Choques de renda associados ao comércio com a China influenciam a perspectiva de brasileiros sobre laços econômicos com o país. Nossas pesquisas entre legisladores e a opinião pública confirmam que choques concentrados geograficamente atingem amplamente trabalhadores, empresários e residentes, influenciando a visão de legisladores. Regiões que sofreram com a competição chinesa enxergam riscos nos laços com o país, embora as que se beneficiaram não vejam a China mais positivamente do que aquelas não afetadas diretamente. Esses efeitos assimétricos ajudam a compreender o sentimento anti-China dominando a política externa brasileira nos últimos anos.
Décadas de estudos empíricos sobre a origem das preferências das pessoas com relação ao comércio internacional oferecem, surpreendentemente, pouca evidência sobre como interesses individuais influenciam essas preferências (Hainmueller & Hiscox 2006, Kaltenthaler & Miller 2013, Sabet 2016). O mesmo se dá no caso de legisladores, que raramente refletem os interesses econômicos específicos de seu eleitorado (Fordham & McKeown 2003). Esses resultados, surpreendentes, desafiam modelos teóricos estabelecidos (Lake 2009) e vêm provocando novos direcionamentos na pesquisa sobre determinantes de preferências em relação ao comércio exterior. Se não interesses econômicos, o que explicaria o fato de pessoas se posicionarem a favor ou contra a abertura do comércio internacional, ou expressarem uma visão mais negativa ou positiva em relação a um parceiro comercial?
No caso dos cidadãos comuns, muitos estudos têm se voltado para a importância de atitudes como cosmopolitismo, ou a tolerância, na formação das preferências relacionadas ao comércio internacional (Mansfield & Mutz 2009, Hafner-Burton, LeVeck & Victor 2017). Outros recorreram a estudos experimentais para demonstrar que o interesse individual é relevante, mas apenas na medida em que indivíduos estejam cientes deles, o que nem sempre é verdade (Butler & Nickerson 2011, Rho & Tomz 2017). No Legislativo, preocupações com a política externa (Milner & Tingley 2011), ignorância sobre as preferências dos eleitores (Butler & Nickerson 2011) e preferências conflitantes dentro de um mesmo eleitorado (Karol 2007) são explicações frequentes para a desconexão entre os interesses materiais dos eleitores e as preferências de legisladores com relação ao comércio internacional.
Neste artigo[1], nos juntamos a uma vertente da literatura que sustenta que o elo perdido entre interesses individuais e preferências em relação ao comércio exterior está na definição excessivamente estreita de interesses, característica das teorias que predominam na literatura econômica (Mansfield & Mutz 2009, Fordham & Kleinberg 2012). Nós argumentamos que, quando os choques comerciais afetam setores específicos da economia e esses setores estão concentrados geograficamente – quando os choques comerciais são, portanto, localizados –, o interesse individual é determinado por choques de renda que ocorrem no nível local. Dessa forma, seus efeitos não se restringem aos empregados nos setores afetados e estendem-se a outros residentes da mesma localidade. Afirmamos ainda que, como os choques comerciais localizados afetam os interesses de empresários e trabalhadores dentro de um mesmo eleitorado, eles têm maior probabilidade de influenciar as preferências de seus representantes.
Como os choques comerciais localizados afetam os interesses de empresários e trabalhadores dentro de um mesmo eleitorado, eles têm maior probabilidade de influenciar as preferências de seus representantes.
Neste artigo, nós testamos essas hipóteses em uma pesquisa de opinião pública e em outra realizada entre legisladores. Nosso objetivo é identificar se choques de renda localizados e relacionados ao comércio com a China afetam a percepção dos brasileiros sobre o país. A expectativa é que residentes e representantes de localidades prejudicadas (ou beneficiadas) pelo comércio chinês vejam laços econômicos com o país como um risco (ou oportunidade), mais do que aqueles que vivem e representam áreas não diretamente afetadas.
Nossos resultados confirmam essas expectativas, mas apenas no caso de perdedores do comércio chinês. Enquanto os residentes em localidades afetadas por grandes choques de importação são mais propensos a ver os laços com a China como um risco para o Brasil, não há evidências de que os residentes em áreas beneficiadas por choques de exportação estejam mais inclinados a vê-los como uma oportunidade. Esse padrão reforça descobertas anteriores na literatura econômica (Mayda & Rodrik 2005, Baldwin & Robert-Nicoud 2007) e é consistente com a proposição da teoria prospectiva (prospect theory) de que o impacto de perdas tende a ser maior que o de ganhos equivalentes (Jervis 1992, Kahneman & Tversky 1979).
Obtivemos resultados bastante semelhantes entre legisladores; aqueles cujos eleitores residem em localidades expostas a choques de importação tendem a ver laços econômicos com a China predominantemente como um risco. Legisladores de regiões que sofreram com o comércio chinês também apresentam maior probabilidade de ingressar na Frente Legislativa Brasil-China, criada para definir a agenda legislativa bilateral entre os países, e frequentemente apresentam a China de forma negativa em seus discursos parlamentares. A exposição dos eleitores a choques de exportação, por outro lado, não apresenta qualquer influência sobre a atitude de seus representantes em relação à China, em nenhum desses níveis.
Este artigo procede da seguinte forma: a próxima seção descreve as relações econômicas China-Brasil; as duas seções seguintes revisam a literatura sobre os determinantes das preferências comerciais e formulam expectativas para o comportamento individual e do legislador no Brasil; a penúltima seção apresenta nossas análises empíricas; e a última conclui apontando os passos futuros nessa agenda de pesquisa.
A evolução das relações comerciais entre Brasil e China
A presença chinesa no comércio internacional cresceu exponencialmente nas últimas décadas. Independentemente dos benefícios agregados que o comércio com a China possa ter produzido, choques de exportações e importações associados a essa presença criaram vencedores e perdedores em países parceiros. Nos EUA, por exemplo, estudos associam a competição chinesa a um declínio nos empregos industriais (Autor, Dorn & Hanson 2016), ao fechamento de fábricas (Bernard, Jensen & Schott 2006) e à redução da renda de trabalhadores em indústrias afetadas (Autor, Dorn & Hanson 2013, Galle, Rodríguez-Clare & Yi 2017) e a um declínio nas receitas fiscais (Feler & Senses 2017). Na Europa, esse processo não foi diferente; entre 1988 e 2007, a China passou de uma participação média de 1% nas importações de manufaturas europeias para 7%, enquanto o valor total das importações dobrou em termos reais, com impactos tangíveis na indústria local (Colantone & Stanig 2018b).
Mesmo considerando o enorme efeito que o crescimento chinês teve nos mercados mundiais, entretanto, o caso brasileiro ainda se destaca. Desde a adesão da China à OMC, em 2001, o comércio bilateral cresceu exponencialmente entre os dois países (Figura 1a). Em menos de dez anos, a China passou de 12º maior destino de exportação do Brasil para se tornar seu principal parceiro econômico, e o mesmo vem acontecendo com relação ao investimento direto e financeiro (Rodrigues, Urdinez & de Oliveira 2019). Em 2000, o Brasil recebeu 2,3% de suas importações e enviou 2,0% de suas exportações para a China (em valor); em 2010, esses números subiram para 14,5% e 15,1%, respectivamente. Graças a um aumento substancial da demanda chinesa, o Brasil experimentou uma bonança sem precedentes nas receitas comerciais e uma aceleração das taxas de crescimento econômico na última década (Jenkins 2015).
Do ponto de vista teórico, é importante notar que Brasil e China desenvolveram um padrão de comércio de commodities-por-manufatura (Figura 1b), muito semelhante às relações centro-periferia que preocuparam os teóricos da dependência no passado (Singer 1950). As importações chinesas, concentradas em poucos produtos primários como minerais, vegetais e combustíveis, levaram a uma primarização das exportações brasileiras, gerando um intenso debate sobre seus custos e benefícios para o país (Ferchen 2011, Jenkins & de Freitas Barbosa 2012).
Não surpreendentemente, a demanda chinesa por commodities produziu um choque positivo nas áreas agroexportadoras. Para atender ao crescente mercado de soja e seus subprodutos, a fronteira agrícola avançou para os estados de Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul (Oliveira & Schneider 2016). Estados tradicionais agroexportadores, como Rio Grande do Sul e Paraná, também gradualmente substituíram outras culturas (algodão, milho, arroz e fumo) pela soja. Como resultado, de acordo com o Ministério da Agricultura (CNA 2017), quatro estados – Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás – agora concentram 70% do agronegócio no Brasil.
Regiões industriais, por outro lado, sofreram com a concorrência chinesa. Desde os tempos de industrialização por substituição de importações na década de 1930, a indústria brasileira tem lutado para competir na economia mundial. Nos anos 2000, os governos do Partido dos Trabalhadores restabeleceram parcialmente as proteções à manufatura que haviam sido desmanteladas nos anos 1990 (Baer 2018). No entanto, há evidências de que as manufaturas chinesas prejudicaram indústrias como têxteis, eletrônicos e máquinas durante esse período, competindo tanto no mercado interno quanto em outros mercados latino-americanos (Jenkins 2015, Paz 2018). Assim como o agronegócio, a produção industrial brasileira é altamente concentrada geograficamente. A maior parte está localizada nas grandes regiões metropolitanas do Sul e Sudeste do país, principalmente em São Paulo, seguida pelas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba.
Figura 1: O índice de similaridade de exportação captura a concorrência entre China e Brasil no mercado mundial. A Figura 1(a) apresenta as tendências das importações e exportações brasileiras para a China, e a Figura 1(b) apresenta o índice de similaridade das exportações [Fonte: UN Comtrade].
A maioria dos estudos sobre as consequências dos choques comerciais da China no Brasil até este momento se concentraram no impacto econômico da concorrência chinesa sobre os fabricantes brasileiros (Barton & Rehner 2018, Gallagher & Porzecanski 2008, Jenkins 2015, Moreira 2007, Paz 2018). Apenas recentemente a literatura passou a investigar o impacto positivo dessas relações nos setores exportadores de commodities no país. Costa et al. (2016), por exemplo, constatam que, embora o comércio chinês tenha prejudicado os salários industriais brasileiros, esse efeito foi mais do que compensado pelos aumentos salariais e pela formalização de empregos nos setores agrícola e extrativista do país. Os autores empregam dados censitários e uma estratégia de identificação que se baseia em comparações de microrregiões com parcelas semelhantes de emprego na agricultura no ano 2000 e, em seguida, se valem da existência de variados padrões de especialização entre culturas para calcular os choques de importação e exportação por trabalhador, por microrregião brasileira, que ocorreram entre 2000 e 2010.
Nosso artigo parte desses dados para ampliar o entendimento do potencial impacto político do comércio com a China, ao examinar como as percepções sobre o país variam entre grupos que se beneficiaram ou foram prejudicados pelo comércio chinês.
Como cidadãos reagem ao comércio Brasil-China
Os determinantes econômicos das atitudes em relação ao comércio exterior são um tema tradicional da economia política internacional (Kaltenthaler, Gelleny & Ceccoli 2004, Mansfield & Mutz 2009, Milner & Tingley 2011). Grande parte da pesquisa realizada sobre este tema evoluiu dentro do paradigma da política de economias abertas (open economy politics, OEP) e assume que essas atitudes refletem interesses individuais derivados de modelos econômicos bem estabelecidos.
De forma simplificada, esses interesses individuais são derivados de dois modelos, comumente referidos como fatorial (Stolper-Samuelson) e setorial (Ricardo-Viner). Em ambos os modelos, o comércio internacional leva os países a exportar/importar produtos intensivos no uso do fator de produção relativamente abundante/escasso. O modelo fatorial, entretanto, pressupõe que os fatores de produção (capital e trabalho, na versão mais simples) se movem sem custos entre setores da economia. Com isso, ele implica que, com a abertura comercial, a renda do fator abundante aumenta relativamente àquela do fator escasso. Ilustrando, o comércio entre dois países produziria o aumento da renda do trabalho e queda dos retornos do investimento no país abundante em mão de obra, e o oposto em um país relativamente abundante em capital. Sendo assim, espera-se que trabalhadores sejam pró-abertura comercial e investidores sejam protecionistas no primeiro caso, e que essas preferências se invertam no segundo.
A diferença do modelo setorial é que ele relaxa o pressuposto de mobilidade plena dos fatores entre setores da economia. Custos de mobilidade implicam que o comércio favorece os fatores específicos empregados nos setores exportadores e prejudica aqueles que estão empregados em setores que concorrem com importações. Neste caso, tanto investidores quanto empregados nos setores exportadores deveriam apoiar a abertura comercial, e o contrário seria esperado em setores que concorrem com importações. Concluindo, espera-se que as preferências pela abertura comercial ou pelo protecionismo se formem ao longo de linhas fatoriais e setoriais, respectivamente, dependendo dos níveis de mobilidade dos fatores observados em uma dada economia (Hiscox 2002, Rogowski 1989).
A vasta maioria das pesquisas empíricas sobre os determinantes das preferências comerciais no nível individual testa as implicações dos modelos fatorial e setorial nos países da OCDE, sobretudo nos Estados Unidos. Esses estudos são surpreendentemente pouco conclusivos; o achado mais comum entre eles é uma relação consistente entre educação (skills, fator abundante nestes casos) e apoio ao livre comércio, sobretudo nos Estados Unidos. Este achado foi muitas vezes interpretado como evidência em apoio ao modelo de dotação de fatores (Kaltenthaler et al. 2004, Mayda & Rodrik 2005, Scheve & Slaughter 2001).
Pesquisas recentes vêm desafiando essa interpretação. Hainmueller & Hiscox (2006), por exemplo, argumentam que a associação entre educação e apoio ao livre comércio, ao invés de refletir interesses individuais, revela uma realidade mais prosaica – a exposição dos indivíduos a ideias de livre comércio. Os autores usam os mesmos dados de Mayda & Rodrik (2005) e Scheve & Slaughter (2001) para mostrar que não há impacto linear da educação em preferências por abertura/proteção comercial como o modelo fatorial implicaria – o que se observa é que indivíduos com educação superior são desproporcionalmente mais favoráveis ao livre comércio. Os autores mostram também que a educação tem um efeito sobre preferências comerciais mesmo entre aposentados, que em tese já não se beneficiam dela. Mansfield & Mutz (2009) reforçam que os efeitos da educação refletem menos o interesse pessoal e mais a percepção das pessoas sobre estrangeiros e imigrantes, refletida em atitudes como etnocentrismo e isolacionismo. Outros estudos que se seguiram vêm progressivamente questionando a centralidade dos interesses materiais e se voltando para o impacto de ideias, valores e atitudes na formação de preferências sobre comércio exterior (Lü, Scheve & Slaughter 2012, Sabet 2016).
Outra vertente desta literatura argumenta que preferências sobre o comércio internacional se formam de acordo com preferências individuais, mas isso ocorre apenas na medida em que os indivíduos compreendem como são afetados pelo comércio, o que nem sempre acontece. Hiscox (2006), por exemplo, conduz um experimento que testa como a alusão a consequências negativas (perdas de empregos) e positivas (produtos mais baratos) afeta as percepções dos indivíduos sobre a globalização. O autor encontra um efeito relevante da alusão a efeitos negativos, em particular entre os respondentes menos instruídos. Rho & Tomz (2017) também mostram que, quando expostos a informações sobre quem são os grupos beneficiados ou prejudicados pela globalização, indivíduos exibem preferências consistentes com seus próprios interesses. Ardanaz, Murillo & Pinto (2013) aplicam a mesma pesquisa de Hiscox (2006) na Argentina e argumentam que a sensibilidade às alusões a consequências da globalização é mais forte entre os menos diretamente afetados pela abertura comercial. Eles concluem que aqueles diretamente afetados provavelmente já haviam sido expostos a informações suficientes para formar crenças mais fortes, tornando-se menos sujeitos a manipulações.
Por fim, vários autores argumentam que a pouca evidência empírica da relevância de interesses individuais na formação de preferências sobre comércio exterior decorre da definição excessivamente estrita desses interesses. Mansfield & Mutz (2009) baseiam-se na literatura sobre voto econômico para argumentar que o interesse próprio estritamente definido raramente molda as preferências políticas, porque as pessoas não entendem a conexão entre o bem-estar pessoal e as políticas públicas. Em vez disso, eles sustentam que as preferências comerciais são sociotrópicas, ou seja, baseiam-se na percepção dos indivíduos sobre como as decisões políticas afetam sua comunidade de forma mais ampla.
Assim como Mansfield & Mutz (2009), Fordham & Kleinberg (2012) argumentam que as condições econômicas locais influenciam a percepção dos indivíduos sobre a gestão da economia pelo governo e que é muito difícil separar os interesses individuais dos grupos. As pessoas podem saber pouco sobre comércio, mas aprendem com a família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, líderes empresariais e grupos organizados; indivíduos que vivem próximos uns dos outros provavelmente compartilham interesses e experimentam as mesmas bonanças e crises econômicas (Kiewiet 1983). As caracterizações negativas de determinados parceiros comerciais, por exemplo, repercutem em indivíduos que sofrem pessoalmente com a concorrência internacional, como empresários e seus funcionários, mas se estendem também a toda uma rede de beneficiários econômicos secundários de atividades nesses setores (Colantone & Stanig 2018a, Kleinberg & Fordham 2010).
Ainda dentro desta lógica sociotrópica, vários estudos têm voltado seu foco para o impacto eleitoral de choques de renda localizados (concentrados geograficamente) associados ao comércio internacional. Margalit (2012) mede o impacto da abertura comercial nas demissões em condados dos EUA, em uma tentativa de explorar o efeito localizado da perda de empregos no voto. Jensen et al. (2017) mostram que choques comerciais localizados levam a um aumento/diminuição nos votos do partido do governo nos municípios em que a maioria da força de trabalho é de alta/baixa qualificação. Ardanaz et al. (2013) também usam a região do respondente – classificada como concorrente com importação ou exportadora – como proxy para os efeitos multiplicadores dos choques comerciais no setor de serviços, que geralmente emprega a maior parte da força de trabalho.
No caso particular de choques localizados do comércio com a China nos Estados Unidos, estudos mostram que os choques de importação aumentam os votos para o partido Democrata, mais propenso a apoiar as restrições comerciais (Che et al. 2016). Em contraste, Autor et al. (2016) evidenciam que os choques comerciais da China empurram os eleitores para os extremos políticos, que podem ser democratas mais liberais ou republicanos mais conservadores, dependendo da demografia do distrito. Na Europa, Colantone & Stanig (2018b) observam que choques de importação por conta da competição chinesa produzem um aumento do apoio a partidos nacionalistas e isolacionistas, bem como uma virada à direita no eleitorado.
Realizamos uma pesquisa de opinião pública com o intuito de identificar se choques de renda localizados relacionados ao comércio com a China afetam a percepção de residentes sobre o país.
Neste artigo, realizamos uma pesquisa de opinião pública com o intuito de identificar se choques de renda localizados relacionados ao comércio com a China afetam a percepção de residentes sobre o país. Dada a concentração geográfica desses choques, nossa expectativa é que seus efeitos se estendam para além dos trabalhadores em setores beneficiados ou prejudicados, alcançando os demais residentes da localidade em questão. Em resumo, antecipamos que a percepção de um indivíduo sobre integração com a China deve piorar/melhorar com a magnitude do choque de importações/exportações sofrido em sua localidade.
Respostas de Legisladores a Choques Comerciais Localizados
Diferentemente do que acontece em outros países, o Congresso brasileiro não é um ator-chave na política econômica externa. O que nos motivaria, então, a estudar a visão dos legisladores sobre a integração com a China? Se não é óbvio que uma postura anti-China na opinião pública possa influenciar o comportamento dos governos em relação ao país, há poucos sinais de que as opiniões dos legisladores sejam centrais nesse processo.
Para responder a essa pergunta é importante notar, em primeiro lugar, que se o Congresso não tem um papel ativo nas decisões de política externa, ele pode agir e age como um ponto de veto (gatekeeper). O Congresso brasileiro, por exemplo, já levou mais de 14 anos para ratificar o status de economia de mercado da China na OMC, graças à resistência de legisladores que representam regiões afetadas pela concorrência chinesa. Da mesma forma, o Brasil ainda é apenas um potencial membro do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) – um Banco Multilateral de Desenvolvimento criado pela China –, porque o Congresso brasileiro não aprova desde 2015 o desembolso de dinheiro para comprar ações do banco. Por fim, o Ministério de Minas e Energia propôs um projeto de lei em 2012 para aumentar a parcela de terras que podem ser de propriedade de empresas controladas por estrangeiros, tema de particular interesse para a China. Este projeto de lei ainda não foi submetido à votação graças à forte resistência no Congresso.
Além dessas questões específicas, é sabido que os legisladores costumam atuar como ponte (brokers) entre as empresas privadas e o Executivo (Boas et al. 2014). Se é verdade que uma boa reputação com os legisladores beneficia as relações com o governo, as visões negativas da China entre os legisladores provavelmente têm o efeito oposto, potencialmente prejudicando as empresas chinesas que planejam operar no Brasil.
Finalmente, é importante notar que os políticos brasileiros frequentemente transitam entre os poderes Legislativo e Executivo (Samuels 2000, 2003). Poucos legisladores fazem toda a sua carreira no Congresso e muitos deixam o Legislativo por cargos no Executivo, tanto eleitos quanto nomeados. Como tal, o congressista de hoje pode muito bem ser o governador ou membro do gabinete de amanhã responsável pela negociação de contratos com empresas chinesas. Em última análise, a relevância dos legisladores é evidenciada pelo fato de a Embaixada da China no Brasil organizar sistematicamente viagens em que levam parlamentares recém-eleitos à China, com todas as despesas cobertas, para discutir futuras colaborações e oportunidades de negócios (Bloomberg 2019, Neves 2019).
O trabalho acadêmico encontra algumas evidências de que os interesses do eleitorado afetam as preferências dos legisladores em relação ao comércio internacional, mas há pouco consenso sobre a relevância desse efeito (Butler & Nickerson 2011, Fordham & McKeown 2003, Karol 2007). Fordham e McKeown (2003, 213), por exemplo, afirmam que “embora a maioria dos estudiosos provavelmente reconheça que os interesses econômicos do eleitorado desempenham um papel importante na formação dos votos dos membros do Congresso sobre política econômica, esses interesses desempenham apenas um papel marginal em alguns dos mais influentes modelos empíricos de votação nominal”. Essa afirmação é reforçada em Guisinger (2009) e Hainmueller & Hiscox (2006). Mais recentemente, o estudo de Milner & Tingley (2011) sobre os votos dos legisladores sobre as políticas comerciais dos EUA encontra suporte para as teorias de economia política, mas nota que as preocupações de presidentes com a política externa frequentemente superam os interesses locais.
Há várias razões plausíveis para que as preferências do eleitorado e do legislador divirjam sobre este tema. A mais óbvia é que, como observam Milner & Tingley (2011), objetivos conflitantes de política externa prevaleçam. No caso específico do Brasil, dada a intensificação das relações comerciais com os países do Sul Global que marcou o período estudado, seria razoável esperar que a política externa contribuísse para magnificar as perspectivas otimistas sobre os laços com a China. Alternativamente, a literatura sugere que os legisladores nem sempre estão cientes das preferências de seus eleitores (Butler e Nickerson 2011). Novamente, não consideramos que este seja o caso no Brasil; a natureza dos choques comerciais da China – massivos, concentrados em um período de tempo relativamente curto e também geograficamente – torna muito implausível que os legisladores os ignorem.
Finalmente, é plausível que os legisladores estejam cientes do impacto dos choques comerciais em seu eleitorado, mas que o financiamento de campanha produzisse incentivos conflitantes. Nos EUA, por exemplo, onde a mobilidade dos fatores de produção é alta e as clivagens comerciais são formadas de acordo com o modelo fatorial, os principais lobbies empresariais apoiam a liberalização do comércio, enquanto o trabalho organizado se opõe a ela (Karol 2007).
No Brasil, por outro lado, a baixa mobilidade dos fatores de produção e a concentração geográfica dos setores beneficiados e prejudicados pelo comércio chinês implicam que elas afetam tanto empresários como trabalhadores de maneira semelhante. Por conta disso, choques comerciais têm melhores chances de influenciar a agenda legislativa no Brasil do que em países nos quais prevalecem as clivagens de fatores, ou em que os setores não estão agrupados geograficamente. Assim, de forma análoga às nossas expectativas em relação aos cidadãos, postulamos que a visão dos legisladores sobre a China deve piorar/melhorar com a magnitude dos choques de importação/exportação que incorrem sobre seu eleitorado.
Dados e Análises
Nossa análise prossegue em duas etapas, começando pela opinião pública e depois passando para a perspectiva dos legisladores.
Percepções Individuais sobre a China
Os choques comerciais da China afetam a percepção dos brasileiros sobre o país? Em nossos modelos empíricos, a principal variável explicativa são os choques comerciais localizados, calculados por Costa et al. (2016). Os autores recuperaram dados do IBGE para calcular as mudanças nos resultados do mercado de trabalho de regiões produtoras de manufaturas afetadas pelo aumento da oferta de importados chineses e localidades especializadas em matérias-primas importadas pela China, por quatro décadas: 1980, 1990, 2000 e 2010 (ver Costa et al. 2016, 55). Os choques são medidos em milhares de dólares por trabalhador e revelam que, entre 2000 e 2010 (período que utilizamos em nossa análise), uma microrregião brasileira recebeu, em média, um choque de concorrência de importados chineses de US$ 260 por trabalhador e um choque de demanda por produtos de exportação brasileiros de US$ 466 por trabalhador. Ambas as variáveis implicam que uma baixa porcentagem de microrregioões sofreu grandes choques de exportação ou importação da China, equanto a maioria das localidade não sofreu nenhum efeito direto.
Os mapas da Figura 2 a seguir mostram a concentração geográfica dos choques, principalmente quando se trata de importações. Vale notar que os dois choques afetam conjuntos diferentes de microrregiões, apresentando uma baixa correlação de apenas 0,07 entre eles.
Figura 2: Choques de importação (esquerda) e exportação (direita) por trabalhador, por microrregião. Variáveis expressas em decis.
De posse desses dados, nós contratamos uma empresa de pesquisas online, para identificar as percepções da opinião pública sobre os laços entre Brasil e China.[2] Na tentativa de capturar a variação nos choques comerciais, empregamos estimativas do impacto do comércio com a China por Costa et al. (2016) para classificar as localidades em três estratos: (1) aquelas que sofreram grandes choques de importação; (2) as que receberam grandes choques de exportação; e (3) um grupo de controle, composto por localidades não afetadas diretamente pelo comércio com a China. Os critérios para definir esses três grupos foram baseados em uma regra conservadora: municípios no quartil superior do choque de importações (acima de US$ 880 por trabalhador) e municípios no quartil superior do choque de exportação (acima de US$ 1.190 por trabalhador). Municípios abaixo do limite em ambos servem como nosso grupo de controle.
Perguntamos às pessoas “O quanto você concorda com a frase: laços mais fortes com a China trarão mais riscos do que oportunidades para o Brasil”, com respostas variando ao longo de uma escala ordinal entre “discordo totalmente” e “concordo totalmente”. Evitamos intencionalmente perguntar diretamente aos entrevistados sobre comércio ou investimento, uma vez que nosso objetivo era captar percepções sobre a China como parceira do Brasil de forma mais ampla.
Perguntamos também o nível educacional e a renda dos respondentes que, de acordo com o modelo fatorial, devem ter um impacto negativo nas visões sobre o comércio em países com mão de obra relativamente pouco educada, como é o caso do Brasil. Foram coletadas, por fim, informações sobre ideologia, idade do entrevistado e setor de trabalho (agricultura/extrativismo, indústria e serviços). Também perguntamos se os entrevistados viam a presença da China como um investidor (32% das respostas), concorrente (13% das respostas), mercado (17% das respostas) ou fornecedor (41% das respostas). Nosso pressuposto é que os que veem a China como concorrente/mercado deveriam ser mais responsivos aos choques de importação/exportação.
Resultados
Nossos estudos revelam que os moradores de municípios atingidos por choques de importação são mais propensos a perceber a integração com a China como um risco para o Brasil. A Figura 3 abaixo revela que choques de importação por conta do comércio com a China diminuem (aumentam) a probabilidade de que um residente discorde (concorde) com a afirmação de que laços com a China trazem mais riscos do que oportunidades para o Brasil. Interessantemente, os choques nas exportações não têm efeito equivalente. Ou seja, pessoas residentes em áreas que se beneficiaram de choques de exportação não apresentam maior probabilidade de considerar os laços com a China como uma oportunidade mais do que aqueles que vivem em localidades não afetadas.
Figura 3: Efeito de choques de importação (escuro) e exportação (claro) na probabilidade de que o residente concorde com a pergunta “O quanto você concorda com a frase: laços mais fortes com a China trarão mais riscos do que oportunidades para o Brasil”.
A assimetria de respostas entre vencedores e perdedores do comércio reforça achados anteriores da literatura. Mayda & Rodrik (2005), por exemplo, concluem que indivíduos empregados em indústrias que concorrem com importações são mais propensos a favorecer restrições comerciais, em comparação com aqueles que trabalham no setor terciário. Indivíduos empregados em setores voltados para a exportação, no entanto, não são significativamente menos predispostos a restrições comerciais. Esse resultado também é consistente com a afirmação da teoria prospectiva de que os impactos de perdas são maiores do que os de ganhos equivalentes (Jervis 1992, Kahneman & Tversky 1979).
É bastante plausível que os indivíduos afetados pelas consequências negativas dos choques de importação locais – fechamento de empresas, perda de empregos de vizinhos e familiares – estejam mais conscientes da crise do que os que vivem sob uma prosperidade incomum graças a um choque de exportação. Além disso, a propensão humana de culpar os outros por maus resultados e, ao mesmo tempo, dificilmente dar crédito pelos bons, é amplamente documentada na literatura de Psicologia (Baldwin & Robert-Nicoud 2007). Existe abundante evidência anedótica em jornais nacionais e locais que retratam as reclamações de industriais e políticos brasileiros em relação ao comércio desleal chinês.
O setor do emprego dos respondentes não tem efeito em suas visões sobre a China em nenhum dos casos, nem mesmo entre residentes em localidades beneficiadas. Esse achado reforça a conclusão de que, quando os choques comerciais são localizados, seus efeitos sobre a renda não se restringem aos empregados da indústria afetada, abrangendo os empregados do setor não comercializável da mesma localidade. Interpretamos o fato de que indivíduos que identificam a China como concorrente são mais responsivos a choques de importação como mais uma evidência de que essa relação não é espúria.
Dentre os atributos individuais, a educação se destaca como o mais relevante. Brasileiros mais instruídos são menos propensos a ver as relações com a China como um risco. Considerando que o trabalho de alta qualificação é um recurso escasso no país, essa evidência sugere que a educação provavelmente captura atitudes como cosmopolitismo ou simplesmente exposição a ideias de livre comércio (Jensmueller & Hiscox 2006, Ardanaz, Murillo & Pinto 2013), mais do que o interesse individual. O achado de que homens e idosos veem a integração com a China de forma mais favorável são consistentes com resultados anteriores documentados na literatura. O impacto da renda, apesar de significativo do ponto de vista estatístico, é substancialmente irrelevante.
Percepção de Legisladores sobre a China
Para avaliar a opinião dos legisladores sobre as relações com a China, utilizamos as respostas à mesma pergunta feita à opinião pública. Desta vez, no entanto, ela foi inserida nas ondas de 2013 e 2017 da Pesquisa Legislativa Brasileira (Brazilian Legislative Survey, BLS), que vem sendo realizada aproximadamente a cada quatro anos desde 1990 no Congresso brasileiro e conta com as respostas dos legisladores a uma bateria de questões políticas e econômicas (Power & Zucco Jr 2019). A BLS também inclui informações básicas sobre os legisladores, como seu partido, ideologia autorrelatada e estado. Esses dados estão disponíveis para 278 parlamentares, que representam 47% do total de 594 parlamentares no Congresso brasileiro. A amostra não é representativa do Congresso brasileiro, mas, para nossos propósitos, o que importa é que temos variação suficiente entre representantes de eleitorados vencedores, não afetados e perdedores.
Além da percepção de laços com a China como risco ou oportunidade, testamos o efeito dos choques comerciais sobre a propensão dos legisladores a participarem da Frente Legislativa Brasil-China – oficialmente destinada a impulsionar as relações bilaterais dos países. No momento da redação deste artigo, a bancada era composta por 202 deputados e seis senadores, e, em nossa amostra, 59 dos 278 parlamentares são membros (22% da amostra). A amostra abrange parlamentares de 19 partidos diferentes no Congresso brasileiro, sendo os mais representados o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) com dez, Movimento Democrático Brasileiro (MDB) com 15 e Partido Socialista Brasileiro (PSB) com 15. Em termos de representação geográfica, há legisladores de 18 dos 27 estados, sendo São Paulo o maior número (11), seguido por Minas Gerais (oito) e Paraná (seis). Embora os nomes tenham mudado no decorrer do tempo, o tamanho do grupo permaneceu relativamente constante ao longo do período desde que a Frente foi criada em 2004.
Por fim, realizamos uma análise de conteúdo dos discursos legislativos referentes à China e examinamos se eles refletem os choques comerciais que ocorreram sobre o eleitorado dos legisladores. Recuperamos o texto completo dos discursos parlamentares em que a China foi mencionada entre 2010 e 2018, obtendo um total de 334 discursos parlamentares, que classificamos manualmente como tendo uma conotação positiva ou negativa em relação à China, seguindo uma codificação duplo-cega técnica.
Assim como na pesquisa nacional, nossa principal variável independente é uma medida de choques comerciais da China, agora agregada pelo eleitorado dos legisladores. Para realizar essa agregação, recuperamos os dados das eleições nacionais de 2014 do CEPESP-FGV para cada legislador que respondeu à pesquisa do BLS. Em seguida, ponderamos os choques comerciais pelo número de votos que cada senador e deputado eleito recebeu em cada microrregião, para obter uma medida agregada de choques de importação e exportação por distrito.
Resultados
Em consonância com a pesquisa de opinião pública, nosso estudo revela que representantes de eleitores afetados por choques de importação são mais propensos a ver os laços com a China como um risco para o Brasil. A Figura 4, abaixo, revela que choques de importação sofridos por uma localidade aumentam a probabilidade de que seu representante concorde com a afirmação de que “laços com a China trarão mais riscos do que oportunidades para o Brasil”. Novamente, choques de exportação não apresentam qualquer efeito nessa probabilidade.
Figura 4: Efeito de choques de importação (escuro) e exportação (claro) na probabilidade de que o representante (legislador) concorde com a pergunta “O quanto você concorda com a frase: laços mais fortes com a China trarão mais riscos do que oportunidades para o Brasil”.
A probabilidade média de um legislador de concordar, ou concordar fortemente, que laços com a China representam um risco e não uma oportunidade para o Brasil é de 14% quando o choque em seu eleitorado é de US$ 266/trab, a média nacional. Essa probabilidade cresce para 24% quando o impacto é de US$ 1.220/trab., equivalente ao decil superior da amostra, e para 36% quando chega a US$ 2.140/trab., o valor máximo observado.
Encontramos, também, que os representantes das localidades prejudicadas pela concorrência chinesa são mais propensos a participar da Bancada Legislativa Brasil-China e a se referirem à China de forma negativa em discursos legislativos. Mais uma vez, os choques nas exportações não têm efeito em nenhum dos casos.
Tomados em conjunto, esses achados sugerem que, assim como no caso dos cidadãos, as opiniões dos legisladores sobre laços do Brasil com a China são influenciadas por choques de renda localizados e associados ao comércio com o país. Esse efeito, em ambos os casos, é restrito a perdedores do comércio chinês — residentes e representantes de regiões que sofreram com a concorrência chinesa.
Conclusão
Este artigo examinou se choques localizados de importação e exportação associados ao crescimento do comércio com a China afetaram a visão dos brasileiros sobre os laços econômicos com o país. Exploramos essa questão tanto no nível da opinião pública quanto no Legislativo, conectando literaturas que raramente dialogam.
Argumentamos que, quando os choques comerciais são localizados – como é o caso daqueles associados ao comércio com a China – as reações a eles são influenciadas por choques de renda que ocorrem no nível local. Seus efeitos vão além dos trabalhadores empregados em setores que sofrem com a concorrência chinesa, se estendem aos demais residentes da mesma localidade. Argumentamos, ainda, que, por afetar os interesses de empresários e trabalhadores dentro de uma mesma localidade, esses choques também teriam maior probabilidade de se refletir nas percepções dos representantes dessas regiões. Testamos essas hipóteses em pesquisas entre representantes e moradores de regiões afetadas pelo comércio chinês.
Nossos resultados ofereceram suporte para nossa teoria, mas apenas entre aqueles que residem ou representam regiões que sofreram com a concorrência chinesa. Esses tendem a ver laços com a China predominantemente como um risco para o Brasil. Já representantes e residentes em localidades beneficiadas pelo aumento das exportações para a China não veem esses laços como uma oportunidade mais do que o restante do país. Esses resultados flagrantemente assimétricos podem ajudar a compreender o sentimento anti-China que vem caracterizando a postura do governo brasileiro nos últimos anos. Enquanto perdedores do comércio chinês se encontram mobilizados quanto a medidas de proteção em relação ao país, o agronegócio, base importante de apoio do governo Bolsonaro, parece indiferente a investidas do governo contra a China.
Em última análise, nossos achados estendem a pesquisa sobre os perdedores da globalização para além do mundo desenvolvido, que até agora recebeu a maior parte da atenção da literatura. Eles sugerem que, em países nos quais os mecanismos de compensação são reconhecidamente escassos, as respostas assimétricas às perdas do comércio podem ser um potencial impulsionador de uma reação generalizada contra a globalização, como vem acontecendo em outros países.
Notas
[1] Este texto é uma versão editada de Campello & Urdinez 2021.
[2] Estudo UCXXCL_138560 da Netquest, conduzido entre 8 e 19 de agosto de 2018. Foram realizados 7144 convites na base de dados mantida pela empresa, dos quais 2157 foram aceitos, chegando a 1350 respostas válidas.
Ansolabehere, Stephen, Marc Meredith & Erik Snowberg. 2014. “Macro-Economic Voting: Local Information and Micro-Perceptions of the Macro-Economy”. Economics & Politics 26 (3): 380-410. https://doi.org/10.1111/ecpo.12040.
Ardanaz, Martin, M. