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Policy Papers

Política externa dos anos Dilma (2011-2016): um Brasil com influência global

Importante contribuição sobre o período ainda pouco revisitado

Resumo

Não existe um balanço pormenorizado da política externa brasileira (PEB) durante o  período em que Dilma Rousseff ocupou a presidência da República. Três embaixadores de carreira ocuparam o cargo de chanceler entre janeiro de 2011 e agosto de 2016: Antonio de Aguiar Patriota (do início do governo até agosto de 2013), Luiz Alberto Figueiredo Machado (de agosto de 2013 até dezembro de 2014) e Mauro Luiz Iecker Vieira (de janeiro de 2015 até o fim do governo). Como comenta Rubens Ricupero, o tempo há de mostrar que há mais do que geralmente se sabe sobre esse período.  Este artigo se propõe a ilustrar essa afirmação. 

Palavras-chave:

Dilma Rousseff; política externa brasileira; diplomacia; influência.
Fonte: Palácio do Planalto. Presidente Dilma Rousseff ao lado do presidente Barack Obama durante pronunciamento conjunto à imprensa, na Casa Branca. Foto: Roberto Stuckert Filho / PR.

O BRASIL SOB A PRESIDÊNCIA DILMA ROUSSEFF – DOIS TRIÊNIOS

Em se tratando de período recente da história da diplomacia brasileira, é relativamente escasso o material bibliográfico a respeito dos anos 2011 a 2016[1]. Vale citar O lulismo em crise de André Singer (2018), ex-porta-voz do presidente Lula; o livro do embaixador Rubens Ricupero (2017) sobre a Diplomacia na construção do Brasil; e os dois volumes de Discursos, artigos e entrevistas do período em que fui chanceler, publicados pela Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). A publicação de meus discursos, entrevistas e artigos constitui uma prática que inaugurei: são seiscentas páginas que ajudam a lançar luz sobre a ação diplomática do Brasil entre janeiro de 2011 e agosto de 2013 (Patriota 2013; 2016).  

Recordo, por outro lado, que a nova lei de acesso à informação, adotada no início da gestão Dilma, assegurou acesso mais amplo aos documentos produzidos pelo Itamaraty e pela administração pública em geral (Lei 12.527 de 2011). Além da redução de prazos de confidencialidade (ultrassecreto 25 anos; secreto 15; e reservado 5), a nova legislação estipula que não haverá restrição de acesso para informação relacionada a violações de direitos humanos cometidas por agentes públicos. 

O livro de André Singer divide o governo Dilma em duas fases. O autor analisa um triênio inicial, que se encerraria em meados de junho de 2013, no qual Dilma gozou de índices de popularidade superiores a 50%, e destaca seu ensaio desenvolvimentista e republicano como um “sonho rooseveltiano”, voltado para o fim da pobreza extrema e uma faxina ética na política. A segunda fase, após as manifestações de junho de 2013, que levaram às ruas mais de um milhão de pessoas, fez com que a aprovação da presidente caísse de 57% para 30%. A partir de então, os índices de popularidade não voltariam aos níveis mais altos, enquanto a Lava Jato e a recessão corroíam sua imagem. A presidente da primeira fase procurou, ainda segundo Singer, “acelerar o lulismo”, mas não teve base política para sustentar aquele esforço.  Seu resumo gráfico do governo como um todo, em poucas palavras: “dois passos adiante, zigue-zague e queda” (2018). 

Vale recordar que Dilma assume o poder após um ano em que a taxa de crescimento do PIB alcançou 7,5% – patamar não replicado até hoje. Também no campo econômico é possível identificar dois triênios: um primeiro em que a economia continua a crescer, embora a taxas menos elevadas (3,9%, 1,9% e 3%); e um segundo, de estagnação e recessão. Não obstante,  Ricupero observa que, apesar da recessão e do aumento do desemprego, não se perdeu o controle sobre a inflação e foram evitados estrangulamentos externos, valendo lembrar o nível elevado de reservas cambiais (acima de US$ 350 bilhões). Tampouco perdeu o Brasil, no triênio inicial, o grau de investimento conquistado em 2008. Ele foi retirado, contudo, pela Standard and Poor's 500 em setembro de 2015 e pelas demais agências de ratings de crédito em 2016. Desde 2018, a nota do Brasil está três níveis abaixo do grau de investimento.    

Em que pesem as circunstâncias econômicas acima descritas, Ricupero não deixa de registrar a redução da desigualdade e os progressos do governo Dilma em saúde, educação, meio ambiente, igualdade de gênero, combate ao preconceito, direitos dos afrodescendentes e dos indígenas.     

A divisão por Singer e Ricupero dos anos Dilma em dois triênios ajuda a simplificar a abordagem da política externa do período, já que minha gestão à frente do Itamaraty coincide aproximadamente com os três primeiros anos, estendendo-se de 1º de janeiro de 2011 a 29 de agosto de 2013. Sucede, por outro lado, que viria a ocupar o cargo de representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas (ONU) precisamente durante os três anos seguintes, ou seja, de outubro de 2013 a outubro de 2016 – período em que exerci minhas funções em plena sintonia com a visão dos três anos anteriores. Embora concentre minha apresentação no período inicial, incluirei algumas observações sobre essa segunda metade. 

Concluo este prólogo com a observação de Ricupero, no sentido de que “um balanço desapaixonado desses anos terá que esperar tempo para arrefecer animosidades e abrandar paixões”. Este texto se propõe como uma contribuição a um balanço equilibrado, a partir de fatos e depoimentos, tendo presente a perspectiva oferecida por etapas subsequentes de nossa história diplomática.     

QUEM É O NOVO CHANCELER?

Assinalo, de antemão, alguns fatos sobre minha própria trajetória profissional, com vistas à identificação de paralelos e contrastes com ministros que me antecederam e substituíram. Fui o primeiro chanceler, diplomata de carreira, a ter cursado o Instituto Rio Branco em Brasília. O primeiro a ter passado pelo crivo do Curso de Altos Estudos (CAE), com tese defendida em 1997 – O Conselho de Segurança após a Guerra do Golfo (Patriota 2010). O primeiro a ter servido tanto em Washington, como embaixador, quanto em Pequim, como primeiro secretário – as duas principais economias no mundo, quando fui chamado a exercer o cargo de ministro das Relações Exteriores.  

Trabalhei sob as ordens do embaixador Celso Amorim desde que servi como conselheiro na Missão Permanente do Brasil junto à ONU entre 1994 e 1999.  Fui seu ministro-conselheiro em Genebra nos três anos seguintes, primeiramente no trato de direitos humanos e depois como seu segundo junto à Organização Mundial do Comércio (OMC). Estivemos juntos no lançamento da Rodada de Doha, no Catar, em 2001. Durante o período em que Amorim foi ministro, exerci as funções de secretário de Planejamento Diplomático, chefe de Gabinete e secretário de Assuntos Políticos – responsável por Nações Unidas, América do Norte e Europa. Durante o segundo mandato Lula (2007-2010), fui designado embaixador em Washington. 

Apesar de não figurar entre os chanceleres mais jovens – assumi a chefia do Itamaraty com 56 anos, em 2011 –, minha designação não deixou de representar uma mudança geracional, na medida em que minha carreira diplomática se desenvolvera após o retorno da democracia ao Brasil. Com a aposentadoria do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães em outubro de 2009, fui chamado a substituí-lo no cargo de secretário-geral das Relações Exteriores durante o último ano da gestão de Celso Amorim como ministro.

CONTINUAR NÃO É REPETIR         

Como se pode depreender do resumo biográfico acima, o Itamaraty durante o período Dilma se posiciona claramente sob o signo da continuidade. Mas continuar não significa reproduzir de forma automática, sem modulações ou criatividade, a política anterior. Tomei emprestada a expressão “continuar não é repetir” de Ana Buarque de Hollanda, então ministra da Cultura, por sintetizar o espírito com que assumi minhas novas responsabilidades – conforme indicado na entrevista às páginas amarelas da revista Veja, em sua edição de 12 de janeiro de 2011 (reproduzido em MRE 2014). 

O Itamaraty durante o período Dilma se posiciona claramente sob o signo da continuidade. Mas continuar não significa reproduzir de forma automática, sem modulações ou criatividade, a política anterior. 

Assinalo pelo menos três aspectos que merecem ser levados em conta nesse contexto da continuidade sem repetição. Em primeiro lugar, ficou claro desde minha conversa inicial com ela na Granja do Torto, em dezembro de 2010, que a presidente eleita possuía uma visão pessoal e específica das relações internacionais, refletindo, entre outros, o fato de ser a primeira mulher a presidir o Brasil, sua luta pessoal pela democracia (vítima de tortura), sua experiência acadêmica e profissional (centrada em temas econômicos e de energia), suas leituras ecumênicas (tratando-se de leitora voraz), observados os mesmos valores humanistas da gestão anterior. 

Dentre os pontos que me transmitiu nessa primeira conversa, mencionaria o compromisso com a promoção dos direitos humanos e com a igualdade de gênero (a mudança de voto na condenação do Irã no Conselho de Direitos Humanos não tardaria) e sua preocupação em preservar e ampliar nossos esforços de integração na América do Sul, prevendo uma viagem à Argentina já no primeiro mês de sua gestão. Menciono também um certo ceticismo em relação às perspectivas da Rodada de Doha (e ela não estava equivocada), bem como o interesse em estabelecer relações de cooperação, comércio e intercâmbio científico e tecnológico com todos os polos do mundo multipolar emergente: o projeto Ciência sem Fronteiras já estava em gestação. Menciono, ao mesmo tempo, adesão entusiástica e integral às novas formas de concertação inter-regional do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (IBAS), dos BRICS, da Cúpula América do Sul-África (ASA), da Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), do G20 e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), além do engajamento com as Nações Unidas e a importância atribuída ao meio ambiente e à promoção da paz.

Em segundo lugar, continuar não era repetir porque o Brasil de 2011 não era o Brasil de 2003 ou 2007, quando tiveram início os dois governos que a precederam. Tampouco o cenário internacional era o mesmo – já que as circunstâncias internacionais são cambiantes por definição. No plano econômico, recordaria as reservas cambiais acumuladas, o grau de investimento conquistado e as elevadas taxas de crescimento com que se iniciava o novo governo. O país havia superado as vulnerabilidades associadas à dívida externa, passando de devedor a credor internacional. No plano social, os progressos eram notáveis, em função do êxito de programas como o Bolsa Família. 

Mudanças geopolíticas observadas na ordem internacional se refletiam no perfil de inserção externa do Brasil. A China se transformara em nosso principal parceiro comercial em 2009, deslocando os EUA de uma posição que ocuparam por um século. O comércio com a China passou de US$ 9 bilhões em 2005 a US$ 66 bilhões em 2015. O G20 suplantou o G7 como fórum de concertação econômica e financeira após a crise de 2008. O descrédito em que caiu a ação militar dos EUA e Reino Unido no Iraque sinalizava o esgotamento do chamado momento unipolar e o advento da multipolaridade.

Em terceiro lugar, continuar não era repetir porque o novo chanceler recebia um Itamaraty diferente, turbinado e renovado, com 400 novos terceiros-secretários e cerca de quarenta novas embaixadas no exterior. Em função de um programa que dirigi pessoalmente como secretário-geral, estabelecemos relações diplomáticas com todos os demais países-membros da ONU (sendo o último o arquipélago de Tonga no Pacífico, em fins de 2011), acreditando um representante brasileiro residente ou cumulativo junto a todos eles e também em Ramalá[2]: havíamos reconhecido, em dezembro de 2010, a Palestina como Estado. O propagado universalismo da política externa brasileira, que nos levara a estabelecer relações com a União Soviética nos anos 1960 e com a China em 1973, era levado às últimas consequências.

Em suma, na entrevista Continuar não é Repetir, eu lembrava que, no início do primeiro governo Lula, foi programada uma ida ao Fórum Econômico Mundial em Davos para “tranquilizar” os mercados e a elite empresarial mundial. Em janeiro de 2011, essa preocupação parecia recordação de um passado longínquo, enquanto um número recorde de representantes de outros governos comparecia à posse de Dilma Rousseff (47 países, sendo 23 representados por chefes de Estado). Não houve comitiva presidencial a Davos em 2011. A continuidade se projetava em um contexto qualitativo e quantitativamente diferente.      

UM PAÍS COM INFLUÊNCIA GLOBAL

O título proposto neste artigo para encapsular a política externa do governo Dilma se origina de uma experiência profissional pessoal. Quando embaixador em Washington, compareci a um café da manhã na embaixada do Chile, em 23 de março de 2007, no qual a então secretária de Estado Condoleezza Rice se dirigiu aos representantes latino-americanos acreditados junto à Casa Branca para um relato da viagem que o presidente George W. Bush acabara de realizar à região. Ao se referir ao Brasil, após descrever o memorando bilateral em biocombustíveis assinado em São Paulo pelos dois chefes de Estado como um “acontecimento de grande significado”, declarou que “o Brasil é um país de grande influência regional em vias de se tornar uma potência global”. A afirmação era sem precedente, levando-me a chamar a atenção de Brasília.

Como se sabe, um livro do ministro Celso Amorim que recolhe um conjunto de experiências diplomáticas de sua gestão foi publicado no Brasil em 2015 sob o título Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva. A tradução para o inglês, publicada em 2017, recebeu o título Acting Globally: Memoirs of Brazil’s Assertive Foreign Policy.          

Junto a uma opinião pública menos especializada, contudo, não se havia consolidado a percepção de que o Brasil se transformava em um país de influência global. Assim sendo, vale a pena recordar o episódio da conferência coletiva de imprensa na Casa Branca, por ocasião da visita de Dilma Rousseff aos Estados Unidos, em 30 de junho de 2015. Uma jornalista brasileira perguntou a Dilma como ela reconciliava a ideia de que o Brasil passava a se apresentar como um ator global, ao passo que os EUA viam o Brasil como um país de influência regional. Antes que ela pudesse responder, Obama se aproximou do microfone e deu a seguinte declaração, que transcrevo em parte (Cf. The  Obama White House 2015): “Nós não consideramos o Brasil uma potência regional e sim uma potência global. Se formos falar do principal fórum para a coordenação das maiores economias – o G20 – o Brasil possui uma voz central naquele ambiente (a major voice). As negociações que se desenvolverão em Paris sobre mudança do clima só poderão ser bem-sucedidas com a liderança do Brasil (...)”. E, vejam só que curioso – à luz da pandemia de Covid-19 –, ele continua dizendo que “no tocante a temas como a saúde global, sabemos que não teremos êxito, a menos que trabalhemos com o Brasil e outros países importantes (major countries)”. Finaliza dizendo que “se quisermos ter sucesso em matéria de mudança do clima e no combate ao terrorismo, ou na redução da pobreza ao redor do mundo, os grandes atores precisam participar do esforço. E consideramos o Brasil como um parceiro absolutamente indispensável nesses esforços”. 

O ministro, na ocasião, era Luiz Alberto Figueiredo. O encontro se realizava após o mal-estar causado pelas revelações de Edward Snowden, dando conta de espionagem em larga escala contra inúmeros líderes, inclusive a chefe de Estado do Brasil. Não obstante, Obama se preocupou em deixar claro para a jornalista brasileira que ela não estava entendendo bem como o mundo passara a perceber o status internacional do Brasil. 

Como se manifestava essa influência? Um estudo, publicado em 2020 pela Universidade de Austin (Texas) sob a coordenação do professor Robert Hutchings (2019) intitulado Modern Diplomacy in Practice, faz uma apresentação de dez, entre as maiores, chancelarias do mundo. Além dos P5 (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia), são objeto de capítulos individuais Alemanha, Brasil, Índia, Japão e Turquia. Os autores assinalam que, em contraste com potências que buscam projetar poder militar internacional e diferentemente do foco predominantemente econômico e comercial de países como Japão e Alemanha, o Brasil se projeta internacionalmente pela diplomacia, além da importância que elementos territoriais, populacionais e de relevância econômica possuem. 

De minha parte, postularia que a projeção global do Brasil pela diplomacia só passou a ser reconhecida e identificada como tal a partir do momento em que nossa política externa levou o universalismo ao pé da letra, passando a se interessar por todas as partes do mundo e a posicionar-se sobre todos os assuntos – de comércio, meio ambiente e direitos humanos à paz e segurança, além do próprio funcionamento do sistema internacional. Isso significou deixarmos para trás o temor, nas palavras do chanceler Saraiva Guerreiro (1979-1985), de que “não dispúnhamos de excedentes de poder”.  Os grandes autores dessa transição foram, sem dúvida, o presidente Lula e seu chanceler Celso Amorim. O governo Dilma, porém, até mesmo no difícil ano de 2015, foi capaz de sustentar essa imagem internacional, não apenas na opinião de seu ex-chanceler e embaixador na ONU, mas também na do presidente dos Estados Unidos.   

IMPULSO INICIAL 

Retomo a abordagem cronológica para situar um início de gestão particularmente eloquente na manifestação de prioridades de política externa. Nos quatro primeiros meses de seu mandato, Dilma vai à Argentina para encontro com Cristina Kirchner (31 de janeiro), recebe o presidente dos EUA Barack Obama (19 a 21 de março) e viaja à China (11 a 13 de abril) para visita bilateral a Pequim e participação na cúpula dos BRICS em Hainan, onde se reúne com os Chefes de Estado da Rússia, Índia e África do Sul – Dimitri Medvedev, Manmohan Singh e Jacob Zuma – marcando a primeira ocasião em que a África do Sul se associa aos demais quatro membros originais do grupo. 

Além de acompanhar a chefe de Estado em seus deslocamentos, visitei, no mesmo período, sete países sul-americanos, estive em Bruxelas para contatos com a União Europeia (UE), participei do Fórum Econômico Mundial em Davos e presidi reunião do Conselho de Segurança da ONU (CSNU) para um debate aberto, proposto pelo Brasil, sobre Paz e Desenvolvimento. De particular interesse era o fato de estarem representados no CSNU em 2011 as três democracias do IBAS e os cinco membros dos BRICS.   

Em poucos meses, ficou mapeado o engajamento da nova administração com nosso entorno sul-americano, com as lideranças estabelecidas e emergentes da multipolaridade, com o empresariado internacional, com o multilateralismo e com o desenvolvimento sustentável e a paz.

DIPLOMACIA BILATERAL E REGIONAL

Não enumerarei todas as iniciativas, viagens e encontros em Brasília com lideranças internacionais de que participou a presidente Dilma ou de que participei como chanceler. Procurarei ilustrar, contudo, como a diplomacia daquele período se mobilizou para ocupar um espaço ampliado de atuação, herdado da gestão anterior, pelas vias bilateral, regional e inter-regional.

Em 2011 vieram ao Brasil em visita oficial 16 chefes de Estado e 30 chanceleres. Em 2012 foram 18 chefes de Estado e 32 chanceleres. Em pouco mais de dois anos, a presidente da República realizou 30 visitas bilaterais e participou de 19 eventos multilaterais, além das cúpulas do G20, BRICS, IBAS, Mercosul, da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).  Em pouco mais de dois anos realizei 70 visitas bilaterais e participei de 40 conferências e eventos multilaterais, além de acompanhar a presidente em seus compromissos internacionais.

Esse novo padrão de interlocução nos permitiu desenvolver uma capacidade autônoma de análise, formular propostas e explorar possibilidades tanto em matéria econômica e comercial, quanto na cooperação científica e educacional, bem como no plano do diálogo político.

Em uma década em que o relacionamento com os países do Sul figurou como um dos elementos que mais singularizaram a ação internacional do Brasil, a criação de novas parcerias com o mundo em desenvolvimento dotou a diplomacia brasileira de projeção diferenciada junto a nossos vizinhos sul-americanos, a América Latina e o Caribe em sentido mais amplo, a África, o Oriente Médio, a Ásia e o Pacífico. Vale assinalar que a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) identificaram, na década passada, que o comércio internacional mais dinâmico era precisamente entre os países do Sul. 

A aproximação com os países do Sul, contudo, não se deu em detrimento do aprofundamento de parcerias com os países do Norte. As relações com Europa, EUA e demais países do G7 foram atualizadas, com a inclusão de novos temas na agenda e com ênfase em ciência e tecnologia, inovação e educação.

No plano regional, cito, entre os momentos e iniciativas mais importantes, o primeiro fórum empresarial à margem da cúpula do Mercosul, em dezembro de 2012, e minha participação nas reuniões especializadas sobre agricultura familiar, que também incluíam o Chile. A agenda cidadã e as cúpulas sociais do Mercosul adquiriram vida própria. O Mercosul ampliou suas fronteiras com o ingresso da Venezuela e a assinatura de Protocolo de Adesão pela Bolívia, além do status de membros associados por parte de Suriname e Guiana. UNASUL e CELAC reuniriam a intervalos regulares os chefes de Estado e Governo da América do Sul e da América Latina e Caribe. As relações com a Comunidade do Caribe (CARICOM) e o Sistema da Integração Centro-Americana (SICA) se intensificaram. Representei o Brasil na reunião da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) em El Salvador. Graças à qualidade da contribuição militar prestada à Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), o comando da força permaneceu em mãos brasileiras. Foram inúmeras as visitas presidenciais e ministeriais aos países da região, inclusive para cerimônias de posse de novos dirigentes. Recordo a visita da presidente Dilma ao Haiti em fevereiro de 2012, a convite do então presidente Michel Martelly, e a política solidária de concessão de vistos a haitianos em decorrência do terremoto de 2010, elogiada pelo Alto Comissariado para Refugiados da ONU (ACNUR). Os signatários do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) voltaram a se reunir, em nível ministerial, no Equador em 2013.       

Um evento que merece ser singularizado foi a Cúpula das Américas de Cartagena, em 14 e 15 de abril de 2012, quando os países latino-americanos e do Caribe, em uníssono, se posicionaram a favor da inclusão de Cuba nas cúpulas subsequentes. Como me fez entender a secretária de Estado Hillary Clinton em jantar que lhe ofereci em Brasília pouco depois, em 17 de abril, o presidente Obama não foi indiferente àquele consenso regional. Tivemos uma longa conversa que, segundo contatos em Washington, produziram algum impacto na alteração da posição norte-americana. Pouco antes de Obama e Raúl Castro anunciarem que teria início um processo de normalização de relações, em 17 de dezembro de 2014, minha colega norte-americana na ONU, Samantha Power, me telefonou às 7h da manhã para dar a notícia em primeira mão, com a observação de que “o Brasil contribuiu para que este dia chegasse”. Na Cúpula das Américas do Panamá, em abril de 2015, participaram Cuba e EUA. 

A respeito do relacionamento com a África, registro as viagens de Dilma Rousseff à cúpula da América do Sul-África (ASA) na Guiné Equatorial em novembro de 2011, e a Adis Abeba para o cinquentenário da União Africana (UA), em maio de 2013, além de suas visitas à África do Sul (bilateral e cúpula BRICS), Angola, Moçambique e Namíbia. Recordo a participação de Dilma, com os demais ex-presidentes brasileiros vivos, no funeral de Nelson Mandela em 15 de dezembro de 2013. Registro também a celebração do Ano Internacional dos Afrodescendentes, em 19 de novembro de 2011 em Salvador, na companhia dos presidentes de Cabo Verde e da Guiné.  

Não enumerarei todas as viagens que realizei à África ou todos os chanceleres africanos que recebi em Brasília. Recordo apenas que fui o primeiro chanceler brasileiro a visitar a Mauritânia, a Guiné (Guiné Conacri) e a Guiné Equatorial. Gostaria também de citar meu envolvimento com as celebrações do Dia da África, em 25 de maio de 2013, quando convidamos o grande músico do Zimbábue Oliver Tuku Mtukudzi e o virtuoso malinês de corá Toumani Diabaté, para um formidável concerto comemorativo em Brasília. Refiro-me a esse show por acreditar que ainda existe um desconhecimento injustificável da riqueza cultural africana no Brasil e por estar convencido de que a cultura desempenha um papel central na aproximação entre os povos, que merece ser plenamente valorizado pela diplomacia. Comento, enfim, que Brasília já era então a capital latino-americana com maior número de embaixadas africanas (cerca de 40).     

(...)ainda existe um desconhecimento injustificável da riqueza cultural africana no Brasil e [estou] convencido de que a cultura desempenha um papel central na aproximação entre os povos, que merece ser plenamente valorizado pela diplomacia.                 

China e Índia, parceiros estratégicos, figuraram com proeminência na agenda diplomática do período sob exame. O Plano Decenal abrangente, elaborado pela Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), foi adotado à margem da Rio+20 na presença do então primeiro-ministro Wen Jiabao.  Registro a visita presidencial a Nova Delhi em março de 2012, que incluiu participação nas cúpulas IBAS e BRICS. Em novembro de 2011 fui a Bali, na Indonésia, para dar início ao processo de adesão brasileira ao Tratado de Amizade e Cooperação com Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Visitei o Japão pouco após o incidente em Fukushima, para prestar solidariedade ao governo e povo japonês, e estive em visita oficial no Vietnã. Fui o primeiro chanceler brasileiro a visitar o Sri Lanka. Em agosto de 2011, participei da reunião de chanceleres do Fórum de Cooperação América Latina-Ásia do Leste (FOCALAL) em Buenos Aires.

A Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), realizada em Lima, em 2 de outubro de 2012, permitiu à presidente Dilma entrar em contato com diversas lideranças do mundo árabe. Em uma reunião bilateral particularmente informativa com o rei Abdullah, da Jordânia, foi proposto um diálogo aprofundado sobre temas de segurança. Para dar seguimento, fui recebido em Amã pelos responsáveis por temas de combate ao terrorismo e segurança, além de estar com o próprio rei.  Acompanhar o desenrolar da primavera árabe no Norte da África e Oriente Médio representou um desafio que exigiu atenção diferenciada. Uma reunião com os embaixadores brasileiros na região, em Istambul, contou com palestra do historiador e chanceler turco Ahmet Davutoglu. Subsequentemente ele me chamou para ser orador convidado, juntamente com meu colega Carl Bildt, da Suécia, na reunião anual de embaixadores turcos, em Izmir. Criamos um grupo trilateral informal – Brasil, Suécia e Turquia – que voltaria a se reunir em Nova York à margem da Assembleia Geral da ONU.

Estive no Cairo para reunião com o chanceler Nabil Elaraby e com o secretário-geral da Liga Árabe, Amre Moussa, pouco após a queda de Hosni Mubarak, no início de 2011. Visitei Israel e Palestina, onde fui recebido por meus homólogos e pelos chefes de Governo, Bibi Netanyahu e Mahmud Abbas, em outubro de 2012. Em torno do escritor e jornalista franco-libanês Amin Maalouf, organizamos em Brasília, em junho de 2012, o colóquio Lado a Lado, com participação de integrantes das comunidades de origem árabe e judaica do Brasil, pondo em prática uma sugestão do próprio Maalouf no sentido de que as diásporas se engajem, ao redor do mundo, em apoio à paz entre israelenses e palestinos, em demonstração de que o convívio construtivo é possível.   

Com a União Europeia, criamos iniciativas que aprofundaram as relações econômicas, de amizade e cooperação. Ainda como subsecretário de Assuntos Políticos durante a gestão Amorim, dera início aos esforços para o estabelecimento da parceria estratégica Brasil-União Europeia, que viria a se concretizar em 2007. Desde então, o comércio passaria de US$ 67 bilhões para US$ 100 bilhões em 2011. Em outubro de 2011, Dilma foi a Bruxelas para a cúpula com a presidência do Conselho e da Comissão da UE (Van Rompuy e Durão Barroso). Em janeiro de 2013, realizou-se no Chile a primeira cúpula CELAC-União Europeia sob o lema Aliança para um desenvolvimento sustentável: promovendo investimentos de qualidade social e ambiental. Em Santiago, na mesma ocasião, foram retomadas as negociações em nível ministerial com vistas à troca de ofertas entre o Mercosul e os europeus até o fim de 2013. O impulso para a retomada das negociações veio do Brasil, após consulta pública ao setor privado motivada pelo Itamaraty – que aos poucos, sob liderança do Planalto, superou objeções residuais.  

Haveria muito a dizer sobre o relacionamento com os EUA. Além dos contatos em nível presidencial, inaugurados com a vinda de Barack Obama ao Brasil em março de 2011, o vice-presidente Biden esteve mais de uma vez em Brasília, onde foi recebido por Dilma. Paralelamente, reuni-me diversas vezes com a minha homóloga norte-americana, Hillary Clinton. Naquele período, os EUA se converteram no maior receptor de estudantes brasileiros pelo programa Ciência sem Fronteiras e foi assinado o Tratado de Cooperação Econômica e Comercial (TECA), com ênfase em inovação. A criação do Fórum de Altos Executivos (CEO Forum) em 2007 representou um dos mais bem-sucedidos mecanismos de cooperação que o Brasil mantivera nesse âmbito. Foi também estabelecido um programa pioneiro de ação conjunta para o combate à discriminação racial. Em 2012, o comércio bilateral voltou aos níveis pré-crise, alcançando quase US$ 60 bilhões, acima dos resultados de 2008. Os dois presidentes se associaram na iniciativa Parceria para o Governo Aberto, e foi restabelecido o diálogo entre os Ministérios da Defesa (Amorim-Panetta), interrompido desde a denúncia do acordo militar bilateral em 1977. 

Em sua visita ao Brasil em abril de 2012, para a 3ª Reunião do Diálogo de Parceria Global, Hillary Clinton afirmou durante coletiva de imprensa no Itamaraty que “seria muito difícil imaginar um Conselho de Segurança no futuro que não inclua um país como o Brasil, com todo o progresso que vem realizando e o modelo que representa em matéria de uma democracia que progride e oferece oportunidades a seu povo”. Não poderia deixar de lembrar o jantar que o então embaixador nos EUA, Mauro Vieira, organizou, na residência em Washington, quando da visita de Dilma à Casa Branca em 9 de abril de 2012, ao qual compareceram, entre outros, Zbigniew Brzezinski, Madeleine Albright, Condoleezza Rice, David Rothkopf (editor da revista Foreign Policy). Tive a honra de moderar um debate que tocou em ampla gama de assuntos bilaterais e permitiu uma troca valiosa de impressões sobre o panorama mundial.  

Faço ainda breve referência ao Canadá, lembrando a visita ao Brasil do primeiro-ministro Stephen Harper, em agosto de 2011, quando foi estabelecido o Diálogo de Parceria Estratégica Brasil-Canadá. O mecanismo se reuniu duas vezes durante minha gestão em nível ministerial, a primeira em Ottawa, em outubro de 2012, e a segunda no Rio de Janeiro, em agosto de 2013. O Canadá recebeu quatro mil alunos no programa Ciência sem Fronteiras, e foram iniciadas conversas exploratórias sobre um acordo de livre comércio.

Recordo também as visitas presidenciais ao Reino Unido para os Jogos Olímpicos de 2012, à França, à Alemanha, a Portugal e à Espanha, além da participação da presidente Dilma na cerimônia de entronização do Papa Francisco. O Sumo Pontífice visitaria o Brasil para as Jornadas da Juventude do Rio de Janeiro em 2013. Menciono que, com o chanceler britânico William Hague, demos início às duas primeiras edições de um novo diálogo estratégico, que acaba de ser retomado pelos ministros Mauro Vieira e James Cleverly.   

Encerro essa listagem não exaustiva com menção à visita de Sergey Lavrov ao Rio de Janeiro, onde, após um jantar de trabalho de conversa abrangente, ouvi do chanceler russo comentários sobre a importância da inclusão do Brasil em um Conselho de Segurança ampliado.

Acrescento uma palavra sobre o apoio dado ao setor empresarial, com a realização de mais de 120 feiras no exterior e mais de 40 missões para atração de investimentos no Brasil. O comércio exterior brasileiro praticamente quadruplicou entre 2003 e 2012, enquanto o comércio mundial crescia menos de 140% no período.     

DIPLOMACIA MULTILATERAL

Desnecessário frisar o grau de compromisso com o multilateralismo demonstrado durante o governo Dilma, bastando recordar que o Brasil sediou, em junho de 2012, a maior e mais inclusiva conferência até então realizada sob a égide da ONU, a chamada Rio+20. Mais de 100 países foram representados no nível de chefe de Estado ou Governo. Compareceram mais de 400 ministros e foram emitidas 45 mil credenciais para ingresso no local da conferência ao longo de dez dias. Logramos produzir um consenso em torno do documento intitulado O futuro que queremos (INPE 2012), desafiando o ceticismo de muitos, já que o texto chegou ao Rio com apenas 40% de seu conteúdo aprovado. O então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, declararia à presidente da República que sem a liderança do Brasil a conferência teria fracassado. 

Desnecessário frisar o grau de compromisso com o multilateralismo demonstrado durante o governo Dilma, bastando recordar que o Brasil sediou, em junho de 2012, a maior e mais inclusiva conferência até então realizada sob a égide da ONU, a chamada Rio+20.

Enquanto a Rio-92 representou um ponto de chegada, com a finalização de textos de convenções sobre Clima e Biodiversidade em 1992, a Rio+20 foi um ponto de partida para a adoção, em 2015, da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e seus 17 Objetivos de aplicação universal. A preparação da conferência, levada a cabo em parceria com a ministra Izabella Teixeira do Meio Ambiente, envolveu todos os setores interessados da sociedade brasileira, constituindo um novo modelo de coordenação interna em face de um projeto internacional. Para os países em desenvolvimento foi especialmente importante consolidar a noção de que a erradicação da pobreza é essencial para se alcançar o desenvolvimento sustentável. Segundo alguns observadores, como o economista norte-americano Jeffrey Sachs, a Rio+20 representou um divisor de águas que substituiu o chamado Consenso de Washington por uma nova visão centrada na “sustentabilidade”, em que as variáveis sociais e ambientais se associam às da promoção do crescimento econômico, tido até então como objetivo único nos debates sobre desenvolvimento. 

A participação do Brasil no CSNU no biênio 2010-2011 foi marcada por iniciativas criativas, que revelaram uma capacidade, muitas vezes subestimada, de contribuirmos para a promoção da paz e da segurança internacionais, no plano normativo.

A participação do Brasil no CSNU no biênio 2010-2011 foi marcada por iniciativas criativas, que revelaram uma capacidade, muitas vezes subestimada, de contribuirmos para a promoção da paz e da segurança internacionais, no plano normativo. No que se refere ao ano de 2011, logo após assumir a pasta das Relações Exteriores, tocou-me orientar nossa delegação junto à ONU com respeito a situações de instabilidade no mundo árabe, como no caso da Líbia. Em linha com a preocupação brasileira com os efeitos nocivos de intervenções militares, nos abstivemos em relação à Resolução 1973 (2011), em que os EUA buscaram autorização para recorrer a “todos os meios necessários” – eufemismo para uso da força – alegadamente para proteger civis na região de Benghazi. Acompanharam-nos, na abstenção, Alemanha, China, Índia e Rússia. A África do Sul, embora tenha votado a favor, expressaria pouco depois seu arrependimento. A realidade é que a OTAN interpretou unilateralmente os dispositivos da resolução, ao se considerar autorizada a derrubar o regime Gaddafi. Não obstante o caráter ditatorial que distinguia o regime, aquela ação desencadeou uma década de instabilidade profunda que suscitou, como a invasão do Iraque em 2003, sérias dúvidas sobre seus fundamentos jurídicos, políticos e  morais. Por iniciativa do Brasil, foi posta em debate a questão de intervenções militares geradoras de mais destruição, sofrimento e instabilidade do que o status quo ante. Foi com base na noção de que a primeira obrigação da comunidade internacional é a de não causar maiores problemas do que é chamada a solucionar, que circulamos, em novembro de 2011, um texto no CSNU sobre a necessidade de se observar uma “Responsabilidade ao Proteger” civis em situações de conflito. Os contornos da ideia haviam sido enunciados pela presidente Dilma no discurso de abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU dois meses antes.  

Esse texto é hoje leitura recomendada no currículo de várias faculdades no Brasil e no exterior, inclusive na Universidade Americana do Cairo, onde pude comprovar pessoalmente que os alunos de relações internacionais o estudam com um interesse mais do que acadêmico, tendo em vista as implicações do caos líbio para a segurança egípcia. Ainda sobre a repercussão da proposta brasileira no meio acadêmico, recomendo a leitura do artigo da professora Cristina Stefan (2017), da Universidade de Leeds, On Non-Western Norm Shapers: Brazil and the Responsibility While Protecting. Comento também que o professor Michael Doyle, da Universidade de Columbia, organizou um seminário em torno da iniciativa em 2015. Em 2018, organizei reunião na sede da embaixada do Brasil em Roma, na qual a ex-chanceler da Argentina e ex-chefe de gabinete do secretário-geral da ONU Susana Malcorra declararia que considerava “exemplar” o posicionamento do Brasil sobre a Líbia em 2011.  Como integrante do “grupo de amigos do Presidente da 72ª Assembléia Geral das Nações Unidas” (o então chanceler da Eslováquia Miroslav Lajcak) recebi seus membros para duas reuniões de coordenação, na Piazza Navona. O grupo incluía, entre outros, o prêmio Nobel da Paz Ramos Horta, a ex-diretora-geral da UNESCO Irina Bokova, os ex-chanceleres Nabil Fahmy do Egito e Marty Natalegawa da Indonésia e o economista norte-americano Jeffrey Sachs.

Ainda no campo da promoção da paz e da segurança internacionais, considero relevante o fato de ter sido o primeiro chanceler brasileiro convidado a participar da Conferência de Munique sobre Segurança, em fevereiro de 2013. Desde então o Brasil só voltou a comparecer a esse prestigiado evento da agenda internacional em 2023, quando dele participou o ministro Vieira.      

Registro, enfim, o fato de que durante minha gestão vencemos todas as eleições para os postos internacionais que disputamos, notadamente para a Organização Mundial do Comércio (OMC), com Roberto Azevêdo; a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), com José Graziano; a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com Paulo Vannuchi; além da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização Internacional do Café, entre outras.  

A eleição para a OMC não teria sido possível sem uma década de participação proativa na organização – desde a criação do G20 agrícola por Celso Amorim, que substituiu o anacrônico “Quad” (EUA, UE, Canadá e Japão), passando pela experiência adquirida com o sistema de solução de controvérsias (legado de Celso Lafer, que instituiu uma unidade no Ministério das Relações Exteriores especializada na formação de diplomatas para lidar com contenciosos) até o engajamento na promoção da Rodada de Doha, cuja finalização tornou-se improvável após a crise econômica de 2008, como anteviu Dilma. 

A eleição para a FAO pôs a serviço de um público amplo as experiências da política Fome Zero no Brasil, demonstrando que o país tem contribuição concreta a dar aos menos favorecidos, no espírito do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 2 sobre a erradicação da fome.                                                          

CRISES E DESAFIOS

Nenhuma gestão está ao abrigo de lidar com crises e desafios não previstos. Fui chamado a lidar com pelo menos cinco situações problemáticas, algumas das quais categorizaria como evitáveis e outras como crises cujo surgimento fugiam a qualquer controle.

A primeira foi herdada do governo anterior, quando foi concedido status de refugiado ao cidadão italiano Cesare Battisti. Considerado na Itália um criminoso comum pela virtual totalidade do espectro político, Battisti se transformou em pedra no sapato no relacionamento com um de nossos principais parceiros europeus. Quando ainda secretário-geral, compareci a Roma para a celebração dos 150 anos da unificação italiana, quando ouvi do presidente Giorgio Napolitano queixas amargas sobre a atitude brasileira. Durante minha gestão como ministro, designei o secretário-geral Ruy Nogueira para se ocupar do tema, tarefa à qual se dedicou com sua reconhecida competência. Ainda assim, os italianos ameaçaram levar o caso à Corte Internacional de Justiça. Tive duas difíceis reuniões com meu homólogo italiano Franco Frattini. Conseguimos evitar uma escalada de tensões mediante a obtenção do compromisso de Battisti de não se dirigir mais à imprensa brasileira. Com a prisão de Battisti na Bolívia e seu retorno à Itália, superamos um problema que teria sido evitável se o Brasil tivesse compreendido a sensibilidade do caso para a opinião pública italiana como um todo. Vale mencionar que o Itamaraty não fora consultado na época, e entendo que teria sido contrário à concessão de status de refugiado. Em viagem a Roma em 2022, Lula apresentou suas desculpas a Napolitano, encerrando o episódio.            

Enfrentamos uma crise com a Organização dos Estados Americanos (OEA), quando em 1o de abril de 2011 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) outorgou medidas cautelares a favor dos membros das comunidades indígenas do Xingu, sob alegação de que a integridade dos peticionários estaria em risco em função do impacto da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. A moção era no sentido de solicitar ao governo brasileiro que suspendesse o processo de construção da usina. O Itamaraty recebeu prazo de quinze dias para informar a OEA sobre o cumprimento da determinação. No plano interno, as medidas cautelares ensejaram a criação de um comitê interministerial/força-tarefa de acompanhamento das obras. Em julho de 2012, tendo em vista os esforços brasileiros, a CIDH alterou as medidas e eliminou o pedido de suspensão da obra – mantendo apenas recomendações referentes à saúde das comunidades indígenas e à regulação fundiária da região. Em função da atitude da Comissão, o Brasil passou a liderar um esforço de reforma do sistema interamericano de direitos humanos. A crise expôs a curiosa situação de representação sem taxação – para usar um termo associado ao colonialismo britânico nos EUA – em que a composição da CIDH admite a participação de membros que não ratificaram as convenções interamericanas. Embora não possuam as mesmas obrigações que os ratificantes, são autorizados a julgar o cumprimento das normas por países que as ratificaram. Vale notar que a reação brasileira não impediu que fosse eleito para integrar a CIDH o ex-secretário nacional de Direitos Humanos Paulo  Vannuchi, ou que um brasileiro fosse eleito para presidir a Corte Interamericana sediada em São José.

Enquanto o Brasil presidia a Rio+20, em junho de 2012, no vizinho Paraguai teve início um processo de impeachment contra o presidente Fernando Lugo, que despertou séria preocupação junto aos demais membros da UNASUL e Mercosul em função da escassa oportunidade oferecida ao chefe de Estado para se defender e por seu cronograma acelerado. Um avião da FAB foi colocado à disposição da delegação de oito chanceleres sul-americanos (Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela, além de Brasil), que se deslocaram a Assunção para avaliar a situação in loco. Após contatos com o próprio Lugo e parlamentares de diferentes orientações políticas, o consenso da missão foi no sentido de julgar o procedimento de impeachment incompatível com as cláusulas democráticas de ambos agrupamentos. A suspensão paraguaia do Mercosul acarretou apenas a não participação em órgãos e reuniões, sem afetar os benefícios econômicos. O Paraguai continuou a participar da cúpula social. A suspensão seria levantada um ano depois, com a eleição de Horacio Cartes para a presidência paraguaia, a cuja posse compareceu a presidente Dilma.

A quarta situação que registro, nesse contexto, foi o caso de espionagem envolvendo a National Security Agency (NSA) norte-americana. Eu me encontrava em Paraty para a Feira Literária Internacional (FLIP), em agosto de 2013, quando surgiram na imprensa as revelações do norte-americano Edward Snowden sobre espionagem da NSA contra numerosos países, inclusive o Brasil. Sob instruções presidenciais, convoquei a imprensa para manifestar inconformidade e exigir explicações de Washington. Desde o início, pareceu-me que a matéria deveria ser objeto de uma moção na Assembleia Geral da ONU em defesa do direito à privacidade. Ante a insuficiência das explicações recebidas do embaixador norte-americano em Brasília, foi organizada missão a Washington para consultas com os setores competentes. O livro No Place to Hide, do jornalista Glenn Greenwald (2014), a respeito das atividades da NSA traz informações relevantes sobre aquele episódio. Por outro lado, a obra do titular do Departamento de Segurança Interna dos EUA, James Clapper (2018), intitulada Facts and Fears, contém pelo menos um erro factual, ao afirmar que eu chefiei a missão a Washington em busca de esclarecimentos. Quem chefiou a delegação brasileira foi o embaixador Guilherme Patriota, titular alterno da Assessoria Diplomática da Presidência da República. Pouco depois, recebi, em Brasília, o secretário de Estado John Kerry. Em entrevista à imprensa deixei claro que as alegações de espionagem, caso comprovadas, corriam o risco de projetar uma sombra de desconfiança sobre o relacionamento bilateral. Kerry procurou minimizar o dano. O desconforto perdurou, contudo, e levou ao adiamento de uma segunda visita de Dilma a Washington. As explicações dadas nunca foram inteiramente convincentes, e o Brasil resolveu levar adiante um projeto de resolução na ONU, em parceria com a Alemanha, que – apesar das resistências do chamado grupo dos Cinco Olhos (Five Eyes)[3] – acabou por ser aprovado por consenso pela Assembleia Geral, possibilitando a nomeação de um relator especial sobre o direito à privacidade na era digital no Conselho de Direitos Humanos. 

Por fim, o caso do senador boliviano Roger Molina representa, a meu ver, um bom exemplo de crise evitável. Em 2013, a Bolívia foi o país sul-americano que mais cresceu. Os relatórios do FMI registravam a estabilidade macroeconômica e os benefícios sociais das políticas governamentais, havendo a renda per capita triplicado em sete anos.  A relação com o Brasil passara por percalços, mas não justificava uma aproximação descuidada com personalidades da oposição. Sem entrar no mérito das motivações de diplomatas lotados na embaixada em La Paz, é indiscutível que a viagem por terra daquela capital à fronteira com o Brasil, levada a cabo por iniciativa individual do encarregado de negócios em companhia de Molina – sem pedido de instruções à Secretaria de Estado – constituiu um caso de abandono não autorizado de posto. Como responsável pela ordem hierárquica no Itamaraty, assumi a responsabilidade institucional que me cabia, ao relatar o ocorrido à presidente Dilma. Dois dias mais tarde fui informado de que seria designado representante permanente junto às Nações Unidas. Após a instauração de um processo administrativo, o diplomata em questão foi punido com suspensão de um mês. Não lamento o incidente por razões pessoais, pois abracei com entusiasmo minhas novas funções em Nova York. Deploro, contudo, o desgaste desnecessário causado, na época, às relações com o país vizinho.    

INFLUÊNCIA GLOBAL NO SISTEMA MULTILATERAL     

Refiro-me brevemente ao segundo triênio da presidência Dilma, a partir do ângulo proporcionado por minhas atividades como embaixador na ONU entre 2013 e 2016. Tal como indicado nos comentários iniciais, trata-se de um triênio de queda de popularidade, recessão, Lava Jato e impeachment. Nada disso, contudo, impediu que o Brasil se posicionasse nas Nações Unidas como um ator de influência sobre os chamados três pilares de atuação da organização, a saber, paz e segurança, desenvolvimento sustentável e direitos humanos. 

A começar pelo tema da paz e segurança internacionais, comento que o Brasil manteve a prática de se pronunciar em todos os debates abertos do Conselho de Segurança, mesmo sem integrá-lo. Assumi a presidência da Comissão da Construção da Paz (PBC) – órgão criado em decorrência de proposta do secretário-geral Kofi Annan – durante o ano de 2014, período de consolidação do papel da Comissão na chamada arquitetura da paz onusiana. Como costumo dizer, se o CSNU é a unidade de terapia intensiva para as crises e tensões que ameaçam a paz internacional, a PBC pode ser equiparada a um centro de reabilitação para os casos levados à sua atenção. Acompanhamos de perto a evolução em Guiné-Bissau, Serra Leoa, Libéria, Guiné e República Centro-Africana. Segundo depoimentos que me chegaram do Secretariado, a presidência brasileira ajudou a criar um perfil mais atuante para um órgão visto com certa desconfiança pelos P5 e ainda em fase experimental de funcionamento.  

Na esfera do desenvolvimento sustentável, o Brasil ajudou a viabilizar a Agenda 2030 e seus ODS, em linha com os resultados da Conferência Rio+20, fundamentados na tríade econômica, social e ambiental. Além de havermos, com apoio da América Latina, militado pela inclusão de um Objetivo sobre a Desigualdade (o ODS número 10, hoje considerado um tema incontornável no G20 e em Davos), tivemos uma participação especialmente destacada na negociação do ODS 16 sobre sociedades pacíficas. Uma monografia apresentada ao Instituto de Estudos de Graduação em Genebra por Lucas Dias Rodrigues dos Santos (2022) aborda em algum detalhe a contribuição brasileira. Bastaria dizer que evitamos introduzir um quarto pilar securitário no conceito de desenvolvimento sustentável, como pretendiam alguns países ocidentais. Com base em uma argumentação apoiada pela sociedade civil, fomos bem-sucedidos em neutralizar as tentativas de fazer com que uma agenda de aplicação universal fosse passível de tratamento pelo Conselho de Segurança, voltado para o que ocorre apenas no mundo em desenvolvimento, com viés seletivo.   

No campo dos direitos humanos, logramos produzir uma reação multilateral às alegações de espionagem que haviam estremecido as relações entre os EUA e países aliados e amigos. O fato de havermos trabalhado de maneira estreitamente coordenada com a Alemanha reflete a vocação brasileira para a articulação de iniciativas com países do Norte e do Sul na promoção de direitos humanos. Em mais de uma ocasião, Alemanha e Brasil foram pressionados para abandonar aqueles esforços. A adoção por consenso de resolução sobre o tema demonstrou que a causa era de interesse geral e envolvia princípios e valores não negociáveis.   

Ainda na esfera de direitos humanos e sociais, refiro-me à presidência brasileira da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), cargo que ocupei no biênio 2016 e 2017 e mantive, portanto, ainda como embaixador em Roma. A Comissão, naquele período, logrou superar divergências profundas entre delegações conservadoras e progressistas. Graças a uma assessoria altamente qualificada de diplomatas brasileiras e representantes da sociedade civil, construímos consensos sobre a promoção da igualdade de gênero no contexto do desenvolvimento sustentável e do mercado de trabalho, introduzindo temas novos na agenda da CSW, como o da situação da mulher indígena. Como primeiro diplomata brasileiro a presidir a Comissão, dedico os demorados aplausos que recebemos ao final de nosso mandato a toda aquela equipe e a Tania, minha mulher, que, ao longo de seus 25 anos trabalhando para o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), transmitiu-me conhecimentos valiosos sobre a desigualdade de gênero.    

CONCLUSÃO 

Entre 2011 e 2016, o Brasil soube colocar uma recém-conquistada e amplamente reconhecida influência global a serviço da continuidade de uma política externa bem-sucedida, sem se resignar a ser repetitivo – na realidade, continuando a ser criativo. Desenvolveu ações com parceiros em todas as regiões do mundo, inclusive mediante novos mecanismos inter-regionais. Deu contribuição pela via multilateral a grandes temas em pauta – do desenvolvimento sustentável à segurança alimentar e ao comércio internacional.   

No campo da promoção da paz e segurança internacionais, não nos resignamos a fornecer tropas e comandantes para operações de paz, mas participamos da elaboração de normas e conceitos em temas complexos como o da proteção de civis em situações de conflito. Uma concepção própria do mundo em gestação foi defendida, com base no conceito de “multipolaridade da cooperação”, a partir de uma lógica que acredito haver preservado a essência de sua rationale. Um artigo a respeito do tema foi publicado pelo CEBRI em inglês, sob o título Is the World Ready for Cooperative Multipolarity? (Patriota 2018).

Uma apresentação completa do segundo triênio exigiria a participação de meus dois sucessores à frente do Itamaraty, os embaixadores Luiz Alberto Figueiredo Machado e Mauro Vieira – este último hoje reinvestido no cargo que assumiu com redobrada energia. Um balanço de realizações dos primeiros trinta e dois meses se encontra resumido nos dois discursos de transferência de cargo, no Planalto e no Itamaraty, com que me despedi de Brasília em fins de agosto de 2013 (ver Patriota 2018). A conversa da presidente Dilma Rousseff com a professora Maria Regina Soares de Lima no contexto do curso História da Diplomacia Brasileira, realizado pelo CEBRI em 2021[4], foi uma oportunidade única de ouvir a presidente sobre essa e outras questões. Serei sempre grato à presidente Dilma pelas oportunidades excepcionais que me conferiu para servir ao Brasil, tanto no Itamaraty em Brasília, como junto à ONU, em Nova York. 

Do meu ponto de observação, conseguimos consolidar e até mesmo ampliar a influência global ao longo do primeiro triênio. No segundo, as circunstâncias se tornaram mais desafiadoras. Mas, no sistema ONU, foi possível preservar uma voz universalmente ouvida e acompanhada com interesse e respeito. 

Ainda assim, é penoso reconhecer que os progressos não são irreversíveis e que alguns objetivos continuam a nos escapar. Nos últimos quatro anos a integração latino-americana sofreu graves retrocessos, enquanto reduzimos nossa presença diplomática no Caribe e na África, em demonstração de uma retração generalizada de ambição. Mudamos o voto em uma série de resoluções das Nações Unidas, em contradição com padrões estabelecidos por sucessivas administrações. Não conseguimos finalizar o processo de aproximação com a União Europeia, por meio de um acordo de associação que tanto sentido estratégico faz e parece gozar de consenso nacional. Ainda não reformamos o Conselho de Segurança, mas podemos celebrar, ao menos, a eleição para mais um biênio (2022-2023), mantendo nosso status, junto ao Japão, como os dois mais assíduos membros não permanentes desde a criação do órgão. 

Tive a honra de presenciar um primeiro episódio de reconstrução de nossa política externa, quando recebi o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em Sharm el Sheikh, em novembro do ano passado, para participar, a convite do governo egípcio, da 27a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. Ao ouvi-lo discursar, tive a certeza de que a influência global conquistada no início do milênio não desaparecerá e que as sementes plantadas eram férteis e voltarão a florescer.

Finalizo com uma palavra em homenagem às personalidades que mais me inspiraram, com suas indeléveis contribuições à política externa brasileira. Impossível deixar de citar o Barão do Rio Branco, cujo centenário de morte celebramos em 2011, que soube nos posicionar de forma tão inteligente em nossa região, reagindo com sentido histórico à última grande mudança geopolítica de especial impacto para o Brasil: a ultrapassagem, pelos Estados Unidos, do Reino Unido como principal potência econômica. Menciono também San Tiago Dantas, cujo centenário de nascimento celebramos igualmente em 2011 – defensor do universalismo de nossa política externa. San Tiago falava, com eloquência e lirismo, de nossa responsabilidade na promoção da paz e da civilização humana. Posição central ocupa o mais longevo dos chanceleres brasileiros, ex-ministro da Defesa e atual assessor especial da Presidência, Celso Amorim, como o grande idealizador e principal executor da política externa que nos conferiu influência global. Recordo igualmente Vera Pedrosa, de quem fui alterno na assessoria diplomática do presidente Itamar Franco, cuja cultura e sensibilidade se traduziam em firmeza e coragem na defesa do interesse nacional. E Sérgio Vieira de Mello, com quem trabalhei em Nova York nos anos 1990, e a quem homenageamos dez anos após sua trágica morte no Iraque, com um seminário no Jardim Botânico do Rio de Janeiro em agosto de 2013. 

Sérgio nos ensina que um país, para ter influência global, não pode se interessar apenas pelas relações com seu entorno imediato e com os grandes centros de poder mundial. Precisa ser sensível às carências dos menos favorecidos e às agendas válidas de todos os membros da comunidade internacional. Ele permanece uma inspiração para todos aqueles que acreditam na possibilidade de uma frente internacional humanista, respeitosa do Direito Internacional, comprometida com o diálogo e com a diplomacia, em favor do desenvolvimento sustentável e da paz.

Notas

[1] Existem alguns outros artigos acadêmicos sobre a PE do governo Dilma: Saraiva (2014); Cornetet (2014); Saraiva & Bom Gomes (2016).

[2] Palestina e Santa Sé não são membros plenos da ONU, mas membros observadores.

[3] Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido.

[4] Uma versão preliminar deste texto foi apresentada oralmente neste mesmo curso.

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Recebido: 24 de outubro de 2022

Aceito para publicação: 11 de maio de 2023

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