The war in Gaza has brought to an end the long-standing fiction that the international community was working on toward completing the two-States project and also to the impossibility of that project ever succeeding. Therefore, Brazil has to reevaluate its historic position towards the Palestinian issue and define a new attitude. It is a challenge in terms of adherence to the values our foreign policy purports to uphold and power strategies. The war also reveals an ongoing transformation, which it helps achieve, leading to a redistribution of power worldwide. Brazil is in a relatively good position to occupy a place of greater importance, but there are challenges to be faced if it wishes to express such an ambition.
A guerra em Gaza que iniciou a partir do dia 7 de outubro de 2023 desvelou uma ficção em que muitos fingiam acreditar. Se havia quem nela acreditasse de verdade, tratava-se de observadores mal-informados. A ficção que se tem em mente é a de que se caminhava para uma solução de dois Estados na região da Palestina histórica e, mais especificamente, de que o que se costuma chamar de “comunidade internacional”[1] trabalhava com vistas à consecução do projeto de dois Estados.
Para muitos, o caráter ficcional da proposta e do projeto perdura desde os primeiros momentos quando se concebeu o projeto de um lar para o povo judeu na Palestina, em que se obteve o apoio da potência britânica, em que se incorporou a ideia no mandato da Sociedade das Nações... Alguns podem ter percebido a ilusão que era vendida desde sua incepção[2], e outros podem ter enxergado o fato retrospectivamente.
De todo modo, quem pôde observar os eventos na Palestina nos anos que se seguiram aos acordos de Oslo, de 1993, não poderia ter entrado no novo século ainda acreditando genuinamente nas possibilidades de sucesso do projeto de dois Estados e nas intenções dos atores relevantes, especialmente Israel e Estados Unidos, de levar a bom termo tal projeto.
...quem pôde observar os eventos na Palestina nos anos que se seguiram aos acordos de Oslo, de 1993, não poderia ter entrado no novo século ainda acreditando genuinamente nas possibilidades de sucesso do projeto de dois Estados e nas intenções dos atores relevantes, especialmente Israel e Estados Unidos, de levar a bom termo tal projeto.
O sinal mais evidente, não só de uma falta de disposição para com a ideia dos dois Estados, mas de uma intenção de tornar a execução da ideia algo impossível, estava e continua a estar na expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia e em Jerusalém e seu entorno. Apropriar-se do território sobre o qual se instalaria o Estado palestino – na visão dos que consideram que ainda não existe tal Estado – ou sobre o qual já estaria instalado esse Estado – sob a perspectiva dos quase 150 países que reconhecem a Palestina – não é exatamente o comportamento de quem acredita na ideia de dois Estados e pretende vê-la realizada.
Não há necessidade, para os propósitos do que se argumenta aqui, de detalhar todos os elementos confirmadores da intenção israelense de tomar para si o território por meio de assentamentos sempre em expansão – que seriam encontrados em abundância nos discursos dos agentes políticos e governantes e em documentos por eles produzidos.
Enquanto era finalizado este texto, a Corte Internacional de Justiça, vinte anos e dez dias depois da emissão do Parecer Consultivo sobre a Edificação de um Muro por Israel nos Territórios Palestinos Ocupados, emitiu um novo Parecer Consultivo declarando ilegal a ocupação desses mesmos territórios, declarando ilegais os assentamentos, afirmando a obrigação de Israel de dar fim à ocupação e de desmantelar os assentamentos. Declarou também que Israel tem a obrigação de reparar os danos causados aos palestinos. Finalmente, declarou que todos os demais Estados do mundo e as organizações internacionais têm a obrigação de não reconhecer os efeitos da ocupação e de não prestar ajuda a Israel.
Ora, um dia antes da emissão desse novo Parecer, o Parlamento israelense aprovou, por grande maioria, uma resolução recusando a possibilidade de um dia se permitir a existência de um Estado Palestino. O nosso argumento central se vê assim confirmado. A Corte diz o que diz o Direito, e Israel antecipa-se e diz que não pretende dar ouvidos ao Direito.
A tomada do território e a expansão dos espaços de presença exclusiva de colonos judeus se combinam com o esforço permanente de expulsão dos palestinos da Cisjordânia e da região de Jerusalém. Em Gaza, o esforço de expulsão se fazia pelo bloqueio total até a presente guerra, durante a qual se passou ao exercício de tomar por alvo a população civil. Dessa população, ao menos 2% já foram mortos, como mecanismo de pressão auxiliar no convite aos palestinos para que abandonem a sua terra e partam em direção aos países vizinhos.
Também sobre esse esforço não se pode ter muitas dúvidas. O discurso oficial dos governos israelenses, durante ao menos duas décadas, expressa a persecução do par “Grande Israel” e “Estado Judeu”, ou seja, da anexação dos territórios palestinos – além de outros, a exemplo do que se fez com as Colinas de Golan – com o direito à autodeterminação reservado exclusivamente para os judeus. E antes de ter se revelado expressamente nos discursos, se fazia ver claramente nos comportamentos.
Enquanto a expulsão dos palestinos dos territórios ocupados não se completa, Israel estabeleceu um sistema de segregação em todos os espaços sob seu domínio, militar, político e jurídico, e em relação aos palestinos, onde quer que estejam. A realidade da existência concreta de tal sistema e de seu funcionamento já não pode ser posta em dúvida. E isso não se deve a uma repentina descoberta de verdades antes desconhecidas. A verdade é que a violência que se liberou contra os palestinos ao longo desta guerra atual fez com que se tornasse possível falar de algo que todos conheciam, mas diziam não ver.
Ainda que um dia o processo de expulsão dos palestinos se dê por terminado – ou seja, quando tenham restado apenas aqueles que não ponham em risco a superioridade demográfica dos judeus –, a minoria que permanecer continuará a viver sob o sistema de segregação.
Pois bem, assim se resume a postura e o comportamento de Israel.
Já sobre o único outro ator relevante, segundo nos mostra a experiência e a observação do que se costuma chamar de sistema internacional, os Estados Unidos da América, não é preciso dizer muito mais do que o que segue: o seu apoio a Israel é ilimitado e incondicional. Se, por acaso, os Estados Unidos tiveram uma visão divergente daquilo que Israel vem implementando, a história nos mostra que não quiseram ou não puderam fazer valer essa divergência. Em algumas raras circunstâncias, um ou outro presidente estadunidense pareceu disposto a exercer uma pressão mais relevante sobre os governos israelenses, especialmente em relação aos assentamentos, mas sempre saíram derrotados. Há uma evidente dinâmica que regula as relações entre os dois países e que impede os Estados Unidos de limitarem seu apoio a Israel. A resultante é que Israel pode sempre contar com a maior potência do mundo e seu patrocínio ilimitado enquanto trabalha para implementar a sua visão de Estado único, exclusivamente judeu.
Além desse apoio incondicional dos Estados Unidos, Israel recebia e recebe ainda a ajuda, a solidariedade e o suporte político e econômico de vários outros países, secundários, mas importantes. Muitas vezes tudo isso é também oferecido incondicionalmente.
De modo geral, essa cobertura, essa proteção oferecida pelos Estados Unidos e seus aliados a Israel se manteve inteira mesmo diante do teste radical a que foi submetida por esta guerra agora em andamento e pelo comportamento de Israel. Em outras palavras, o Ocidente coletivo se manteve firme em seu apoio a Israel a despeito do fim inconteste da ficção dos dois Estados e a despeito de terem sido revelados a segregação étnica e os esforços para garantir a superioridade demográfica judaica em relação aos palestinos – depois que a mágica da invisibilidade perdeu seu efeito.
A guerra, sobre cujos excessos há largo consenso entre organizações internacionais de Direitos Humanos e de Direito Humanitário, o fim da ficção, a emergência das verdades sobre a expulsão gradual da população, sobre o sistema de segregação étnica e a continuidade do alinhamento ocidental com Israel, tudo isso impõe uma crise de credibilidade do Ocidente, autodeclarado liberal e democrático, defensor dos Direitos Humanos. A profundidade desta crise talvez não tenha sido percebida inteiramente e seus desdobramentos estão ainda por se revelar.
A guerra, sobre cujos excessos há largo consenso, (...) impõe uma crise de credibilidade do Ocidente, autodeclarado liberal e democrático, defensor dos Direitos Humanos. A profundidade desta crise talvez não tenha sido percebida inteiramente e seus desdobramentos estão ainda por se revelar.
Todos os demais países, entre eles o Brasil, precisam agora desenhar um curso de ação que leve em conta o que nos foi revelado pela guerra. Tal curso dependerá, é claro, dos objetivos de política externa que se queira perseguir. Mas ela passa antes pela avaliação da postura do país no tempo anterior aos eventos que revelaram uma nova realidade e o fim de uma ficção antiga.
O ponto de partida inescapável, se quisermos analisar ou discutir a posição brasileira e as opções que o país pode vir a fazer a partir de agora, é este: o Brasil se posiciona histórica e consistentemente em favor do projeto dos dois Estados. Teve papel relevante na aprovação do plano de partilha na Assembleia Geral da ONU e, desde que se constituiu uma espécie de consenso internacional sobre a legitimidade e a legalidade da solução de dois Estados – em que a Palestina cobriria a Cisjordânia, a faixa de Gaza e teria por capital a porção oriental de Jerusalém –, o Brasil abraçou essa solução e insistiu em que era a única possível.
Pode, é claro, haver alguma distância entre as posições oficiais do Estado brasileiro e aquilo que seriam as convicções de seus governantes, quer ao longo do tempo, quer em momentos específicos. Assim, por exemplo, quando o Brasil votou pela aprovação do plano de partilha de 1947, pode tê-lo feito por acreditar que aquela era a solução legítima, justa; ou pode tê-lo feito por considerar que a distribuição de poder no mundo, à época, e os seus interesses e possibilidades comandavam tal escolha. O cálculo estratégico podia convergir ou não com as convicções profundas, se havia tais convicções.
Do mesmo modo, a adesão à ideia de legitimidade da solução de dois Estados, em que a Palestina ocuparia apenas os territórios ocupados por Israel durante a guerra de 1967, ou seja, menos da metade do que lhe caberia no acordo de partilha de 1947, pode ser uma combinação de convicção e cálculo interessado, sendo que, tanto a convicção quanto o cálculo podem ser influenciados por uma leitura do que seria possível alcançar.
Resumindo, podemos perguntar: o Brasil considera de fato, ou seja, seus governantes sustentaram ao longo do tempo uma convicção genuína de que a solução legítima, justa e legal é a solução de dois Estados? O Brasil considera que era parte de sua estratégia de poder e de proteção de seus interesses apoiar a ideia de dois Estados? O Brasil acredita de fato que a única solução possível era – e é – a de dois Estados, independentemente do que seria legítimo, justo e legal e, talvez, independentemente do que seria seu interesse estratégico?
Considerando que partimos da conclusão de que não só a solução dos dois Estados é hoje uma impossibilidade, mas de que a própria ideia sempre foi, ou, na melhor das hipóteses, revelou-se nas últimas décadas, uma ficção, é preciso fazer as perguntas acima à luz dessa conclusão.
Os diversos governos brasileiros, à exceção daquele do presidente Bolsonaro, sabiam, ou se deram conta em algum momento, que estavam apoiando uma ficção, ou seja, um projeto que atores fundamentais – um dos interessados diretos e várias das maiores potências mundiais – não pretendiam ver realizado? Em algum momento, os governos brasileiros perceberam que a solução que apoiavam já não era factível?
Se sabiam, cabe perguntar se as decisões tomadas, no sentido de continuar a apoiar a solução dos dois Estados como sendo legítima, justa, legal e possível, eram as melhores do ponto de vista de nossa estratégia de política externa.
Presumindo-se que se sabia da ficção e da impossibilidade, para não presumir uma inocência quase ofensiva, continuarmos abraçados à ideia de que, de fato, se caminhava, ou se tentava caminhar, em direção aos dois Estados apenas porque se considerava não haver alternativa, por se pensar que não haveria ganhos políticos decorrentes de se adotar uma postura mais realista, é uma atitude que pode ser questionada por falta de ambição e de autoconfiança.
E, mais grave do que uma possível falta de ambição e um eventual complexo de inferioridade, se de fato os governos brasileiros eram sinceros em acreditar que a solução justa e legal era aquela dos dois Estados, ao não combaterem a ficção, ao agirem como se fosse realidade, ao fazer de conta que era possível, levaram o Brasil a abandonar uma bandeira central de sua política externa – a da defesa do Direito Internacional e de suas instituições.
Estaríamos, portanto, diante de duas falhas de política externa, uma estratégica e outra moral, se de fato acreditarmos no nosso próprio discurso.
Isso é o passado. O que dizer do futuro?
Considerando que agora a verdade se impôs a todos e que já não se pode ignorar, ou fingir ignorar, nem a ficção, nem a impossibilidade, nem os elementos constitutivos de uma e de outra, a ocupação, o bloqueio, os assentamentos, a segregação, a gradual expulsão dos palestinos, como direcionar a nossa política externa?
Alguém, inclusive um governo brasileiro, presente ou futuro, pode argumentar que a impossibilidade não está dada e que a solução de dois Estados ainda é a única possível e a única justa. Ainda assim, à luz da verdade indiscutível de que Israel faz tudo que pode para impedir que se concretize essa solução e de que o faz com o total apoio dos Estados Unidos e outras potências ocidentais; à luz da guerra que toma por alvo os civis e que confirma a intenção de interferir na balança demográfica no território integral da Palestina histórica; à luz da ocupação, dos assentamentos e da segregação, é preciso calibrar a nossa política externa para refletir a nossa crença na justiça e na factibilidade do projeto e a nossa capacidade de ler com precisão o cenário internacional.
Agora já está claro, se não estava antes, que continuar a declarar, sem mais, o apoio aos dois Estados, recorrendo vez ou outra a uma declaração de disponibilidade para atuar como facilitador ou mediador entre duas partes vistas como estando a uma mesma distância e dotadas de medida igual de poder, resulta, na melhor das hipóteses, em indiferença, talvez ainda em alguma inocência, e, na pior das hipóteses, em cumplicidade – uma cumplicidade que reforça a ideia de que as instituições funcionam e o processo está em andamento, enquanto, na verdade, é o direito à autodeterminação de um povo que está sendo eliminado à vista de todos.
O mínimo que se pode esperar, a partir deste momento histórico e do que ele revela, é uma postura de política externa brasileira que seja condizente com a continuidade do nosso apoio à ideia de dois Estados e que, levando em conta o que agora se sabe sem sombra de dúvida, ajuste a postura em relação às partes que implodem essa possibilidade e que se afirme, por ações e comportamento, a nossa disposição para defendermos a solução que pensamos justa e aderente ao Direito Internacional, além de possível.
O mínimo que se pode esperar, a partir deste momento histórico e do que ele revela, é uma postura de política externa brasileira que seja condizente com a continuidade do nosso apoio à ideia de dois Estados e que (...) ajuste a postura em relação às partes que implodem essa possibilidade e que se afirme, por ações e comportamento, a nossa disposição para defendermos a solução que pensamos justa e aderente ao Direito Internacional, além de possível. Mas talvez seja legítimo esperar mais do que o mínimo.
Mas talvez seja legítimo esperar mais do que o mínimo.
Creio não haver exagero em dizer que a guerra em Gaza, se não for em si mesma, enquanto evento singular, responsável pela transformação radical do modo como se apresenta a distribuição mundial de poder, é, certamente, o elo mais recente da cadeia de eventos que nos revelaram essa transformação.
Em poucas palavras, o surpreendente sucesso do ataque empreendido pelo Hamas no dia 7 de outubro de 2023; a incapacidade das forças armadas de Israel de alcançarem qualquer um dos objetivos declarados ou quaisquer outros que fossem significativos; a incapacidade das mesmas forças armadas de conterem a ação da Resistência Islâmica Libanesa, de responderem aos ataques do Iêmen e do Iraque; a necessidade que teve Israel de se valer da ajuda de vários países para tentar, sem sucesso, responder a um ataque iraniano; e, mais importante, a patente limitação do poder dos Estados Unidos, do Reino Unido e de outros aliados israelenses para responderem a todos esses desafios, quanto mais para enfrentarem a escalada em direção a um conflito maior, tudo isso nos apresenta um quadro, sem exageros, inimaginável no Ocidente antes daquele dia 7 de outubro.
Além disso, aquela névoa que parecia envolver o Estado de Israel e que só permitia que ele fosse visto como a “única democracia no Oriente Médio” e o “David” que lutava contra o Golias circundante se desfez e a opinião pública parece ter visto uma outra realidade e, agora, perceber a justiça fundamental da Questão Palestina, enquanto uma luta pela autodeterminação de um povo sobre seu território histórico.
Mas não foi apenas Israel que se viu desnudado. Toda a construção retórica apresentada pelo Ocidente coletivo ao resto do mundo se desfez em uma montanha de palavras esvaziadas de sentido: como ficam os direitos humanos, as liberdades, a democracia, se ninguém hesita em apoiar incondicionalmente uma guerra que ignora todas as normas do Direito Humanitário e é transmitida ao vivo para quem quiser ver?
Se somarmos tudo isso às lições que devem, ou deveriam, ter sido aprendidas com a guerra na Ucrânia, que – para que não haja engano sobre o que se quer dizer – também revelou, para quem quis ver, os múltiplos pesos e medidas com que trabalham os Estados Unidos e seus aliados e, mais importante, que anunciou com clareza o novo mundo multipolar que começa a nascer, esse novo mundo abre espaços para novas ambições de quem queira preencher os vazios e apresenta oportunidades para um país com a dimensão territorial e o potencial do Brasil.
No entanto, esse novo mundo tem uma especificidade: os grandes eventos transformadores, a emergência em poder da China, a restauração do poder russo a partir da guerra na Ucrânia, a nova realidade que surge no Oriente Médio, tudo isso indica um retorno ao “coração do mundo” que, ao longo da história humana, esteve predominantemente localizado na Eurásia.
Que estratégias deve adotar o Brasil se quiser ser um dos atores relevantes em um mundo multipolar que tem seu centro nevrálgico na Eurásia, muito longe de casa? Se o argumento de que estamos assistindo ao ocaso da potência americana está correto, é preciso extrair disso a implicação necessária de que disso decorre uma crise do próprio sistema internacional que, em grande medida, foi esculpido por essa potência. Isso significa que a postura tradicional brasileira, de defesa do bom funcionamento do sistema e de suas instituições, já não será suficiente, pois redundaria em defesa daquilo que se apresenta moribundo.
É preciso, por isso, fazer prova de criatividade para propor o novo, para provocar a transformação, para participar do desenho do sistema que está por vir. E a criatividade precisa vir acompanhada de ousadia e coragem para incorrer nos custos das novas responsabilidades.
O Brasil parece bem posicionado, por conta de seu histórico de construção de vínculos no plano das relações ditas Sul-Sul, por conta de seus esforços de aproximação com os países africanos e com os países árabes, por conta de seu lugar proeminente na América Latina e, certamente, por conta de seu lugar de membro fundador do BRICS, para ser um agente ativo na construção do novo.
O Brasil parece bem posicionado, por conta de seu histórico de construção de vínculos no plano das relações ditas Sul-Sul, por conta de seus esforços de aproximação com os países africanos e com os países árabes, por conta de seu lugar proeminente na América Latina e, certamente, por conta de seu lugar de membro fundador do BRICS, para ser um agente ativo na construção do novo [sistema internacional].
No entanto, problemas de execução das políticas, problemas relacionados a uma, ao menos aparente, imprecisão na definição dos interesses nacionais, problemas decorrentes de uma história de excessiva modéstia em relação às próprias possibilidades nas relações internacionais, falhas ou lacunas na compreensão de determinadas dinâmicas e de determinadas regiões do mundo, além de uma tendência à menor assertividade, nos fazem correr o risco de ficarmos a reboque de outros atores e perdermos as janelas de oportunidades.
No contexto do BRICS, ainda em sua composição original, já se fazia evidente a diferença, em termos de assertividade e clareza, das posições entre o Brasil, de um lado, e a China, Rússia e Índia, de outro. Já sobre a África do Sul, basta apontar para o posicionamento decisivo que esta adotou ao iniciar uma demanda por genocídio contra Israel na Corte Internacional de Justiça e contrastar essa posição com a timidez brasileira em suas manifestações sobre o mesmo tema.
Agora, a expansão do BRICS, além de mostrar no mapa a renovada centralidade da Eurásia, tem o potencial de diluir o quantum de poder de um ator que não mostre estar pronto para operar em um cenário novo, mais amplo, mais complexo, que demande mais coragem e assertividade e também mais conhecimentos, além de uma definição mais segura dos próprios interesses.
Em curta conclusão, considerando a redistribuição de poder ocorrendo no mundo, e considerando o papel que a atual guerra na Palestina está tendo na construção do novo mundo e no revelar de alguns de seus traços, este parece ser o momento unicamente propício para que o Brasil defina o tamanho que quer ter nas relações internacionais. Caso queira expressar maior ambição, é o momento também para ajustar sua postura, definir seus interesses, dispor-se a arcar com os custos e, sobretudo, aprofundar seu domínio das histórias, dos povos, das religiões, das dinâmicas políticas, das convergências e divergências de interesses nesse universo que se convenciona chamar Eurásia. Faria parte desse esforço de familiarização e domínio uma maior aproximação mais proficiente com o Oriente Médio, com o mundo árabe e com o mundo muçulmano.
Notas
[1] Por vezes tendo em mente a estrutura institucional do sistema, tendo à sua frente as Nações Unidas (ONU), e muito frequentemente representada apenas por um clube de Estados liderados pelos Estados Unidos.
[2] Ao que parece, a palavra incepção, no sentido de momento em que algo surge para a existência, não faz parte do vocabulário da língua portuguesa, mas, no inglês, tem-se por certo que tenha decorrido do latim. Por isso, se permite o uso do que seria um neologismo tido por razoavelmente legítimo.
Recebido: 28 de junho de 2024
Aceito para publicação: 22 de junho de 2024
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