam, entre outras medidas, o desenvolvimento de políticas transparentes que sejam bem adaptadas aos riscos identificados e aplicadas proporcionalmente (OCDE 2023). Esse pode ser um referencial inicial para parametrizar as políticas dos IAIE. Mas expandir o envolvimento nesse debate além da OCDE para incluir um espectro mais amplo de economias é imperativo. Caso contrário, as economias em desenvolvimento, tais como o Brasil, correm o risco de serem marginalizadas nessa discussão, especialmente no que diz respeito aos investimentos originários de suas regiões, e eventualmente serem afetadas por desvios de recursos resultantes da atuação de algum IAIE. 

REFLEXÕES SOBRE UMA POLÍTICA PARA O INVESTIMENTO EXTERNO NO BRASIL 

Espera-se de um bom governo que crie as condições para que a economia cresça a taxas tais que possibilite a criação de postos de trabalho em conformidade com o crescimento da força de trabalho, atue para reduzir as desigualdades sociais, preserve em nível baixo a elevação do nível de preços, gerencie de forma cautelosa os recursos públicos, crie condições que estimulem a competitividade e o progresso técnico, mantenha boa relação com outros países, preservando a paz e alcançando diversos outros objetivos. No caso da economia brasileira, boa parte dos resultados a serem obtidos nesse sentido depende da atuação de agentes estrangeiros, dada a significativa participação de empresas estrangeiras em diferentes setores da economia do país.

A economia brasileira é, há tempos, destaque na atração de investimentos diretos externos. Segundo a UNCTAD (2023), no ano de 2022 o Brasil foi o 6º maior destino de investimentos diretos. Entre as economias que não são de alta renda per capita, o país há tempos só fica atrás da China, em termos do volume de recursos internalizados.

A presença de empresas estrangeiras na economia brasileira é notória, sendo frequente a referência a que a maior parte das maiores empresas listadas nos levantamentos feitos pela revista Forbes já opera no Brasil. Mas não são apenas grandes investidores. Há diversas empresas de porte médio que têm igualmente se aventurado no mercado brasileiro. E mesmo as que já atuam nesse mercado gradualmente ampliam seu escopo de atuação pela compra de outras empresas existentes.

As vantagens da atração de investimentos externos são razoavelmente claras quando se trata de projetos do tipo greenfield, isto é, a implantação de novas unidades produtivas. Isso porque – supondo que não existam maiores danos ambientais e de outros tipos – essa ampliação da capacidade de oferta naturalmente implicará a criação de novos postos de trabalho, aumentará a oferta interna de bens ou de serviços, supostamente beneficiando consumidores pelo espectro mais amplo de opções, e muito provavelmente adotará tecnologia e práticas de gestão modernas.

São menos claros os efeitos da entrada de investimentos externos do perfil brownfield, que se dá com base na fusão ou aquisição de empresas que já operam no mercado nacional. E esse não é um tema menor no caso do Brasil: a maior parte dos investimentos externos acontece exatamente nessa modalidade (Vaz & Sabino 2023).

No caso da economia brasileira, seja em uma ou outra dessas modalidades, os registros existentes – relativos ao comércio exterior, aos dados do Censo de Capitais Estrangeiros feito pelo Banco Central, às bases da Receita Federal, às atividades de pesquisa e a outros – tornam sempre possível cruzar informações de bases de dados distintas e conhecer as características da atuação das empresas estrangeiras em uma série de variáveis. Mas ainda persistem restrições de acesso a várias informações e, sobretudo, inexiste um referencial claro do que seria desejável obter de parte dos investidores externos ao longo das cadeias de suprimento.

Quando se pensa em monitorar o fluxo de investimentos externos, a tendência natural é definir os critérios para aceitar ou proibir a entrada desses recursos. Há setores em relação aos quais as limitações ao capital externo foram definidas, no próprio texto da Constituição, como monopólio do Estado. Mas a experiência brasileira é pobre em mecanismos que permitam a entrada de capitais de forma condicionada a comportamentos definidos e, mais ainda, com capacidade de análise sistemática e frequente dos impactos da atuação das empresas estrangeiras no país.

No cenário brasileiro, há disputas políticas sobre o impacto do investimento externo em questões de segurança nacional, no sentido de ser recomendável criar um IAIE. (...) Para o país, adotar um IAIE significaria avaliar quais setores são críticos e qual o impacto do controle na política industrial nacional, além de abrir uma discussão a respeito do conceito de "segurança nacional" e sua motivação por trás de adotar medidas e limitações em certos setores.

No cenário brasileiro, há disputas políticas sobre o impacto do investimento externo em questões de segurança nacional, no sentido de ser recomendável criar um IAIE. Há preocupação em implementar mecanismos de triagem de IED derivada, entre outros, do aumento das aquisições por empresas estatais chinesas em setores críticos brasileiros, como no setor de energia. Ao mesmo tempo, nota-se esforço governamental para definir a política nacional para facilitação de investimento externo e melhoria regulatória, como o Plano Nacional de Investimento de 2020.

Para o país, adotar um IAIE significaria avaliar quais setores são críticos e qual o impacto do controle na política industrial nacional, além de abrir uma discussão a respeito do conceito de "segurança nacional" e sua motivação por trás de adotar medidas e limitações em certos setores. Além disso, considerando que os IAIE são estruturas do Poder Executivo, como e em qual estrutura do Poder Executivo brasileiro se vislumbraria a criação de um IAIE? Como pensar as duas estruturas – facilitação e avaliação/controle do investimento externo – no âmbito do Poder Executivo brasileiro?

Pesquisa recente sobre investimentos brownfield mostrou que, nas empresas de menor porte, ao serem adquiridas por investidores externos ocorrem efeitos positivos sobre o emprego, a remuneração média, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a probabilidade de exportar. Por outro lado, nas empresas de maior porte, as reduções do quadro de funcionários e dos investimentos em P&D surgem como efeitos negativos da aquisição de empresas. Na indústria de transformação, especificamente, nessas grandes empresas ocorre redução expressiva da proporção de funcionários com ensino superior, condição importante para que seja criado ambiente propício à pesquisa e desenvolvimento de produtos. E esses resultados são obtidos independentemente dos setores considerados e dos países de origem do capital, que poderiam refletir procedimentos distintos por parte dos adquirentes (Vaz & Sabino 2023).

Essas informações são fortemente sugestivas de que não basta conhecer os registros da concentração setorial quanto à entrada de capital externo. No caso específico da economia brasileira, há empresas de propriedade de não residentes que já operam no mercado interno há décadas e, aos poucos, têm adquirido outras empresas, passando a atuar não apenas na ponta final das cadeias de suprimento, mas também ampliando sua influência em diversas etapas dessas cadeias.

Dada a presumível magnitude e intensidade desse processo, isso significa que é importante conhecer melhor o que acontece ao longo das diversas cadeias de suprimento, identificando os efeitos associados à presença de capital estrangeiro. Uma vez que a política industrial tem como objetivos, a partir de 2023, promover a inclusão socioeconômica e a equidade, promover o trabalho decente e a melhoria da renda, estimular o desenvolvimento produtivo e tecnológico e a inovação,  incrementar a produtividade e a competitividade, reduzir as desigualdades e promover a sustentabilidade e a inserção internacional, parece relevante identificar os graus de liberdade para a concretização desses bons propósitos, uma vez que a implementação das políticas dependerá de processos decisórios muitas vezes influenciados por condicionantes externas ao país.

De um modo geral, é importante que se passe a fazer, de maneira mais frequente e sistemática, a avaliação da atuação das empresas estrangeiras em operação na economia brasileira. É preciso amadurecer o conhecimento da contribuição específica do capital externo em função dos objetivos da política nacional. Uma forma de lidar com essa situação é começar a pensar em mecanismos que condicionem as fusões e/ou aquisições de empresas em operação por parte de investidores externos a critérios claros, factíveis e de desempenho em termos dos objetivos das políticas públicas estabelecidas. Isso com especial destaque para setores cujo impacto sobre a estrutura produtiva geral e/ou o nível de preços seja mais pronunciado. 

O Brasil é signatário, desde 1997, das Diretrizes da OCDE para a conduta responsável das empresas transnacionais. São itens a serem observados por essas empresas, já que seu descumprimento pode ser objeto de denúncia e, no limite, ter efeitos negativos sobre a imagem pública das empresas descumpridoras. Por coerência, o país deveria associar esses compromissos ao discurso de atração de capitais estrangeiros e, por consequência, à aprovação das operações dessas empresas. As indicações de efeitos negativos sobre o nível de emprego e sobre as atividades de pesquisa e desenvolvimento chamam a atenção a respeito da necessidade de maior monitoramento.

As considerações acima tangenciam o que poderia ser considerada uma dimensão de segurança nacional. Na área de defesa existe, por óbvio, um razoável controle sobre a internalização de armamentos, munições e outros bens e serviços vinculados à atividade militar. No entanto, inexiste em outros setores a preocupação em condicionar a ação de empresas – em particular aquelas de capital externo – sob a ótica do que poderia ser entendido como segurança nacional.

Como apresentado, há uma crescente preocupação, explícita em diversos países, em adotar medidas restritivas do capital externo, a partir de argumentos vinculados à segurança nacional. O caso mais frequentemente mencionado é o dos microprocessadores eletrônicos, mas há uma gama variada de setores que recebem este mesmo tipo de proteção. Alguns exemplos são as ofertas de água potável, de energia, de produtos siderúrgicos, de produtos na área de saúde e alimentação, entre outros.

Ao longo de várias décadas o Brasil acumulou experiência significativa com a adoção de planos de desenvolvimento e documentos de política industrial. Salvo maior engano, nunca houve referência explícita a que os incentivos oferecidos nos diversos planos refletissem uma dimensão de segurança nacional. Uma possível exceção talvez tenha sido o chamado Plano SALTE, em que o próprio nome indica preocupação com a oferta interna de alimentos, transporte e energia. De um modo geral, contudo, é razoável se afirmar que a dimensão de segurança nacional não tem sido um motivo claro dos planos de desenvolvimento brasileiros ou nos documentos de política industrial.

Simultaneamente, é necessário avaliar quais critérios e conceitos o Brasil adota em relação à proteção dos investimentos, baseado no conceito de segurança nacional, e quais setores são considerados críticos para o investimento externo, além de analisar os altos custos de transação, transparência, avaliações subjetivas e concentração da política por parte de um Poder. Seria recomendável que os conceitos restritivos sobre os riscos fossem avaliados por uma agência ou grupo de instituições públicas, com testes e procedimentos claros e transparentes, divulgados para o público e demais países, funcionando com caráter multilateral e sem discriminações ideológicas, exclusivamente políticas e/ou com o foco em um único país. Além disso, em linha com a tendência internacional, o papel dessa agência ou conselho poderia ser reforçado ao se atribuir ao Chefe de Estado o poder de vetar operações que possam ameaçar a segurança nacional.

As recomendações são que, caso haja a decisão de criar uma agência ou mecanismo governamental com essa função, se evite o objetivo de desenvolver políticas específicas para o setor industrial, geração de empregos e transferência de tecnologia (como exemplo o Canadá, EUA, França), além de não focar em bloquear o investimento por questões concorrenciais (financiamento, dumping ou subsídios, como no caso da União Europeia) ou discriminar e mitigar somente investimentos de empresas estatais. Muito menos discriminar em função do país de origem dos recursos.

Maior nitidez em relação ao que poderia ser considerado nesse âmbito, fora da órbita militar, ajudaria a amadurecer a visão do que se espera como contribuição de parte do investimento externo e, por consequência, se existem preocupações com áreas em que a ação de investidores externos deveria ser condicionada e a quais parâmetros – a menos que fique claro que não existe tal preocupação em identificar as atividades e setores nos quais a presença do investimento externo não é proibida pela legislação nacional, mas que poderiam ser considerados como sensíveis desde algum critério de segurança nacional.

Um subproduto importante desse tipo de iniciativa seria conseguir maior certeza sobre questão mais ampla e igualmente pouco clara, que é o projeto desejável para a inserção internacional da economia brasileira.

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Recebido: 25 de maio de 2024

Aceito para publicação: 29 de agosto de 2024

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