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Seção Especial

Para onde vão os BRICS na transição de baixo carbono?

Trajetórias de perfis de emissões e de políticas públicas e externas para sua redução

Resumo

O artigo explora a trajetória dos BRICS em relação à descarbonização, ou transição de baixo carbono. A agenda emerge com as evidências científicas da mudança do clima e da necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para conter os eventos climáticos extremos e o aumento da temperatura média do planeta, que colocam em risco a vida na Terra. Os BRICS não são uma coalizão consistente na política climática internacional. Para demonstrar a trajetória de cada país, o artigo combina o perfil de emissões dos BRICS, suas principais políticas públicas para redução de emissões e posicionamentos de política externa.

Palavras-chave:

BRICS; descarbonização; mudança do clima; política internacional.
Imagem: Shutterstock.

Desde 1992, os países vêm negociando para reduzir a concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, para mitigar a ameaça existencial que emerge para a humanidade com a mudança do clima. Não houve progresso: a concentração continua aumentando, tendo atingido 415,78 partes por milhão em outubro de 2022 (NOAA 2022). Consequência dela, eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes e intensos. Cientistas vêm alertando que, se a concentração ultrapassar 450 partes por milhão, a gravidade das mudanças causará profundos impactos sobre a vida na Terra.

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul estão entre os maiores emissores de carbono. Os quatro primeiros são, juntamente com Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Japão, Indonésia e Coreia do Sul, potências climáticas – países com emissões relevantes de GEE no total global, bem como com capacidade humana e tecnológica para implementar a descarbonização. Entender o compromisso desses países com a agenda climática é essencial para analisar as perspectivas de mitigação da mudança do clima. Desde 2015, com o Acordo de Paris, cada país indica suas metas de redução de GEE, com obrigação de aumentar a ambição periodicamente. Nesse novo modelo, analisar o compromisso com o clima requer ir além de análise de política externa, para entender as dinâmicas da política doméstica dos países.

Desde 2015, com o Acordo de Paris, cada país indica suas metas de redução de GEE, com obrigação de aumentar a ambição periodicamente. Nesse novo modelo, analisar o compromisso com o clima requer ir além de análise de política externa, para entender as dinâmicas da política doméstica dos países.

Este artigo contribui para esse debate oferecendo uma análise das dinâmicas da descarbonização nos BRICS. O acrônimo BRIC foi criado em 2001 por um economista que previu que o crescimento econômico global seria impulsionado menos pelo crescimento de economias industrializadas e mais pelo de economias emergentes, com destaque a quatro: Brasil, Rússia, Índia e China. O acrônimo foi visto com simpatia pelos países. Em 2006, os países deram início ao diálogo de alto nível, em reunião paralela ao encontro anual da Assembleia Geral das Nações Unidas, e em 2009, com a primeira Cúpula dos BRIC, passaram a se reunir formalmente. Em 2011, a África do Sul ingressa, e os BRIC tornam-se BRICS.

Os BRICS são um fórum de países bastante diferentes entre si – em relação a recursos de poder militar, econômico, soft power –, mas que, no contexto de sua criação, tinham uma agenda comum: que seu papel mais relevante na economia global, dadas as taxas de crescimento econômico, fosse acompanhado por uma reforma das instituições internacionais que lhes assegurasse maior influência em política internacional. Nos vinte anos desde sua criação, além das diferenças entre os países, a conjuntura internacional passou por diversas mudanças – crise financeira internacional, ascensão da direita autoritária, aceleração de problemas globais como a mudança climática, pandemia Covid-19 – que, em conjunto com fatores de política doméstica, afetaram a consistência da atuação conjunta dos BRICS. No regime internacional do clima, quatro dos BRICS formaram a coalizão BASIC. A Rússia não ingressou porque tem posicionamentos e trajetória peculiares, dificultando posicionamentos conjuntos com os BASIC: é parte do Anexo I da Convenção do Clima, portanto tinha metas de redução obrigatória de emissões desde o Protocolo de Quioto, e segue muito forte na Rússia o negacionismo climático.

A transição para o baixo carbono é um aspecto fundamental da conjuntura global atual. É muito mais ampla do que as negociações no regime internacional do clima: envolve mudanças em padrões de produção, de consumo, de instituições e de comportamentos para reduzir estruturalmente emissões de GEE. Avaliar sua implementação, portanto, depende do contexto, do perfil de emissões e das estruturas econômicas, políticas e sociais de cada país. Nesse sentido, ainda que falte consistência à coalizão BRICS, seus membros seguem representando uma categoria de países que influenciam a realidade empírica. Por esse motivo, o artigo opta por tratar dos BRICS na transição global para o baixo carbono, não por defender ou avaliar sua atuação como coalizão, mas para detalhar como esses países – que têm diferentes, mas relevantes recursos de poder; são heterogêneos entre si; têm importantes inflexões nas suas trajetórias; e cuja atuação influencia a governança global – têm avançado, tanto nas dinâmicas de política doméstica como nas posições no regime internacional climático, na transição de baixo carbono.

O artigo segue em três partes: primeiro, traçando o perfil das emissões de cada um dos países; segundo, descrevendo a trajetória das principais políticas públicas e da economia política de descarbonização nos principais setores emissores; terceiro, analisando o impacto de três conjunturas críticas recentes na política internacional nas dinâmicas de descarbonização dos BRICS – o aumento das tensões nas relações entre Estados Unidos e China, que muitos analistas denominam Guerra Fria 2.0; a pandemia Covid-19; e a guerra na Ucrânia. O artigo esclarece por que os BRICS não são uma coalizão uniforme na agenda climática internacional e quais as perspectivas reais de avanço da agenda de descarbonização em cada um deles nos próximos anos. 

DIFERENTES PERFIS DE EMISSÕES

Os BRICS estão entre os maiores emissores de GEE, tanto em relação a emissões históricas, como em relação à trajetória de emissões desde 1990. Emissões históricas medem quanto cada país contribuiu para a concentração de GEE na atmosfera, que tem aumentado de forma acelerada desde 1850. O país que mais contribuiu para o aumento da concentração de GEE na atmosfera entre 1850 e 2021 são os Estados Unidos, seguidos por três BRICS: China, Rússia e Brasil; a Índia vem em 7º lugar e a África do Sul, em 16º (Figura 01):

Figura 01: Países com mais emissões acumuladas de GEE entre 1850 e 2021. Fonte: Evans (2021).

Figura 01: Países com mais emissões acumuladas de GEE entre 1850 e 2021. Fonte: Evans (2021).

Em relação à trajetória de emissões, em 1990 a China tinha a 2ª posição em emissões totais, atrás apenas dos Estados Unidos; a Rússia vinha em 3º, seguida do Brasil; a Índia ocupava a 8ª posição e a África do Sul, a 19ª. Em 2019, a China era o maior emissor global de GEE; a Índia estava na 3ª posição, seguida do Brasil; a Rússia vinha na 6ª, e a África do Sul, na 16ª posição (Tabela 01).

Tabela 01: BRICS, emissões de GEE e participação no total global, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de SEEG (2022), Climate Watch Data (2022) e Banco Mundial (2022).

Tabela 01: BRICS, emissões de GEE e participação no total global, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de SEEG (2022), Climate Watch Data (2022) e Banco Mundial (2022).

