The article analyzes Africa's position in the world at the dawn of the 21st century, considering its diversity, dynamism, and role in international politics. It examines the continent's difficult transition from the 20th to the 21st century, exploring the economic potential of African States and reflecting on their challenges and opportunities in the global context. The interest of prominent international players such as China, the United States, Russia, and some European countries is analyzed, demonstrating the importance of Africa, both in economic and geopolitical terms, for international politics in the 21st century.
Durante boa parte do século XX o continente africano ficou subjugado por potências estrangeiras. A onda de descolonização ásio-africana, iniciada logo após o fim da Segunda Guerra mundial, significou o surgimento de vários Estados que passaram a participar da então nova ordem mundial. Quando se trata de analisar a inserção internacional da África, há que se ter em mente, portanto, que estamos analisando Estados que nasceram, em termos históricos, relativamente há pouco tempo. São, nesse sentido, Estados jovens. Além disso, surgiram como Estados incompletos, ou Estados frágeis, com uma herança colonial difícil de ser superada. Assim, a segunda metade do século XX pode ser entendida como um duro período para a África como um todo, momento em que os seus Estados buscavam consolidação e legitimidade no cenário mundial. Superada a fase inicial, a África entrou no século XXI com alguma experiência internacional e com menos ilusões idealistas. Em termos econômicos, muitos dos seus problemas persistem. Todavia, a notável capacidade de renovação e recomposição do continente africano demonstra grande resiliência. Este texto pretende discutir a inserção internacional da África e suas perspectivas futuras. A ideia central é que a África, apesar de muitos constrangimentos e deficiências estruturais, reúne condições para se transformar em um continente promissor, dinâmico e próspero ao longo do século XXI.
A notável capacidade de renovação e recomposição do continente africano demonstra grande resiliência. (...) Apesar de muitos constrangimentos e deficiências estruturais, [a África] reúne condições para se transformar em um continente promissor, dinâmico e próspero ao longo do século XXI.
É difícil, para não dizer impossível, falar em África no singular, como se o continente tivesse perfil único e processos políticos, sociais, culturais e econômicos padronizados. Na verdade, é o contrário disso: estamos tratando de um continente marcado pela diversidade e pelo pluralismo. São várias culturas, sistemas políticos, sociedades pluralistas, processos econômicos diversos e numerosas línguas e religiões. Portanto, o grande desafio de escrever um texto analisando a África é conseguir dar conta de toda essa diversidade e, ao mesmo tempo, elaborar um texto que consiga dar alguma unidade a ela.
Nesse sentido, objetiva-se aqui traçar um panorama dos principais desafios e perspectivas para o continente africano na contemporaneidade. Busca-se, pois, analisar fatores internos e externos que constrangem ou, em outra perspectiva, que abrem um leque de possibilidades para um continente vibrante e em pleno processo de transformação. A contemporaneidade é aqui entendida considerando o passado recente, o presente e o futuro próximo, isto é, do final dos anos 1990, quando se dá o processo conhecido como "renascimento africano", até aproximadamente 2050. Isso quer dizer que este é um texto um tanto presunçoso, uma vez que pretende, em poucas páginas, contemplar uma abordagem analítica e prospectiva acerca do continente africano. Naturalmente, a limitação de espaço predefinida para este trabalho possibilitará apenas uma abordagem mais genérica e não muito profunda, mas que indica temas e questões que poderão ser explorados em outros estudos e pesquisas.
O continente africano dispõe de importantes recursos que o colocam em uma posição estratégica no mundo contemporâneo. Além de grandes reservas de matérias primas, muitas delas estratégicas, é preciso levar em consideração sua biodiversidade, sua capacidade em aumentar a produção agrícola a longo prazo, seu dinamismo populacional – a África, especialmente a Subsaariana, será a única região do mundo que continuará a manter taxas de crescimento demográfico até o final do século – que se reflete em um mercado considerável e com muita capacidade de expansão, dentre outros aspectos.
A África, especialmente a Subsaariana, será a única região do mundo que continuará a manter taxas de crescimento demográfico até o final do século – que se reflete em um mercado considerável e com muita capacidade de expansão.
É certo que existem muitas fragilidades econômicas e estruturais no continente africano. Mesmo considerando que existem países com diferentes níveis de desenvolvimento e com economias relativamente diversificadas, no geral, a participação do continente no comércio internacional é muito baixa e sua capacidade de atração de investimentos externos diretos ainda é limitada.
Além disso, as economias africanas são muito dependentes dos preços internacionais, sujeitas, portanto, às oscilações das cotações das commodities. Outra característica é que os setores produtivos africanos são muito pouco desenvolvidos em termos de tecnologia e conhecimento aplicado à produção, em todos os setores: indústria, agricultura e serviços. O baixo desenvolvimento do setor agrícola é um dos grandes gargalos da economia africana, haja vista que emprega mais da metade da população do continente, mas com baixa produtividade, baixa renda, tendo como resultados a vulnerabilidade alimentar e dependência externa.
No campo político, há ainda muito a ser feito como, por exemplo, ampliação dos princípios democráticos, boa governança, equidade de gênero, respeito aos direitos humanos, redução da pobreza extrema com a adoção de políticas públicas mais eficientes, combate à corrupção, ampliação da alfabetização, dentre outras medidas.
Certamente, os desafios que as lideranças africanas têm são enormes. Apesar da fragilidade demonstrada pela maior parte dos Estados africanos, uma análise mais prospectiva mostra que a possibilidade de superação dos problemas estruturais africanos é possível. Trata-se do continente mais jovem do planeta, com um mercado interno em expansão e que dispõe de uma ampla gama de recursos naturais e energéticos. Além disso, a África apresenta uma crescente autonomia no sistema internacional, despertando uma espécie de “competição estratégica” (Akum & Tull 2023) entre as grandes potências que desejam recursos, mercados e apoio político internacional.
Essa competição internacional é altamente favorável para os Estados africanos, que a utilizam para a realização de seus objetivos políticos e econômicos. Nesse sentido, não há ingenuidade por parte das lideranças africanas, que aprenderam a usar a política internacional a seu favor. É notável como a inserção internacional mais positiva e propositiva é vital para o futuro da África. Mesmo considerando a assimetria nas relações da África com os seus parceiros internacionais, sem uma interação ativa com o ambiente internacional muito dificilmente os africanos conseguirão superar os seus problemas estruturais.
Em um mundo altamente marcado pela interdependência entre os atores internacionais, a África, assim como os demais continentes, é suscetível e vulnerável a eventos globais. Dois episódios recentes servem como ilustração para demonstrar essa assertiva: a pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia.
No âmbito das Nações Unidas, vários países africanos preferiram não tomar partido nem a favor e nem contra a Rússia ou a Ucrânia. A percepção dessas lideranças é que o conflito é muito mais um embate entre o Ocidente e a Rússia, e que tomar partido não seria do interesse africano. Apesar da pressão diplomática dos Estados Unidos, os africanos optaram por uma abordagem, até certo ponto, equidistante.
A questão da saúde pública na África é crítica. A maior parte dos países africanos não dispõe de sistemas de saúde eficientes e bem estruturados, o que significa uma precariedade que acaba tendo alto impacto social e econômico (Bessa 2020). Quando a Covid-19 chegou ao continente africano, encontrou Estados despreparados para lidar com uma doença desconhecida e letal. O acesso às vacinas foi complicado, tanto pela disponibilidade quanto pelo seu elevado custo, e os reais danos da doença dificilmente serão conhecidos. É interessante notar que as estatísticas indicam um número de mortos bem menor em comparação com outros continentes, o que suscitou um debate interessante. Por que, afinal, o impacto da Covid-19 no continente não foi tão devastador quanto se esperava? Certamente, o baixo número de testes dificulta uma avaliação mais consistente acerca do número de infectados e mortos no continente.
Algumas hipóteses foram levantadas sobre o impacto da Covid-19 na África não ter resultado em uma verdadeira catástrofe; entretanto, não há consenso e nem base científica para comprová-las. As principais são as seguintes: a questão demográfica, considerando que a população do continente é predominantemente jovem; o clima (o calor dificultaria a transmissão da doença); baixa circulação de pessoas dentro e de fora para dentro do continente; reação positiva dos governos africanos (impondo isolamento/distanciamento social) e algo ainda mais genérico: seria um sinal da resiliência africana.
Vale lembrar que a Covid-19 teve um impacto econômico que só começou a ser superado por volta de 2022. Estima-se um declínio de 2,1% nas taxas de crescimento econômico da África durante a pandemia. Além disso, houve depreciação cambial, diminuição do investimento externo direto, dentre outros efeitos econômicos negativos (Anyanwu & Salami 2021).
Nesse mesmo ano outro evento internacional acabou promovendo impactos negativos no continente. Enquanto a economia africana estava começando a se recuperar dos efeitos da Covid-19, a guerra na Ucrânia resultou no aumento do preço de algumas commodities, alimentos e petróleo, o que elevou as taxas de inflação que muito prejudicaram o crescimento econômico da África. Como observado pelo Banco Mundial (World Bank 2023), “o crescimento econômico na África Subsaariana (SSA) desacelerou para 3,6% em 2022, de 4,1% em 2021; e a atividade econômica na região deverá desacelerar ainda mais para 3,1% em 2023” (tradução própria).
Parece evidente que o contexto internacional tem grandes implicações para o destino do continente africano. Nesse sentido, a inserção internacional e a construção de parcerias estratégicas são essenciais para que a África consiga superar suas vulnerabilidades e construir um futuro que a coloque no caminho do desenvolvimento e da prosperidade.
DO FIM DO SÉCULO XX AO INÍCIO DO XXI – DIFÍCIL TRANSIÇÃO
A década de 1990 foi um período difícil para boa parte do continente africano. Ela situa-se no contexto do final da Guerra Fria e início do que comumente chamamos de "globalização" e pela formação de blocos regionais, processos que redefiniram a agenda internacional e impactaram a maior parte dos países. Ao longo dessa década vários Estados africanos entraram em profunda crise econômica, política e social que resultaram em pesadas, sangrentas e extenuantes guerras civis. Por outro lado, e até mesmo como prova da diversidade e pluralidade do continente, foi nesse período que algumas guerras civis que vinham da época da Guerra Fria cessaram, e novos tempos surgiram para vários países.
O que aconteceu naquela época, particularmente em dois países africanos, ilustra essa polarização. Referimo-nos à África do Sul e a Ruanda, dois extremos. Enquanto os sul-africanos, sob a liderança do carismático e incontestável líder Nelson Mandela, planejavam e executavam uma verdadeira obra de engenharia política para colocar fim ao desprezível e nefasto regime de segregação racial conhecido como apartheid, transformando o país numa democracia plena com a vitória do Congresso Nacional Africano e a chegada de Mandela à presidência do país; Ruanda, um pequeno Estado da África Central, mergulhava no inferno do genocídio, que teve como principal alvo a população de etnia Tutsi. O resultado, nesse caso, foi surpreendente: calcula-se que entre 500 mil e 1 milhão de ruandeses (principalmente Tutsis) perderam suas vidas em cerca de três meses! Qualquer das cifras citadas é assustadora (Armstrong II, Davenport & Stam 2020).
É de se notar que os dois episódios supracitados ocorreram durante o primeiro semestre de 1994. Mas esses não são os únicos exemplos de como o continente africano vivia processos distintos, dependendo do país e da região. Mais dois casos notáveis: enquanto Moçambique saía de uma das piores guerras civis da África durante a Guerra Fria e abria caminho para a paz, Serra Leoa, país da África Ocidental até então estável, entrava em uma espiral de conflito interno que levou, virtualmente, ao desaparecimento do próprio Estado enquanto instituição e ao sofrimento de milhões de seus cidadãos. A guerra civil em Serra Leoa durou um pouco mais de uma década e ceifou a vida de milhares de pessoas.
No geral, a década de 1990 foi marcada por grande instabilidade no continente africano. Fora da África, inclusive no Brasil, o sentimento propagado pela mídia internacional – e, diga-se de passagem, comprado barato pela maior parte dos países – foi o de um "afro-pessimismo" absurdo. Praticamente tudo o que se referia à África era abordado de forma negativa. Doenças, fome, miséria, guerras, crises, era assim que a África era vista de fora. Esse discurso, inclusive, contaminou muitos intelectuais que passaram a não ver um futuro para o continente (ver por exemplo Castells 1999, que apontava para o surgimento do que o autor chamava de "Quarto Mundo"). Ou seja, prevalecia a ideia de que os africanos eram incapazes de resolver seus próprios problemas.
Contudo, a partir da segunda metade da década de 1990, começou a se disseminar um pensamento altamente significativo e que vislumbrava justamente a superação de uma longa crise. Esse pensamento ficou conhecido como o "renascimento africano". A expressão faz referência indireta ao período conhecido como "renascimento europeu", fenômeno histórico ocorrido entre o final da Idade Média e início da era Moderna na Europa.
O que significou e ainda significa o "renascimento africano"? O conceito corresponde a um momento especial na história recente da África, e aqui falamos de África em geral, porque a ideia de renascimento africano não aconteceu exclusivamente em um único país e nem em uma única região, momento em que novas lideranças políticas, intelectuais e membros da sociedade civil começaram a expor um conjunto de novas ideias que remetem a mudanças profundas no pensamento e nas relações entre Estados e sociedades na África.
A ideia de um "renascimento africano" não é nova. Ela remonta aos fundadores do movimento Pan-Africanista ainda no século XIX e, depois, ressurge de forma intermitente ao longo do século XX. Podemos citar, por exemplo, um texto do intelectual senegalês Cheikh Ante Diop intitulado When Can We Talk of an African Renaissance? divulgado em 1948. Outro senegalês, Léopold Sédar Senghor, intelectual e político de destaque mundial que, inclusive, foi presidente do seu país por um longo período, se destaca no âmbito do movimento cultural conhecido como “Negritude”, que objetivava valorizar a cultura e identidade negras, tão vilipendiadas e menosprezadas pelo colonialismo europeu. Nesse sentido, seus escritos expressam claramente a necessidade dos africanos e dos afrodescendentes espalhados pelo mundo de valorizarem todas as formas de expressão cultural desses povos. Outro intelectual e político contemporâneo de Diop e Senghor, e que teve grande repercussão política em praticamente todo o continente africano ao longo dos anos 1950 e 1960, foi o ex-presidente de Gana Kwame Nkrumah, que também pode ser colocado entre os expoentes do “renascimento africano”. No caso de Nkrumah, ele retomou com vigor a ideia do Pan-Africanismo e pregou a união africana, tendo sua atividade principal focada na luta pela independência dos povos africanos (Zeleza 2009).
Quem retomou o conceito de “renascimento africano” no final do século XX foi o ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki. Nelson Mandela havia sido eleito presidente em 1994, e o seu sucessor foi Mbeki. Com Mandela, a África do Sul assumia um novo papel em suas relações com o mundo e, principalmente, com os outros países do continente. Mandela argumentava que a África do Sul tinha o seu destino vinculado à África, o que era uma visão nova na perspectiva do governo do país, considerando o longo período de trevas relacionado ao domínio da minoria branca e de sua política de apartheid. Mbeki buscava uma revitalização da África. Ancorado na nova África do Sul, o seu discurso foi em busca da unidade africana e do seu desenvolvimento econômico e social. A ideia subjacente era provocar uma verdadeira transformação política e econômica de todo o continente.
Alguns aspectos que chamam a atenção no "renascimento africano" são os seguintes: a) os problemas africanos só podem ser resolvidos pelos próprios africanos; b) é imperativo que se faça uma mudança cultural com valorização dos elementos culturais e civilizacionais africanos; c) é imperativo que seja realizada uma verdadeira transformação na perspectiva da política de gênero, com a necessária emancipação das mulheres; d) a mobilização da juventude africana é essencial para os destinos do continente; e) sem democracia dificilmente o continente avançará e, portanto, sua valorização é essencial; e f) a África deve buscar o desenvolvimento econômico de forma sustentável.
A ideia de “renascimento africano”, com o tempo, acabou relegada a segundo plano, sobretudo porque encontrou limites na realidade econômica, social, política e cultural em diversos países africanos, cujos líderes resistiam a mudanças tão profundas. Foi e continua sendo uma utopia que, a qualquer momento, será retomada, haja vista sua importância para a África como um todo.
A ÁFRICA E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI
De uma visão "mundial" essencialmente negativa na década de 1990 (chamada de "afro-pessimista"), o continente entrou no novo milênio sendo visto de forma antagônica a essa, ou seja, as abordagens acerca da África passaram a focar na esperança e nos aspectos positivos que os novos tempos prometiam para os africanos. Essa abordagem evoluiu gradativamente entre 2000 e 2010, sempre sinalizando as conquistas africanas e o seu crescimento econômico. Nesse sentido, passou-se do "afro-pessimismo" para o "afro-otimismo".
De uma visão "mundial" essencialmente negativa na década de 1990 (chamada de "afro-pessimista"), o continente entrou no novo milênio [com abordagens que] passaram a focar na esperança e nos aspectos positivos que os novos tempos prometiam para os africanos. (...) Nesse sentido, passou-se do "afro-pessimismo" para o "afro-otimismo".
É interessante observar como os extremos se encontram. Assim como nem tudo foi tão ruim na década de 1990, nem tudo foi tão positivo, como geralmente se quer crer, na década seguinte. Faltou, como de costume, um equilíbrio na análise das realidades africanas.
Um aspecto que muito colaborou para a retomada do crescimento econômico na África no início do novo milênio foi a "redescoberta" do continente por países emergentes que começavam a se destacar no cenário internacional, sobretudo a China. Esse fenômeno, associado a um período de maior estabilidade política na África, fez com que novos e substanciais investimentos fossem canalizados para diversos países do continente. Além da China, podemos citar o renovado interesse pela África demonstrado pela Índia e pelo Brasil, além do "retorno" de parceiros tradicionais, como países europeus, Estados Unidos e Rússia. Todavia, a crise econômica de 2008 acabou por comprometer o fluxo de investimentos externos no continente e impôs limitações ao crescimento das economias africanas.
Mas essa "redescoberta" internacional não se deu apenas por fatores externos. Também foi resultado de medidas internas tomadas por lideranças africanas. É importante uma observação preliminar: geralmente, as análises sobre a África privilegiam, quase sempre, os elementos externos, fazendo com que os africanos se posicionem, como regra geral, não como protagonistas de sua própria história e destino, mas como coadjuvantes, atores de segunda categoria, por assim dizer. Desnecessário observar que esse é apenas mais um aspecto de preconceito com relação à África. Não fosse o esforço das lideranças africanas, dificilmente a pesada realidade herdada dos tempos do colonialismo e da Guerra Fria seria modificada. Isso se deveu principalmente aos novos líderes, a uma nova geração de estadistas que, em diversas partes do continente e embalados pelo espírito do "renascimento africano", arregaçaram as mangas e começaram o processo de mudança.
Ainda no campo político, é relevante notar que muitos dos líderes africanos fazem uso da política internacional para alcançar objetivos domésticos. Nesse sentido, compreendem a realidade internacional e o funcionamento do sistema e exploram suas possibilidades com certo exímio. Foi assim durante o período da Guerra Fria e continua sendo até os dias atuais. Obviamente, o que possibilita essa maneira de obter vantagens no contexto internacional deriva do interesse que os países de fora do continente demonstram acerca das possibilidades de ganhos econômicos e políticos na África.
Em certas circunstâncias, entretanto, a relação entre lideranças políticas africanas e agentes externos costuma ser nociva para os interesses de muitos países do continente. É o caso, por exemplo, que ocorre com certa frequência nas relações entre a França e algumas de suas ex-colônias. Para a França, interessa manter uma política de influência junto às suas ex-colônias, mesmo que, para tanto, Paris tenha que apoiar regimes não democráticos e sem base de legitimidade interna. Já para algumas lideranças africanas, o apoio que recebem da França efetivamente é o que legitima seus governos. Trata-se, pois, de uma relação típica de centro-periferia, reforçando laços de dependência externa (Penna Filho & Badou 2014).
De fato, houve crescimento significativo das economias de muitos Estados africanos. Entretanto, é sempre bom lembrar que crescimento econômico nem sempre se traduz em desenvolvimento, sobretudo se considerarmos que o conceito mais moderno de desenvolvimento implica sustentabilidade e inclusão social. Aliás, é também importante observar que nem todos os países africanos apresentaram taxas de crescimento econômico significativas nos dez primeiros anos do século XXI.
Dentre as dez economias mundiais que mais cresceram entre 2001 e 2010, seis eram africanas: por ordem de crescimento, Angola, Nigéria, Etiópia, Chad, Moçambique e Ruanda (Statista 2012). Sem dúvida, esse é um fato notável e que teve, no geral, pouca repercussão na mídia internacional. Contudo, quando analisamos a década seguinte, é possível observar que houve uma mudança significativa entre as principais economias africanas que apresentavam maiores taxas de crescimento. Dos seis países anteriores, apenas dois conseguiram manter-se entre os que mais continuaram crescendo (Etiópia e Ruanda). Além disso, mais recentemente, em 2022, outros países que não apareciam nas estatísticas anteriores vêm apresentando taxas de crescimento mais elevadas, como Quênia (5,2%), Costa do Marfim (6,7%) e, apesar da continuidade da guerra civil no Leste do país, a República Democrática do Congo (8,6%) (World Bank 2023).
Fatores internos e externos convergiram para o crescimento econômico africano. Internamente, podemos destacar que, depois dos anos 1990, observamos, em caráter geral, redução da inflação, redução dos déficits orçamentários, melhoria das instituições, redução dos conflitos civis e, consequentemente, menos recursos gastos com as guerras. Externamente, o fator que mais favoreceu vários países africanos foi o interesse chinês por, principalmente, energia e recursos minerais. Os investimentos chineses no continente africano, sobretudo nos países produtores de petróleo, foram relevantes para a arrancada econômica. Há ainda o fato de que, para explorar muitos dos recursos locais, os chineses investiram pesado na construção de infraestrutura.
De toda forma, como já observado, o crescimento econômico, por si só, não nos diz muita coisa. Isso porque o crescimento econômico africano, mesmo considerando sua constância, não está se mostrando capaz de promover inclusão e desenvolvimento social na escala exigida pelas demandas sociais africanas. Destarte, a elevação das taxas de desemprego e o crescimento do setor informal da economia também foram constantes no caso da África. Isso ocorreu no continente que mais cresce em termos demográficos e que conta com a população mais jovem do planeta, justamente um segmento social que demanda empregos e que tem certa ânsia de consumo, via de regra um fenômeno mundial. O Banco Mundial estima, por exemplo, que mais de 22 milhões de africanos entram no mercado de trabalho a cada ano.
A inclusão social e a oferta de emprego para milhões de jovens que todos os anos chegam ao mercado de trabalho são dois dos grandes desafios econômicos e sociais africanos no presente e no futuro próximo. Como já mencionado, a África é o continente que, em termos demográficos, apresenta a população mais jovem do planeta e é também o que apresenta as maiores taxas de crescimento populacional. A expectativa é que até 2050 a população africana irá dobrar, com um acentuado aumento da população urbana, que deverá triplicar nesse mesmo período (World Economic Forum 2020). A Nigéria, por exemplo, deverá contar, em 2050, com cerca de 400 milhões de habitantes, o que a colocará como o terceiro mais populoso país do mundo (G1 2018).
O acentuado crescimento populacional da África previsto para os próximos 30 anos é um ponto importante para reflexão. Ele apresenta uma esperança e, ao mesmo tempo, um grande desafio para as autoridades africanas. A fim de que não se torne uma espécie de "bomba relógio", os africanos terão que encontrar um meio para que esse contingente seja incluído na economia. Caso isso não ocorra, o cenário poderá se complicar de forma preocupante, ou seja, pode ocorrer a manutenção e até mesmo o incremento da pobreza e da desigualdade social, ambas as características presentes na maior parte dos países africanos. Além disso, assistimos nas últimas décadas a uma crescente precarização do trabalho, em um processo econômico cada vez mais marcado pelo emprego de tecnologias avançadas e uma clara tendência à automação dos processos produtivos. Nesse sentido, quando consideramos que em 2022 cerca de 600 milhões de pessoas na África, isto é, mais de 40% do continente, não possuem acesso à energia elétrica, o desafio se mostra ainda maior (World Bank 2023).
Uma síntese do cenário demográfico atual e a perspectiva para os próximos 30 anos podem ser demonstradas pelos dados elencados na sequência. Atualmente, a população total do continente é de aproximadamente 1.350.238 pessoas (um bilhão, trezentos e cinquenta milhões e duzentas e trinta e oito mil pessoas), o que corresponde a 16,7% do total da população mundial, sendo que cerca de 43,8% dos africanos vivem em zonas urbanas, e a idade média no continente é de apenas 19,7 anos. Para 2050, as projeções indicam o seguinte: população total do continente será de aproximadamente 2.489.275 (dois bilhões, quatrocentos e oitenta e nove milhões e duzentas e setenta e cinco mil pessoas), o que corresponderá a aproximadamente 26,3% da população mundial (portanto, quase um terço da população mundial). Desse total, 59,8% deverão habitar em áreas urbanas (muitas dessas pessoas em megacidades e, claro, que provavelmente contarão com todos os problemas de um crescimento abrupto e, até certo ponto, desorganizado), e a idade média da população será de apenas 24,8 anos (Worldometers 2023). É importante observar que 30 anos passam muito rapidamente e que as atitudes para que a realidade futura não seja catastrófica devem ser tomadas agora para encarar os problemas colocados para o futuro próximo.
Nesse ponto, economia e política se encontram. Como não existem soluções para os problemas africanos definidos de fora, as elites da África terão que ter uma visão que contemple crescimento econômico com inclusão social, o que exigirá a criação de milhares de empregos diante de tal cenário demográfico. E isso em um contexto de plena Quarta Revolução Industrial!
Essa expectativa dificilmente será alcançada caso os sistemas políticos africanos não aperfeiçoem os mecanismos de boa governança, respeito aos direitos humanos, igualdade de gênero, enfim, práticas democráticas que promovam maior aproximação entre Estados e sociedades. Hoje há um grande déficit democrático na África – além de persistirem algumas ditaduras, a corrupção, as fraudes eleitorais, instituições ainda fracas, grande dependência dos doadores internacionais, falta de transparência, reduzida participação dos cidadãos na vida política, dentre outros desafios. Existe também um grande déficit social, com muita pobreza e desigualdade em praticamente todos os Estados africanos.
Portanto, o encaminhamento dos problemas econômicos atuais e futuros do continente africano passam, necessariamente, pela política. E, embora tenhamos assistido a uma melhoria considerável em termos de avanços nas práticas democráticas, a maior parte dos países africanos ainda está muito aquém do desejável. A democracia é importante não apenas porque há uma tendência mundial em valorizá-la. Por meio dela e da criação de um espírito de "cidadania", as sociedades africanas poderão impor aos seus governantes maior compromisso do Estado com as respectivas sociedades, forçando-os a terem mais compromisso com suas populações e suas demandas mais prementes.
A democracia está estreitamente associada a melhores práticas governamentais e, embutido nela, a uma maior valorização dos direitos humanos. Não se quer afirmar aqui que a democracia consiga resolver tudo, nem mesmo que deva ser adotada no "modo" automático, como se existisse uma espécie de modelo universal. Muitas sociedades possuem características peculiares que devem ser levadas em conta na adoção da democracia como forma de governo. Aliás, esse é um tema um tanto complexo – e sinuoso –, haja vista que existe um pensamento radical para o qual, não importa a circunstância, a democracia deve ser adotada de qualquer jeito, a qualquer custo, e nem importa sobre qual democracia estamos falando. Esse pensamento radical geralmente não leva em consideração certas peculiaridades inerentes a determinadas formações sociais.
As lideranças africanas se encontram diante de um grande desafio. Aliás, não apenas as lideranças africanas, visto que o desafio da inclusão social é um desafio mundial. Na sociedade em que vivemos, cada vez mais tecnológica e com novos padrões comportamentais dela derivados, antigos problemas relacionados à inclusão social e, grosso modo, ao acesso ao trabalho e a uma vida digna parecem se acentuar.
A África é ainda um continente no qual a maior parte dos habitantes depende da agricultura e vive em zonas rurais, com uma agricultura baseada quase que na subsistência, de baixa produtividade. Além disso, a maior parte das pessoas que moram nas grandes cidades africanas vive no mundo do trabalho informal, o que significa um expressivo contingente humano vivendo de forma precária, sem amparo ou com mínimo amparo social do Estado. Essa situação só irá mudar com pesados investimentos em educação e maior responsabilidade social e política por parte dos líderes africanos. É uma tarefa difícil, um grande desafio, do qual depende o futuro do continente.
A ÁFRICA E A GEOPOLÍTICA GLOBAL
A África é percebida como um continente relativamente marginal na arena da geopolítica global recente. Embora a importância do continente para o mundo seja evidente por uma série de fatores que iremos explorar mais abaixo, ele não está no centro das atenções. Os principais focos da agenda internacional, em termos geopolíticos, concentram-se no Leste Europeu, nesse caso pela guerra na Ucrânia, que envolve, além da Ucrânia e da Rússia, Estados Unidos e Europa; e no continente asiático, principalmente com os desencontros entre China e Estados Unidos, além, naturalmente, de questões sensíveis e tensas relacionadas a outros países da região, como a Coreia do Norte, Taiwan e Japão, dentre outros.
Importante notar que, tanto em termos econômicos como geopolíticos, a África vem sendo objeto de atenção por parte de grandes e médias potências, pelo menos nos últimos dez anos. Como já dito, a China foi a primeira grande potência que implementou uma política africana consistente e com objetivos de longa duração, em vigor pelo menos desde o final dos anos 1990. Além da China, podemos observar uma renovada atenção dispensada ao continente africano por União Europeia, Estados Unidos e Rússia, além de outros países, mas com menos intensidade.
Nos últimos anos houve uma redução acentuada na questão dos conflitos africanos, sobretudo quando comparamos a realidade atual com aquela vivenciada ao longo da década de 1990. As guerras civis diminuíram, embora não tenham cessado completamente. Um dos aspectos que chama muito a atenção na África é a persistência de grupos radicais islâmicos que atuam em algumas regiões, principalmente na zona do Sahel, área de transição entre a África do Norte e a África Subsaariana, e no chamado Chifre da África. Essas são regiões que atraem a atenção de grandes potências, como Estados Unidos, Rússia e França.
China
A China é o principal destino das exportações africanas e foi, durante muito tempo, o maior investidor no continente. Sua política africana é ampla, continental. Possui algumas características que a diferenciam das outras grandes potências presentes no continente. Com uma economia exuberante e apresentando altos índices de crescimento, a China buscou realizar investimentos na África, conseguir uma aproximação diplomática positiva e obter recursos energéticos e matérias-primas estratégicas. Atuando durante um período em que outras potências haviam se distanciado da África, a China obteve sucesso com relação aos seus objetivos. Conseguiu alavancar as relações comerciais e se apresentar como alternativa para os países africanos, sobretudo com relação aos parceiros tradicionais. Um aspecto relevante nas relações entre a China e a África é que o país não condiciona seus investimentos e programas de cooperação a um melhor desempenho no campo dos direitos humanos e da democracia, uma postura que se diferencia daquela adotada pelas democracias ocidentais em seu relacionamento com países africanos. Dessa forma, os chineses, ao propagarem a tese da não interferência em assuntos domésticos de outros países, chamaram muito a atenção de vários líderes africanos.
Obviamente, o pragmatismo chinês foi também vantajoso para os africanos, mas até certo ponto. Um dos resultados mais notáveis dessa aproximação, além da criação de infraestrutura e da importação de vários produtos de origem africana, foi a criação de laços de dependência de países da África com a China, verificados, por exemplo, pelo alto endividamento. Os investimentos, como não poderiam deixar de ser, tiveram um preço. O que se observa é que, ao longo da última década, houve uma diminuição desses investimentos e certa estabilização nas relações sino-africanas. De toda forma, é inegável que, para os africanos, o mercado chinês permanece sendo de grande importância, e, para a China, a consolidação de sua posição no continente é um ativo diplomático relevante no contexto da política internacional.
Ou seja, a China conjuga economia e política em sua abordagem africana. Para os chineses, a influência política do país se justifica para obter melhores condições nas relações econômicas e comerciais, ao mesmo tempo que lhe permite utilizar essa relação para sua projeção internacional. Um dos resultados mais visíveis da aproximação entre China e África é o apoio que a maioria dos Estados africanos têm dado às demandas da China no âmbito das Nações Unidas (US-China Economic and Security Review Commission 2020).
Por último, vale notar que, gradativamente, a China está colocando o continente africano no horizonte de sua política de segurança global. A presença militar da China em alguns países africanos e os planos de cooperação na área de segurança têm aumentado de forma contínua. Os chineses contam com uma base no Djibuti, e há perspectiva, pelo menos por parte dos Estados Unidos, que desejam uma base no Atlântico Sul. Por ora, há três potenciais candidatos: Guiné-Equatorial, Angola e Namíbia (Miller 2022).
Rússia
A Rússia é outra potência que buscou aproximação com a África no final da década de 2010. Herdeira da antiga política africana da ex-União Soviética, a Rússia, em comparação com a China, possui uma capacidade muito limitada de influência. Por exemplo, não conta com recursos para grandes investimentos, e sua economia não a predispõe para grande incremento nas relações comerciais. Assim, os investimentos russos na África correspondem a menos de 1% dos investimentos externos diretos no continente. A ajuda internacional russa é meramente simbólica e se resume, basicamente, ao perdão de dívidas e contribuições relativamente modestas para crises humanitárias. No que tange ao comércio, em 2020, por exemplo, as trocas entre a Rússia e a África somaram apenas US$ 14 bilhões, ou seja, cerca de 2% do comércio total do continente africano, com um superávit absurdamente favorável para a Rússia, que exportou US$ 12,4 bilhões e importou apenas US$ 1,63 bilhão da África (Gopaldas 2023).
É de se notar que a Rússia é uma grande exportadora de armas para a África. Entre 2011 e 2021, 41% das importações de armas do continente africano foram provenientes da Rússia (Gopaldas 2023). Isso não é pouca coisa, ainda mais quando se trata de um continente tragicamente marcado por conflitos internos e guerras civis e no qual a maior parte da população carece de bens elementares para sua sobrevivência. Além da venda de armas, outro aspecto que marca a presença russa na África nos últimos anos é a atuação do grupo mercenário Wagner.
O grupo Wagner ficou mundialmente conhecido durante sua recente atuação na guerra da Ucrânia. Para se ter uma ideia da grandiosidade do grupo, o seu fundador e líder, Yevgeny Prigozhin, admitiu que na batalha por Bakhmut (na guerra na Ucrânia), cerca de 20 mil dos seus soldados morreram – número realmente elevado para uma empresa militar privada.
Até muito recentemente, o grupo possuía fortes ligações com o Kremlin, mas tudo está mudando rapidamente. Profundas divergências entre o líder do grupo Wagner e os comandantes militares russos, Sergei Shoigu e Valery Gerasimov, levaram a uma excepcional situação de crise militar na Rússia, em plena guerra com a Ucrânia. Os mercenários se voltaram contra as Forças Armadas russas e ameaçaram avançar em direção a Moscou, colocando em risco o poder de Vladimir Putin. O imbróglio militar resultou na total quebra de confiança entre o governo russo e o grupo Wagner, que, muito provavelmente, será reestruturado ou até mesmo eliminado.
Na África, o grupo atua em vários países, com destaque para a República Centro Africana, a Líbia e o Mali, muito embora existam evidências de sua presença em vários outros países, como Angola, República Democrática do Congo, Guiné, Guiné Bissau, Madagascar, Moçambique, Sudão e Zimbábue. Além de ser utilizado pela diplomacia russa, o grupo age movido por interesses privados, recebendo como pagamento por seus serviços concessões de mineração e produtos como petróleo, ouro, diamantes, bauxita, lítio, cromo, dentre outros (Gopaldas 2023).
Estados Unidos
Os Estados Unidos veem a presença da China e da Rússia na África como uma ameaça aos seus interesses políticos, econômicos e militares de médio e longo prazo. A maior preocupação dos Estados Unidos é com a China. Washington não conta com uma política africana tão ampla quanto a da China, por exemplo. A Rússia, além de já contar com uma influência limitada na África, muito provavelmente sairá da guerra na Ucrânia debilitada e com menos recursos financeiros e militares. Entretanto, e tendo justamente em mente que a presença da China pode ser uma ameaça mais concreta a seus interesses, os norte-americanos estão elaborando uma nova abordagem em seu relacionamento com os Estados africanos. Na verdade, o discurso norte-americano mudou muito pouco. Continua centrado nos valores tradicionalmente defendidos pelo país, como a promoção da democracia, livre mercado, direitos humanos, boa governança, combate à corrupção, dentre outros temas correlatos.
Os Estados Unidos encontram certa resistência por parte dos líderes africanos, que veem com desconfiança a atuação externa do país. A ideia subjacente é que, tradicionalmente, a abordagem dos Estados Unidos apresenta um viés autoritário, que condiciona o auxílio externo à aplicação de preceitos nem sempre aceitos. Aliás, essa é uma clara diferença da atuação dos Estados Unidos quando comparada à postura da China e da Rússia. Da mesma forma que os Estados Unidos enxergam a atuação desses dois países como “perigosa”, por conterem práticas autoritárias, russos e chineses costumam lembrar o passado colonialista e opressor do Ocidente contra povos africanos e asiáticos.
De toda forma, os Estados Unidos demonstram interesse na África por suas possibilidades econômicas e políticas. Uma questão que chamou muito a atenção dos Estados Unidos foi o comportamento de vários países africanos no âmbito das Nações Unidas com relação à guerra na Ucrânia e às questões da China. Considerados como grupo, os africanos representam 28% dos votos nas Nações Unidas, o que pode ser uma força política expressiva.
Muitos temas relacionados aos assuntos africanos, em termos de geopolítica, são de interesse direto dos países europeus. A segurança é um deles. A atuação de grupos radicais islâmicos e os conflitos nos países da zona do Sahel e no Norte da África impactam diretamente o continente europeu com o incremento do fluxo migratório. Além disso, existem questões históricas que vinculam a África à Europa, mas não apenas isso. Existem relações políticas, financeiras e econômicas expressivas entre a Europa e a África.
Europa
Um aspecto que vale destacar nas relações entre a Europa e a África é a importância de se observarem as relações entre os europeus no âmbito da União Europeia com a África e os interesses específicos de alguns países que mantêm uma política própria para a África. O caso mais notável é o da França, que possui influência singular com alguns dos seus antigos territórios coloniais.
É importante pontuar que a União Europeia segue sendo o principal parceiro comercial da África, e que o Reino Unido e a França permanecem sendo os maiores investidores no continente, superando a China. De toda maneira, o padrão das trocas comerciais entre os países africanos e a Europa é basicamente o mesmo com relação à China, qual seja: os países africanos basicamente exportam commodities e importam manufaturados.
As relações entre a União Europeia e a África possuem um conteúdo político muito forte. São dois continentes próximos, e questões históricas e de segurança internacional convergem. Quando se parte para uma análise prospectiva, considerando o boom demográfico em andamento no continente africano e sua proximidade com a Europa, essas questões despertam o interesse europeu em buscar uma relação mais cooperativa e estratégica com a África. Vale ainda destacar que, em termos de valores políticos e ideológicos, a Europa se aproxima dos Estados Unidos e se distancia das políticas chinesa e russa para o continente africano.
Enfim, os Estados africanos estão sintonizados com os principais temas da geopolítica mundial. Naturalmente que um continente com 54 países não possui uma única voz, nem tampouco uma única perspectiva sobre os assuntos internacionais. Mas é possível identificar um comportamento que, na média, aponta para uma compreensão da realidade internacional a partir de um ponto de vista próprio, ou seja, para os líderes africanos é possível e desejável a exploração das possibilidades que a agenda internacional proporciona para a consecução dos seus objetivos políticos e econômicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora não esteja no centro das atenções internacionais, a África não é um continente marginalizado, sem importância ou com pouca importância para as relações internacionais contemporâneas. Trata-se de um continente dinâmico, pautado pela diversidade em todos os campos. Possui riquezas expressivas que podem alavancar o seu desenvolvimento e levar prosperidade à sua população.
O desenvolvimento econômico e social dos Estados africanos demanda maior integração interna e externa. É preciso avançar nos processos de integração regionais existentes e ampliar suas conexões com o mundo exterior. No que tange aos aspectos políticos, os avanços da democracia e de práticas de boa governança devem continuar sendo perseguidos pelas lideranças africanas, para que os seus Estados se aproximem mais das suas respectivas sociedades, fortalecendo os vínculos e as identidades nacionais.
A África deve procurar dinamizar mais suas relações com outros países, ao mesmo tempo que deve fortalecer suas instituições nacionais. Sem abertura econômica e sem uma estrutura interna de governança mais estável e eficiente, dificilmente os países africanos conseguirão atrair mais investimentos e cooperação internacional, tão necessários para o seu desenvolvimento econômico e social. Os africanos podem ganhar muito com uma inserção internacional mais ativa, sobretudo quando consideramos seus recursos materiais e humanos. O investimento na África é um investimento no futuro.
Notas
[1] Segundo o IBGE, em 2050 o Brasil deverá ter algo em torno de 233 milhões de habitantes, ou seja, um pouco mais da metade da população esperada para a Nigéria que, em termos de tamanho, compara-se ao estado de Mato Grosso
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Recebido: 13 de junho de 2023
Aceito para publicação: 3 de junho de 2023
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