Em relação a emissões per capita, elas diminuíram na Rússia e no Brasil entre 1990 e 2019 e aumentaram nos demais BRICS, mas a posição relativa em relação aos demais países do G20 mudou: a Rússia tinha o 4º lugar em emissões per capita entre os países do G20 em 1990 e o 5º em 2019; o Brasil tinha o 6º em 1990 e o 8º em 2019; a África do Sul, o 10º em 1990 e o 7º em 2019; a China, o 19º em 1990 e o 12º em 2019; e a Índia, o 20º em 1990 e 2019. A intensidade de GEE da economia de todos os BRICS diminuiu no mesmo intervalo (Tabela 02).

Tabela 02: BRICS, emissões per capita e intensidade de GEE do PIB, 1990 e 2019. Nota: Emissões per capita de toneladas de CO2  equivalente; intensidade GEE do PIB em MtCO2e/bilhão, $ internacional constante 2017, PPP. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de SEEG (2022), Climate Watch Data (2022) e Banco Mundial (2022).

Tabela 02: BRICS, emissões per capita e intensidade de GEE do PIB, 1990 e 2019. Nota: Emissões per capita de toneladas de CO2 equivalente; intensidade GEE do PIB em MtCO2e/bilhão, $ internacional constante 2017, PPP. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de SEEG (2022), Climate Watch Data (2022) e Banco Mundial (2022).

Os BRICS têm diferentes perfis de emissões. Entre 1990 e 2019, as emissões chinesas de GEE aumentaram 317%; sua participação no total de emissões mundiais aumentou 2,78 vezes no mesmo período (Tabela 01). Na China, o setor de energia responde pela maior parcela de emissões: 81,64% em 1990 e 88,08% em 2019; as emissões do setor aumentaram 349,82% no intervalo. Agricultura e processos industriais invertem postos como 2º e 3º setores em emissões (Tabela 03), reflexo da transformação da economia chinesa no período. As emissões de uso da terra e florestas são negativas na China desde 1990; em números absolutos, o sequestro de carbono pelo setor quase dobrou entre 1990 e 2019; a participação relativa do setor diminuiu, porém (Tabela 03).

Tabela 03: China, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de Climate Watch Data (2022).

Tabela 03: China, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de Climate Watch Data (2022). 

As emissões indianas de GEE aumentaram 79,87% entre 1990 e 2019. A energia é o setor com maior participação no total, e seu peso relativo aumenta no período (Tabela 04). Em segundo lugar vem o setor de agricultura, cuja participação relativa está diminuindo. As emissões de processos industriais e resíduos também aumentaram entre 1990 e 2019, mas seguem bastante baixas em termos relativos. O setor de uso da terra e florestas tem emissões negativas, mas elas são cada vez menores, em números absolutos e em participação relativa (Tabela 04).

Tabela 04: Índia, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de Climate Watch Data (2022)

Tabela 04: Índia, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de Climate Watch Data (2022).

As emissões russas diminuíram mais de 27.33% entre 1990 e 2019 (Tabela 01), mas em razão de diminuição de atividade econômica, e não ganhos de eficiência ou descarbonização. O setor de energia responde pela quase totalidade de emissões positivas da Rússia. As emissões de agricultura diminuíram entre 1990 e 2019, enquanto as de processos industriais e resíduos aumentaram, mas seguem baixas no total russo (Tabela 05). O setor de uso da terra e florestas apresenta emissões negativas desde 1990, e tanto os números absolutos de emissões como a participação relativa do setor no total de emissões líquidas aumentaram entre 1990 e 2019 (Tabela 05).

Tabela 05: Rússia, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de Climate Watch Data (2022).

Tabela 05: Rússia, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de Climate Watch Data (2022).

O Brasil tem perfil de emissões diverso dos demais BRICS. Primeiro, as emissões brasileiras do setor de uso da terra e florestas são as mais relevantes no total de emissões desde 1990 e seguem bastante acima dos demais setores (Tabela 06). A redução de emissões do setor responde pela redução de emissões totais brasileiras entre 1990 e 2019 (Tabelas 01 e 06). Segundo, as emissões de energia são menos relevantes no total, comparadas às dos demais BRICS, mas estão aumentando em números absolutos e relativos. Terceiro, o setor de agricultura também tem papel relevante e ascendente nas emissões, ainda que menor do que o do setor de energia (Tabela 06). Por fim, as emissões de processos industriais e resíduos também cresceram no período, mas ainda somaram menos de 10% do total de emissões em 2019 (Tabela 06). 

Tabela 06: Brasil, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de SEEG (2022).

Tabela 06: Brasil, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de SEEG (2022).

A África do Sul tem emissões totais muito mais baixas do que as dos outros BRICS. No entanto, entre os BRICS, suas emissões per capita estavam apenas atrás das russas e brasileiras em 1990 e das russas em 2019; e a intensidade de carbono do PIB sul-africano em 2019 é a mais alta entre os cinco países (Tabela 02). O setor de energia responde por mais de ¾ das emissões totais desde 1990 (Tabela 07). As emissões do setor de agricultura diminuíram entre 1990 e 2019, em números absolutos e relativos (Tabela 07). As emissões de processos industriais e resíduos aumentaram, mas seguem com participação de menos de 10% no total em 2019. Assim como no Brasil, as emissões de uso da terra e florestas são positivas na África do Sul, mas mais baixas em números absolutos e relativos quando comparadas ao Brasil (Tabela 07).

Tabela 07: África do Sul, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de Climate Watch Data (2022).

Tabela 07: África do Sul, perfil de emissões, 1990 e 2019. Fonte: Cálculos e elaboração própria, com dados de Climate Watch Data (2022).

TRAJETÓRIA DA DESCARBONIZAÇÃO NOS BRICS

China

Descarbonizar a China é, principalmente, transformar sua matriz energética. A China consumiu 21% do total global de energia em 2019 (IEA 2021). A China é o maior produtor (49,7% da produção global em 2020) e importador de carvão, usando a maior parte para gerar eletricidade – 65,25% de sua eletricidade em 2019 foi gerada por carvão (IEA 2021). É o maior importador de petróleo e tem a 2ª maior capacidade global de refino (IEA 2021). Ocupa o 1º lugar global em geração de eletricidade por fontes renováveis e tinha em 2019, respectivamente, 27,21%, 33,76% e 34% da capacidade instalada de hidreletricidade, energia eólica e solar fotovoltaica (IEA 2021). A economia chinesa ainda é bastante intensiva em energia – 187,69 kg de petróleo equivalente a cada US$ 1,000, contra 97,55 na média da OCDE –, resultado das escolhas econômicas adotadas pelo partido comunista. 

Até a década de 1970, a China era uma economia agrária. De 1978 a 2001, houve rápido crescimento da manufatura leve, intensiva em mão de obra, mas em 2001 a tendência se inverteu: houve disseminação da indústria pesada, aumentando a demanda por energia e intensidade energética do PIB (Rosen & Houser 2007, 09). A urbanização também demanda mais energia, especialmente para eletricidade e transporte: a população urbana chinesa passou de 26% do total em 1990 para 63% em 2021 (Banco Mundial 2022). 

O 11o Plano Quinquenal (2006-2010) já tinha metas de transição energética (Fan 2006, 709). O Plano visava reduzir 20% da intensidade energética do PIB, a partir dos níveis de 2005, e aumentar a participação de energias não fósseis no total consumido na China para 10% até 2010 e 15% até 2020. Para implementar as metas, a China lançou, em 2007, o Programa Nacional de Mudanças Climáticas e, em 2008, no contexto da crise financeira global, destinou 35% dos US$ 850 bilhões que compunham o pacote de estímulo econômico para desenvolvimento de baixo carbono. Entre as políticas editadas no período estavam: a lei de conservação de energia (China 2007); regulamentos para eficiência energética em edifícios (China 2008); e a lei sobre energias renováveis, revisada em 2009 para regulamentar a conexão ao grid, preços diferenciados, isenções fiscais e fundo de pesquisa e desenvolvimento para energias renováveis (China 2009). 

O 12º Plano Quinquenal (2011-2015) estabeleceu os objetivos de reduzir, até 2015, a intensidade de carbono do PIB em 17% e da intensidade de energia do PIB em 16%, com base nos níveis de 2005, e que ao menos 11,4% da energia fosse gerada por fontes não fósseis (China 2011). Para implementar as metas, a China editou incentivos para veículos elétricos, geração de eletricidade de energia renovável e planos para aumentar a eficiência de termelétricas a carvão (China 2014a). Em 2014, foi aprovado o Plano Nacional de Combate às Mudanças Climáticas, inserindo na regulação doméstica chinesa as metas voluntárias apresentadas pelo país no regime internacional do clima na COP 15, em 2009: até 2020 (i) reduzir a intensidade de carbono do PIB em 40-45% com base nos níveis de 2005; (ii) aumentar a participação de energias não fósseis no total consumido em 15% – a capacidade instalada de energias renováveis alcançaria 650 GW até 2020; (iii) aumentar as florestas em 40 milhões de hectares e os estoques florestais em 1.3 bilhão de metros cúbicos (China 2014b). No período, a China fechou a maioria das termelétricas a carvão obsoletas, melhorou a qualidade dos combustíveis e fez investimentos maciços em sistemas de transporte público, mas houve expansão da produção e consumo de veículos particulares, causando grandes e longos congestionamentos nas principais cidades chinesas.

Em 2015, na Conferência de Paris, a China apresentou sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) com as metas de, até 2030: alcançar o pico de emissões chinesas; (ii) reduzir a intensidade de carbono do PIB em 60-65%, com base nos níveis de 2005; (iii) aumentar a participação de energias não fósseis na matriz energética para 20%; (iv) aumentar os estoques florestais para 4,5 bilhões de metros cúbicos (China 2015). Seguiram mudanças regulatórias para implementar as metas. Em 2015, foi revisado o marco legal sobre poluição do ar, de 1987, para incluir a proibição do uso residencial de carvão de baixa qualidade. Em 2016, o hidrogênio foi incluído entre as tecnologias consideradas estratégicas para aumentar a segurança energética e combater a mudança climática na China (China 2016). Em 2018, a lei de eletricidade (1995) foi revisada com o objetivo de promover a expansão da geração por fontes renováveis (China 2018). Em 2020, foram aprovados o marco legal para a indústria automobilística chinesa ampliar investimentos em veículos elétricos e de célula de combustível, e subsídios para a eletrificação de veículos de transporte público e de uso privado, leves, de grande porte e ferroviários (China 2020). 

Em 2021, foi aprovado o 14º Plano Quinquenal, reiterando o objetivo de alcançar o pico de emissões chinesas até 2030 e a neutralidade de carbono na China até 2060 (China 2021a). O plano estabelece que as metas devem ser implementadas com medidas de controle de emissões em indústrias e empresas; uso de serviços ecossistêmicos para alcançar a neutralidade de carbono; promoção do uso eficiente de carvão e da transformação de indústrias energointensivas (aço, petroquímica, cimento); aceleração do uso de ferrovias e hidrovias para transporte de carga; investimento em tecnologias de eficiência energética, neutralidade de carbono e captura, sequestro, utilização e armazenamento (CCUS) de carbono (China 2021a). No mesmo ano, foram aprovados dois planos de ação, para alcançar o pico de emissões em 2030 e para economia de energia e redução de emissões (China 2021b, China 2021c). Em conjunto, os planos ampliam incentivos, subsídios e investimentos, inclusive em pesquisa e desenvolvimento, em tecnologias de energias verdes e de baixo carbono, incluindo eficiência e armazenamento. Também em 2021, a China apresentou a primeira revisão de sua NDC; reiterou suas metas apresentadas em 2015 para pico de emissões e intensidade de carbono do PIB; aumentou a ambição para participação de energias não fósseis na matriz para 25% do total e estoques florestais em seis bilhões de metros cúbicos até 2030; e acrescentou a meta de capacidade instalada de energia eólica e solar para 1,2 bilhão de kW (China 2021d). Em 2022, a China aprovou planos para acelerar a modernização do setor energético e para controlar emissões nas indústrias mais poluidoras (China 2022a; China 2022b).

Dados seu nível de emissões e sua participação nas cadeias globais de energia, inclusive as de tecnologia de baixo carbono, a China é o ator mais importante na dinâmica global de descarbonização; portanto, avanços da agenda na China são condição necessária para um avanço internacional consistente.

A China foi um país conservador no regime climático (Viola et al 2013), mas a trajetória de suas políticas públicas e compromissos no regime internacional do clima mostram a transição para uma posição conservadora moderada. A motivação dessa mudança tem vetores domésticos e de política externa. No primeiro caso, a preocupação com poluição do ar, em níveis altíssimos na década de 2000, que gerava pressão para a legitimidade do regime do partido comunista. No segundo, a ambição de um papel mais relevante na governança global. Dados seu nível de emissões e sua participação nas cadeias globais de energia, inclusive as de tecnologia de baixo carbono, a China é o ator mais importante na dinâmica global de descarbonização; portanto, avanços da agenda na China são condição necessária para um avanço internacional consistente. 

Índia

A Índia é o 2o maior produtor e importador mundial de carvão, que, como na China, é utilizado em grande parte para geração de eletricidade – 72,72% do total produzido em 2019 (IEA 2021). É também uma economia intensiva em energia: 124,41 kg de petróleo equivalente a cada US$ 1,000. Porém o consumo de energia per capita em 2014 era 2,35 vezes menor do que o do Brasil, 3,5 vezes menor do que o da China e 6,3 vezes menor que o da OCDE (Banco Mundial 2022). Em 2020, 459 milhões de indianos dependiam de biomassa (madeira principalmente) para cozinhar e 138 milhões não tinham acesso à eletricidade. 

Até 2014, a Índia tinha a Comissão de Planejamento que publicava os Planos Quinquenais. As mudanças climáticas entraram no 11º (2007-2012), quando foram reconhecidas como “uma das mais sérias preocupações do nosso tempo” (Índia 2007, 203). Na ocasião, foram aprovadas as metas de reduzir a intensidade energética da economia indiana em 20% até 2017, em comparação com os níveis de 2007-2008, e de aumentar a produção de energia a partir de fontes renováveis (Índia 2007, 205-207). O Plano de Ação Nacional sobre Mudanças Climáticas foi promulgado em 2008, com metas de aumentar geração de energia solar térmica e fotovoltaica em pelo menos 1000 MW até 2017 – entre as medidas de implementação, tarifas feed-in para energias renováveis – e de eficiência energética, com objetivo de economizar pelo menos 10.000 MW até 2012 (Índia 2008). Em 2009, a Índia apresentou a meta voluntária no regime internacional climático de reduzir a intensidade de carbono do PIB em 20-25% até 2020 com base nos números de 2005, estabelecendo que, para alcançar a redução, estabeleceria padrões rigorosos para combustíveis e de eficiência energética para edifícios, aumentaria a cobertura florestal para sequestrar ao menos 10% das emissões anuais e aumentaria de 8% para 20% a participação de energia eólica, solar e de pequenas hidrelétricas na matriz. No mesmo ano, o governo indiano aprovou a Política Nacional de Biocombustíveis, com meta de mistura de adição de até 20% de etanol nos combustíveis comercializados no país e preço mínimo para incentivar a produção (Índia 2009).

No 12º plano (2012-2017), as mudanças climáticas perdem prioridade, passam a ser vistas como uma questão a ser enfrentada para alcançar o desenvolvimento sustentável, principalmente por meio da ecoeficiência e crescimento de baixo carbono (Índia 2013, 113-117). O baixo carbono seria importante para aumentar acesso à energia e segurança energética, reduzindo a produção de carvão e as importações de carvão, petróleo e gás. O plano inclui a meta de alcançar 30 MW de energia renovável no total consumido até 2017 e 75 MW até 2022, ambos a partir dos níveis de 2012 (Índia 2013, 132-135). Em 2012 foram aprovados o Plano Nacional de Eletricidade – com metas de modernização de termelétricas, inclusive com introdução de tecnologias de carvão limpo, de expansão da geração distribuída e compra obrigatória de energia de fontes renováveis para concessionárias apoiadas com tarifa preferencial – e o Plano Nacional de Mobilidade Elétrica, dando início à regulação para veículos elétricos no país.

Em 2015, a Índia apresentou sua NDC, prometendo, até 2030: (i) reduzir a intensidade energética de seu PIB em 33-35%, com base em 2005; (ii) atingir 40% de capacidade instalada para geração de eletricidade por fontes não fósseis via transferência de tecnologia e financiamentos internacionais de baixo custo, incluindo do Fundo Verde do Clima; (iii) florestas adicionais sumidouros de carbono equivalentes a 2,5-3 bilhões de toneladas de CO2 (Índia 2015). Em âmbito doméstico, promoveu mudanças na regulação de eletricidade para incluir novas metas para energias renováveis e para ampliar a adoção de veículos elétricos (Índia 2014, Índia 2016). Em 2021, a Índia apresentou a primeira revisão de sua NDC, com metas para 2030: (i) reduzir a intensidade energética de seu PIB em 45%, com base em 2005; (ii) atingir 500 GW de capacidade instalada para geração elétrica não fóssil e 50% da geração elétrica por fontes renováveis; (iii) reduzir emissões em um bilhão de toneladas (Índia 2021). Na ocasião da COP 26, Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, mencionou também meta de neutralidade de emissões até 2070, sem detalhar. Enquanto a NDC original era considerada altamente insuficiente, a nova NDC aumentou a ambição da contribuição indiana para mitigar as mudanças climáticas globais, mas permanece insuficiente (Climate Action Tracker 2022).

A Índia é um ator conservador no regime climático e é um dos mais ativos defensores das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e da doutrina das responsabilidades históricas. 

A Índia é um grande importador de energia e, portanto, muito sensível às mudanças nos mercados globais de energia. A transição energética para fontes renováveis beneficia a Índia por diminuir sua dependência de importações, aumentando a segurança energética, e ampliar acesso à população que ainda não recebe esses serviços. A Índia é um ator conservador no regime climático e é um dos mais ativos defensores das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e da doutrina das responsabilidades históricas. Apesar da numerosa quantidade de políticas direcionadas à transição energética, há interesses conflitantes: primeiro, as vastas reservas de carvão do país, cuja exploração contribui para a segurança energética e a ampliação do acesso à energia; segundo, a profunda fragmentação do sistema político indiano, que torna muito difícil tanto a adoção de políticas nacionais coerentes quanto a sua implementação uniforme em todo o país; terceiro, o discurso anticolonial, que descarta importantes ações de mitigação ao responsabilizar apenas países industrializados pelo problema – ainda que a Índia seja um dos países mais vulneráveis às mudanças; quarto, situação de extrema pobreza em que vive parcela considerável da população indiana. 

Rússia

A Rússia é o 2o maior produtor e exportador mundial de petróleo; o 2o maior produtor e o maior exportador de gás natural; e o 3º maior exportador mundial de carvão, todos dados de 2019 (IEA 2021). O gás natural respondeu por 45,89% da eletricidade russa em 2019 (IEA 2021). A Rússia é uma economia intensiva em energia: 186,74 kg de petróleo equivalente a cada US$ 1,000 em 2014 (Banco Mundial 2022). É um dos maiores exportadores de energia do mundo. De fato, quando somadas as exportações de três hidrocarbonetos (carvão, petróleo e gás natural), a Rússia é o maior exportador mundial de combustíveis fósseis. Assim, na Rússia, a energia não é apenas um meio para o desenvolvimento e uma necessidade para o bem-estar da população russa; é um negócio nacional com proporções globais. Muitas das incoerências das políticas russas de descarbonização energética podem ser melhor compreendidas levando isso em conta.

A Rússia é o único país dos BRICS que está no Anexo I da Convenção Quadro sobre Mudança do Clima, portanto tinha obrigações de redução de emissões no Protocolo de Quioto. Durante as negociações do Protocolo, seu objetivo era maximizar as vendas de créditos de carbono (“ar quente”) para outros países desenvolvidos. Quando o Protocolo de Quioto foi ratificado e os Estados Unidos se retiraram, a Rússia entendeu que o mercado de “ar quente” seria menor; ratificou o Protocolo de Quioto em troca de sua aceitação como membro da Organização Mundial do Comércio, por uma compreensão flexível da economia de mercado. Cumpriu o objetivo de reduzir suas emissões entre 2008 e 2012 em relação aos níveis de 1990, mas devido à redução da atividade econômica, e não a esforços para descarbonizar sua economia.

Eficiência energética é objetivo da regulação russa desde 2001. É bastante relevante o Programa Estatal de Eficiência Energética e Desenvolvimento Energético (Rússia 2014) aprovado em 2014, que substitui a Estratégia de Energia da Rússia para 2030, promulgada em 2003 e alterada em 2009. São objetivos do programa reduzir em 40% a intensidade de energia do PIB russo entre 2007 e 2020 e aumentar a participação de energias renováveis, mas, nesse último caso, a revisão de 2014 diminuiu a ambição da meta, que era de 4,5% da geração elétrica em 2020 por fontes renováveis e passou para 2,5% em 2030. O objetivo de promover energia renovável também está presente, via mecanismos de incentivo à geração de energia eólica, solar fotovoltaica e pequenas centrais hidrelétricas (Rússia 2013). Em 2009, foi aprovada a Doutrina do Clima da Rússia, declaração não vinculante que reconhece o perigo das mudanças climáticas, a influência antropogênica e a importância de aumentar a eficiência energética e expandir a participação de energias renováveis (Rússia 2009).

A Rússia é um ator extremamente conservador no regime climático, e seu engajamento é muito peculiar.

A Rússia é um ator extremamente conservador no regime climático, e seu engajamento é muito peculiar. Na COP 15, a Rússia prometeu uma redução de 15-25% nas emissões de GEE em comparação com os níveis de 1990. O intervalo depende (i) “de contabilidade apropriada do potencial da silvicultura da Rússia no quadro de contribuição para cumprir as obrigações de redução de emissões antropogênicas”; e (ii) “que os principais emissores tenham obrigações juridicamente vinculantes de reduzir as emissões” (Rússia 2015). Em sua NDC, a Rússia se comprometeu a limitar suas emissões a 70-75% do total de 1990 até 2030, número exato sujeito à capacidade de absorção das florestas (Rússia 2015). Nenhuma dessas metas é ambiciosa, considerando que as emissões de 1990 para a Rússia eram extremamente altas por computarem o total da ex-URSS. Na primeira revisão da NDC, apresentada em 2020, a Rússia reduziu a ambição: prometeu limitar suas emissões a 70% do total em 1990 até 2030, sujeito à “capacidade de absorção de florestas e outros ecossistemas e ao desenvolvimento socioeconômico sustentável e balanceado da Federação Russa” (Rússia 2020). Em outubro de 2021, a Rússia anunciou a meta de esforços para alcançar neutralidade de carbono até 2060, sem reduzir o uso de combustíveis fósseis, importantes para o desenvolvimento e a geração de empregos na Rússia, e em linha com a ideia do papel do sequestro de carbono pelo setor de mudança de uso da terra e florestas (UN News 2021).

Essa alteração está em linha com uma postura cada vez mais refratária à cooperação multilateral que tem sido expressada pela Rússia nos últimos anos. Duas peças são evidências em relação ao tema da descarbonização. Em 2019, a Rússia aprovou a Doutrina sobre Segurança Energética, que descreve “a intensificação dos esforços para implementar políticas climáticas e acelerar a transição para uma economia verde como um desafio de política externa para a segurança russa” (Rússia 2019). Descreve ainda que: 

...considerar temas de mudança climática e proteção ambiental de um ponto de vista enviesado infringe os interesses de países produtores de energia e ignora deliberadamente aspectos do desenvolvimento sustentável, como assegurar acesso universal à energia e desenvolver tecnologias limpas de hidrocarbonetos (tradução livre).

Em 2021, a Rússia aprovou uma nova versão da Estratégia de Segurança Nacional de 2015 (Rússia 2021). Na alteração, consta que a mudança climática é usada como pretexto pela comunidade mundial para “restringir o acesso de empresas russas a mercados exportadores, conter o desenvolvimento da indústria russa, estabelecer o controle de rotas de transporte e impedir que a Rússia desenvolva o Ártico”. 

África do Sul

A África do Sul é um país menor do que os três primeiros BRICS, mas tem peso no mercado internacional de energia: em 2020, foi o 7º maior produtor e o 4º maior exportador de carvão (IEA 2021). O carvão é também a fonte majoritária na geração de eletricidade, 89,70% em 2020 (IEA 2022a). Ainda que tenha participação pequena no total da energia consumida na África do Sul, a geração de energia por fontes renováveis tem crescido no país: a eólica gerou apenas 0,13% da eletricidade consumida em 2010, mas 2,52% de 2020; a solar, que não teve participação em 2020, gerou 0,15% em 2020 (IEA 2022a). A economia sul-africana é intensiva no uso de energia – foram 191,98 kg de petróleo equivalente a cada US$ 1,000 em 2014 – e tem, entre os BRICS, o mais alto consumo de energia per capita – 2,6 toe em 2014 (Banco Mundial 2022). No entanto, é um país com desigualdades altíssimas, também em relação ao acesso à energia; os números per capita correspondem a uma dependência econômica de setores altamente intensivos em energia, como mineração, não a um consumo que gera bem-estar para a população.

Quando o clima ganhou força na agenda internacional, a África do Sul passava pela transição do regime autoritário do apartheid para a democracia. (...) A transição energética na África do Sul enfrenta desafios múltiplos…

Quando o clima ganhou força na agenda internacional, a África do Sul passava pela transição do regime autoritário do apartheid para a democracia. O apartheid foi um regime baseado na segregação racial e no domínio de poucos sobre a produção econômica do país, o que não apenas produziu uma realidade de profundas desigualdades sociais, como também isolou a África do Sul nas relações internacionais, por conta dos embargos impostos ao país. Nesse contexto, as reservas de carvão foram utilizadas não apenas para geração de eletricidade – em termelétricas pouco eficientes, dada a abundância da fonte primária –, mas também no desenvolvimento de tecnologia de conversão do carvão em combustível líquido, que abastecia o mercado interno, contornando a dificuldade de importar petróleo. A transição energética na África do Sul enfrenta desafios múltiplos: primeiro, o domínio do carvão na matriz energética; segundo, a participação da mineração do carvão e de outros setores energointensivos no PIB; terceiro, a dependência da cadeia produtiva do carvão na geração de empregos, sejam eles de baixa qualificação, mas com alta relevância em regiões carvoeiras, ou de alta qualificação, inclusive na forte burocracia do setor energético do país. Por fim, a inter-relação com políticas de empoderamento da população negra no pós-apartheid: a propriedade de minas de carvão promoveu ascensão de alguns grupos, mas a tecnologia renovável continua nas mãos de joint-ventures estrangeiras, com pouca geração de empregos, receita ou status social para grupos nacionais.

Desde a democratização, eficiência energética é um dos focos na política da África do Sul. A ineficiência das termelétricas e o aumento da demanda em momentos de crescimento econômico, sem correspondente aumento da geração, geram a necessidade de racionar o fornecimento de eletricidade – política de load shedding. Em 2009, a África do Sul ingressou na aliança BASIC e apresentou a meta voluntária de redução da sua curva de emissões projetada para 2020 em 34% (África do Sul 2010). O compromisso significava pouco do ponto de vista climático, dada a linha de base; estava, no entanto, alinhado com a política externa do governo Zuma, em que o país buscaria construir novas parcerias e ganhar projeção internacional. Foi no contexto de preparação para a COP 17, que ocorreu em 2011 em Durban – cuja candidatura também era parte da nova visão de política externa –, que as primeiras políticas climáticas começaram a ser editadas na África do Sul. Foi promulgado o Livro Branco da Política Nacional de Resposta às Mudanças Climáticas, com dois grandes objetivos: construir capacidade de resposta para gerenciar os impactos da mudança do clima na África do Sul e coordenar uma contribuição justa para os esforços globais de estabilizar a concentração de GEE na atmosfera (África do Sul 2011). Além de iniciativas em diversos setores, como agricultura, água e desastres, a política cita a importância de um preço para o carbono para uma estratégia de mitigação de longo prazo. 

Em sua NDC, a África do Sul apresentou o compromisso de manter suas emissões até 2030 entre 398 e 614 MtCO2-eq (África do Sul 2015). Em 2016, foi aprovado o Regulamento Nacional para Relatórios de GEE, a primeira regulamentação para criar um inventário nacional de GEE nos setores de energia, transporte, indústria, agricultura e florestas, que informaria a formulação e implementação de legislação e políticas públicas (África do Sul 2017). Em 2018, foi editada a Estratégia de Transporte Verde 2050, plano de longo prazo para aumentar a eficiência, integração e sustentabilidade dos sistemas de transporte, alinhando os objetivos do setor com o baixo carbono e uma transição justa (África do Sul 2018). Mas foi em 2019, no contexto da preparação da revisão da NDC, que as principais peças regulatórias da transição energética sul-africana foram aprovadas. 

Primeiro, o imposto sobre o carbono (África do Sul 2019a). O valor do imposto é baixo – estava em US$ 8 no início de 2022 –, mas, na COP 26, a África do Sul assumiu o compromisso de aumentá-lo progressivamente até atingir US$ 20 em 2025 e US$ 30 em 2030. Segundo, a Estratégia Nacional de Eficiência Energética, que determina que incentivos financeiros e fiscais devem ser desenvolvidos para reduzir o consumo final de energia do país em 29% (África do Sul 2019b). Terceiro, o Integrated Resources Plan, a estratégia para a transição energética nos setores de mineração e energia (África do Sul 2019c). Estabelece proposições amplas, como o reconhecimento dos impactos da mineração de carvão na mudança do clima e saúde das populações; a importância de tecnologias de sequestro e armazenamento de carbono para reduzir as externalidades do setor; a proposta de um orçamento de carbono e de tecnologias de baixo carbono – incluindo compromisso governamental de aumentar a capacidade instalada de eólica e solar – para facilitar a transição. 

A África do Sul sofre consequências graves da pandemia Covid-19. O impacto sobre as vidas humanas foi gigantesco, e a atividade econômica também teve grandes perdas: por exemplo, em relação à eletricidade, o consumo foi 10% menor em 2020 em relação ao de 2010 (IEA 2022a). Em 2020, o governo sul-africano aprovou um pacote de estímulo econômico, o Plano de Reconstrução e Recuperação Econômica, que inclui objetivos de criação de infraestrutura, financiamentos verdes e outras intervenções econômicas verdes. Em 2021, o país apresentou a primeira revisão de sua NDC, com aumento da ambição: manter suas emissões totais entre 398 e 510 MtCO2e até 2025, e entre 350 e 420 MtCO2e até 2030, além do objetivo de emissões líquidas zero até 2050. Caso todas essas medidas fossem implementadas, a África do Sul transitaria de um país conservador para um país moderadamente conservador no regime climático.  

Brasil

O Brasil tem uma matriz energética relativamente baixa em carbono: em 1990, 49,28% da energia consumida no Brasil vieram de fontes de baixo carbono; em 2019, foram 46,03% (EPE 2022). O Brasil não é uma economia intensiva em energia – 94,95 kg de óleo equivalente por US$ 1,000 em 2014 (PPP constante 2017) – e tem uso de energia per capita de 1,49 toe em 2014. O país é autossuficiente em energia e possui tecnologia de vanguarda para explorar reservas de petróleo em águas profundas, tecnologia hidrelétrica (especialmente no projeto de reservatórios) e na produção de eletricidade e combustível (etanol) a partir da cana-de-açúcar.

Mudança de uso da terra e florestas, especialmente o desmatamento, é a maior fonte de emissões brasileiras de GEE. Na segunda metade da década de 2000, sob liderança dos ministros do Meio Ambiente Marina Silva e Carlos Minc, foi ampliada a estrutura institucional, com contratação de pessoal e equipamentos, e intensificados o monitoramento e a aplicação da lei, com apreensões de madeira e multas, para conter o desmatamento. Na Amazônia, as taxas de desmatamento caíram de 24.000 km2 em 2004 para 6.200 km2 em 2010; no Cerrado, diminuíram de 12.200 km2 para 6.100 km2 no mesmo período (MapBiomas 2022). A partir de 2015, a crescente crise econômica diminuiu o orçamento, com impacto no monitoramento do desmatamento em campo, e reduziu o apelo do tema para a opinião pública, diminuindo a pressão por ação (Ryan 2017). Entre 2016 e 2018, à crise econômica somou-se o temor do presidente Temer de um novo impeachment após os escândalos da JBS, e ampliou o poder de barganha da bancada ruralista com o Executivo federal. Desde 2019, a política antiambiental do governo federal desestruturou o combate ao desmatamento, e as taxas voltaram a aumentar de maneira acelerada na Amazônia. Caso o desmatamento volte a ser contido, a agricultura e a energia passarão a dividir o protagonismo nas emissões brasileiras, como aconteceu no período 2010-2015.

No setor de eletricidade, o aumento da participação da fonte eólica e da biomassa ocorre ao mesmo tempo que o da participação do gás natural. Durante a crise elétrica de 2001-2002, o governo federal lançou o Programa de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), visando aumentar a participação de pequenas centrais hidrelétricas, eólicas ou de biomassa na geração (Brasil 2002). Lançou também o Programa Prioritário para Termelétricas, aproveitando o suprimento do gasoduto Brasil-Bolívia e determinando que a Petrobras investisse na construção das termelétricas. A energia solar só seria incentivada após 2014, e principalmente para geração distribuída. No setor de transportes, a dependência do modal rodoviário para cargas e do diesel como combustível é a maior entre os vilões das emissões.

Em 2008, o Brasil promulgou o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, com metas para reduzir emissões em todos os setores (Brasil 2008). Em 2009, o Plano foi integrado à Política Nacional de Mudanças Climáticas (Brasil 2009). A política internaliza a proposta voluntária de redução de emissões que o Brasil apresentou na COP 15: reduzir a curva de crescimento projetado de emissões em 36-39% até 2020 e cortar 80% do desmatamento até 2020, base de 2005 (Brasil 2010). A meta não era ambiciosa e seria facilmente cumprida com a redução do desmatamento que estava ocorrendo na Amazônia no período (Viola & Franchini 2018).

Em 2015, o Brasil apresentou sua NDC com meta de redução das emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005 (Brasil 2015). A NDC foi revisada em 2020, mantendo as porcentagens (Brasil 2020); porém, com as mudanças nos cálculos das emissões para o setor mudança de uso da terra, as emissões totais do Brasil em 2005 aumentam de 2,1 GtCO2e para 2,8 GtCO2e (MCTI 2016). Desse modo, com a revisão, o Brasil estaria “autorizado” por sua NDC revisada a emitir muito mais em termos absolutos do que na NDC original. Em 2021, o Brasil revisou novamente a NDC, aumentando a meta de redução de emissões de 43% para 50%, em relação aos níveis de 2005, até 2030 (Brasil 2022). A nova revisão corrigiu em parte a distorção de 2020, mas consolida aumento de 0,31 GtCO2e para 2025 e 0,08 GtCO2e para 2030 em relação à meta da NDC de 2015 (Unterstell & Martins 2022). 

A posição brasileira no regime climático tem sido oscilante devido à erraticidade das emissões derivadas de desmatamento: conservadora até 2004; moderada entre 2005 e 2010; conservadora moderada entre 2011 e 2015; conservadora entre 2016 e 2018 (Viola & Franchini 2018); e extremamente conservadora entre 2019 e 2022.  

A CONJUNTURA ATUAL E SEU IMPACTO NA DESCARBONIZAÇÃO DOS BRICS

O sistema internacional vem enfrentando transformações devido a três conjunturas críticas em andamento: a relação crescentemente conflituosa entre China e Estados Unidos; a pandemia Covid-19, que teve sua fase aguda entre março de 2020 e abril de 2022, mas que ainda continua e eventualmente pode recrudescer; e a guerra da Ucrânia, com impactos profundíssimos. 

Desde 2008, com a crise financeira global, cresce no Partido Comunista Chinês a percepção de que a democracia americana/ocidental se tornou decadente e que a combinação de marxismo leninismo e meritocracia confucionista, sob os quais a economia chinesa ascendeu, oferece uma alternativa para a humanidade. A política chinesa tornou-se crescentemente ofensiva no plano militar: ocupação e militarização dos rochedos do mar do Sul da China; grande crescimento tecnológico das forças armadas – o complexo de guerra cibernética tornou-se poderoso e a marinha chinesa é hoje superior à americana no Pacífico ocidental; e, mais recentemente, um crescimento substancial do arsenal nuclear, particularmente em mísseis intercontinentais. Simultaneamente, o regime chinês foi se tornando cada vez mais totalitário: repressão e campos de concentração da minoria uigur em Sinkiang; repressão da (pouca) liberdade de expressão que existia previamente, inclusive com controle social generalizado usando a inteligência artificial com o instrumento do crédito social; crescente culto à personalidade de Xi Jinping – que hoje acumula poder apenas superado por Stalin e Mao – e supressão de outras correntes do partido comunista; forte repressão em Hong Kong; e ameaças crescentes de invasão a Taiwan. Com a ascensão de Trump nos Estados Unidos, com um discurso que define a autocracia chinesa como ameaça, aumenta a animosidade. Essa tensão aumenta ainda mais com a guerra na Ucrânia e encerra o período anterior, em que aumentaram a interdependência econômica entre Estados Unidos e China e a cooperação entre eles em temas globais, inclusive a mudança do clima, dando início ao que muitos analistas definem como Guerra Fria 2.0.

A pandemia Covid-19 teve impacto ambivalente sobre o sistema internacional. Após mais de dois anos, sabe-se que a pandemia não alterou a trajetória crescente de emissões globais: as emissões caíram 5% em 2020, mas voltaram a crescer depois, 6% em 2021, e provavelmente alcançarão maior patamar em 2022. Houve, no entanto, aumento de reações nacionalistas em resposta à pandemia, quando, na verdade, a medida mais efetiva para combate é o aumento da cooperação global. Políticas públicas de retomada de crescimento econômico também divergem: a União Europeia aprofundou seu Programa de Economia Verde, e o Partido Democrata americano o incorporou na sua plataforma eleitoral em julho de 2020, mas há diversos exemplos de pacotes de crescimento que não levam em consideração a descarbonização. 

A guerra na Ucrânia mudou os parâmetros no sistema internacional e gerou incerteza futura. A resposta ocidental à invasão e a resistência ucraniana superaram os cálculos de Putin e dos militares russos, provavelmente baseados na resposta que haviam obtido com a anexação da Crimeia em 2014. Há guerra limitada entre Rússia e OTAN na Europa desde março de 2022; corroboram o apoio do ocidente à Ucrânia, suficiente para resistir, mas não para ganhar a guerra, e as sanções à Rússia, inimagináveis antes da invasão. A guerra aumentou também a ameaça nuclear: o mundo vive uma situação crítica como não experimentava desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em outubro de 1962.

De que modo as três conjunturas críticas e sua inter-relação com as trajetórias de emissões e de políticas climáticas influenciam a descarbonização nos BRICS nos próximos anos?

A guerra da Ucrânia tem impacto no mercado internacional de energia. As exportações russas de petróleo e gás natural foram redirecionadas da Europa para a China e a Índia. Por um lado, a redução do fornecimento de gás para a Europa limita a descarbonização no curto prazo: a Europa substituiu, em grande medida, o uso do carvão na geração elétrica pelo gás russo, e, em 2022, a tendência inverteu: a Agência Internacional de Energia projeta crescimento de 7% no uso de carvão na União Europeia em 2022 (IEA 2022b). Nos médio e longo prazos, porém, os investimentos em energias renováveis, especialmente energia eólica e solar, seguirão, motivados pela descarbonização e pela segurança energética. Por outro lado, o aumento da oferta de gás e, especialmente, petróleo russo na China e Índia pode reduzir o apelo de medidas de eficiência energética e descarbonização no curto prazo, especialmente na Índia. 

Na China, algumas forças inerciais contribuem para projetar o avanço da descarbonização para os próximos anos: primeira, a posição da indústria chinesa nas cadeias globais de tecnologia de renováveis e o problema grave de poluição do ar, que favorecem a ampliação de participação de fontes de baixo carbono na matriz; segunda, os projetos de reflorestamento para aumentar a captura e o sequestro de carbono, parte de sua política para alcançar o pico de emissões em 2030 e a neutralidade de carbono até 2060. Áreas de florestas plantadas têm aumentado consistentemente na China desde 1999 (Liang et al. 2022, Tong et al. 2020) – ainda que não contribuam para a biodiversidade e causem outros desequilíbrios ambientais, como estresse hídrico (Zhang et al. 2021) quando plantadas em áreas originalmente ocupadas por outras vegetações; terceira, a vulnerabilidade da China à mudança do clima e o aumento de intensidade e frequência dos eventos climáticos extremos, como as ondas de calor e enchentes do verão de 2022. Esses fatores influenciam uma das correntes de atuação presentes no Partido Comunista Chinês, para seguir nos esforços de descarbonização. No entanto, há outra linha, que entra em choque com a primeira, porque defende a expansão do uso do carvão para aumentar a segurança energética e nacional da China, visto que gás e petróleo são importados. O mais provável é que a China siga com a combinação das duas correntes.

A Índia transitou de uma democracia eleitoral para uma autocracia eleitoral nos últimos anos (Boese et al 2022), movimento alimentado por crescente nacionalismo étnico-religioso. Esse nacionalismo, que hierarquiza e exclui grupos, negando a cooperação (Harari 2018), somado ao ressentimento anticolonialista e à ascensão no sistema internacional nas últimas décadas reduzem o engajamento com temas de bem comum, como a mudança climática. Esse posicionamento cria um paradoxo: a Índia é grande importador de energia e tende a aproveitar o momento de preços mais baixos do petróleo no mercado internacional para ampliar as importações e o uso do carvão na geração de eletricidade, aumentando sua segurança energética; ao mesmo tempo, é um dos países mais vulneráveis do mundo à mudança do clima – certamente o mais vulnerável dos BRICS.

A Rússia, de fato, nunca esteve engajada na descarbonização. As doutrinas de segurança energética e segurança nacional editadas nos últimos anos demonstram crescente paranoia do governo russo em relação à mudança do clima, e os acontecimentos praticamente eliminam as possibilidades de engajamento em cooperação multilateral, ao menos no curto prazo. A Rússia tem potencial para aumentar ainda mais suas emissões de GEE nos próximos anos, em razão do degelo da permafrost que cobre grande parte do território central e oriental russo, liberando grande quantidade de metano na atmosfera.

Na África do Sul, há grandes desafios para avançar a descarbonização. A meta de aumento do imposto sobre o carbono – para atingir US$ 20 em 2025 e US$ 30 em 2030, que seria de longe o maior imposto ao carbono dos BRICS e um dos maiores do mundo – é bastante positiva, mas pouco crível, em vista da estrutura energética da África do Sul e dos poderosos interesses em torno do carvão. Diminuir a dependência do carvão significa promover amplas reformas estruturais para aumentar a diversidade econômica, com contrapartidas sociais para ampliar o nível de emprego e reduzir a desigualdade, grandes desafios no país.

Dentre os BRICS, o Brasil é o mais bem posicionado para acelerar a descarbonização. Em relação ao setor de mudança de uso da terra e florestas, a mudança no governo federal em 2023 deve reverter o desmonte institucional no monitoramento e na aplicação da lei contra o desmatamento. 

Dentre os BRICS, o Brasil é o mais bem posicionado para acelerar a descarbonização. Em relação ao setor de mudança de uso da terra e florestas, a mudança no governo federal em 2023 deve reverter o desmonte institucional no monitoramento e na aplicação da lei contra o desmatamento. Dado o perfil conservador do Congresso Nacional eleito, enfrentará resistência para avançar demarcação de terras indígenas, criação de unidades de conservação e contenção de projetos para ampliar a mineração, mas pode angariar apoio se avançar no Brasil o sentimento nacionalista benigno que vê na proteção do meio ambiente – Amazônia em particular – uma pauta importante da identidade nacional (Crespo & Leitão 1993). No setor agropecuário, crescem no país atores engajados com tecnologias mais avançadas de produção, como o sistema lavoura-pecuária-floresta; os padrões internacionais mais rigorosos em relação à proteção ambiental para produtos agropecuários também contribuem para a descarbonização brasileira, dada a participação do setor nas cadeias globais de valor. No setor de energia, há alto potencial de avançar a descarbonização com ampliação da participação de energia eólica e solar e investimentos na produção de hidrogênio verde. Para isso, ajustes no planejamento energético, melhoria na manutenção ruim das linhas de transmissão e investimentos na ampliação de uma rede inteligente (smart grid) são necessários. 

CONCLUSÕES

O mundo encontra-se em um momento crucial da história. Ações da espécie humana tornaram-se o grande vetor de mudanças nos sistemas planetários que asseguram a existência no planeta. Os limites seguros, dentro dos quais o planeta é capaz de manter sua resiliência, estão sendo ultrapassados, entre eles, a mudança do clima. Desde a fundação do regime internacional sobre mudança do clima, em 1992, os países vêm negociando para reduzir a concentração de GEE na atmosfera, com poucos avanços. Em 2015, com o Acordo de Paris, foi inaugurado um novo período nas negociações, no qual cada país indica suas metas de redução de GEE, com obrigação de aumentar a ambição periodicamente. Nesse novo modelo, analisar as perspectivas de cooperação com a agenda internacional requer ir além de análise de política externa para entender as dinâmicas da política doméstica dos países.

Os BRICS são atores relevantes na política climática. Os cinco estão entre os maiores emissores de GEE, tanto em relação a níveis históricos, como em trajetória de emissões desde 1990. Estão, também, entre os grandes produtores e consumidores de combustíveis fósseis, cuja combustão desde 1850 responde pela maior parte do acúmulo de GEE na atmosfera. Para uma descarbonização planetária bem-sucedida, o engajamento dos BRICS é essencial.

Cada país tem um processo de descarbonização particular, influenciado por sua estrutura de emissões, matriz energética e elementos de economia política nos principais setores emissores. 

A China tem avançado parcialmente na descarbonização, motivada pela demanda doméstica de redução de poluição do ar e pela participação nas cadeias globais de valor das tecnologias de baixo carbono. Avanços ocorrem também no setor de mudança de uso da terra e florestas, com altas taxas de florestas plantadas para funcionarem como sumidouros de carbono. No entanto, ao mesmo tempo crescem sua demanda por combustíveis fósseis e o uso de suas reservas de carvão. A metade do crescimento das emissões no mundo origina-se na China, e sua meta de pico de emissões até 2030 é totalmente incompatível com o orçamento global de carbono. Sendo a China o maior emissor de GEE da atualidade, não há descarbonização global sem sua participação comprometida; é preocupante que a Guerra Fria 2.0, entre Estados Unidos e China esteja erodindo a capacidade de cooperação em diversos temas, incluindo na mitigação da mudança do clima. Além da gravidade do problema, a vulnerabilidade da China aos eventos climáticos extremos, que estão cada vez mais frequentes e intensos, pode funcionar como incentivo para uma cooperação, ainda que limitada.

A Índia é um ator conservador no regime climático e um dos grandes defensores da doutrina de responsabilidades históricas. Sua dependência de importação de energia poderia funcionar como vetor de descarbonização, pois avanço de energias renováveis aumentariam sua segurança energética. No entanto, além de contar com vastas reservas de carvão, que são incentivo na direção oposta, avança na Índia um nacionalismo étnico-religioso, que celebra um caminho próprio para a Índia no cenário internacional e reduz o apelo da cooperação internacional. A oferta de combustíveis fósseis da Rússia com preços mais baixos após o início da guerra na Ucrânia também influencia.

A África do Sul enfrenta enormes desafios para a descarbonização. Sua economia foi construída em torno da exploração do carvão e de indústrias energointensivas de commodities minerais. Com pouca diversidade econômica, problemas de discriminação em razão do apartheid, altas taxas de desemprego e de desigualdade, a descarbonização dificilmente avançará sem reformas estruturais. A Rússia está cada vez menos comprometida com a agenda climática. Sempre resistente a compromissos de redução de emissões, nos últimos anos tem avançado no governo russo o discurso do negacionismo climático, com o agravante de entender a agenda como conspiração da comunidade internacional para conter o desenvolvimento russo.

Por fim, o Brasil diverge dos demais BRICS. Primeiro, porque seu perfil de emissões é diferente, pois são majoritárias as emissões do setor de mudança de uso da terra e floresta, especialmente desmatamento. Segundo, porque o Brasil avançou na descarbonização no período entre 2004 e 2012, quando conseguiu reduzir o desmatamento. Terceiro, porque, apesar dos embates domésticos em políticas de uso da terra e agricultura, a pressão dos mercados internacionais de produtos agrícolas tem efeito importante nos incentivos para fazer avançar a descarbonização no país. Com o resultado das eleições de outubro de 2022, haverá embates entre atores tradicionais e progressistas em temas de política de uso da terra no Congresso, mas haverá, ao mesmo tempo, retomada de políticas de controle do desmatamento por parte do Executivo federal. O Brasil é o país com maior potencial de sequestro de carbono do mundo por meio de reflorestamento e florestamento, por possuir um vasto território em áreas tropicais com alto nível de insolação. Na medida em que o mercado global de carbono regulado, aprovado na COP 26, se desenvolva, o Brasil poderá dispor de grande quantidade de créditos de carbono a serem negociados. Para aproveitar essa oportunidade, é fundamental criar um mercado nacional de carbono regulado, e as perspectivas para isso serão favoráveis no governo Lula.  

Diante da diversidade de suas estruturas de emissões, das dinâmicas de política doméstica e dos posicionamentos de política externa, os BRICS não são uma coalizão consistente na política climática internacional. Esse entendimento é importante tanto para compreender as condições reais de avanço da descarbonização global, como para avançar a agenda de pesquisa no tema.  

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Recebido: 13 de novembro de 2022

Aceito para publicação: 17 de novembro de 2022

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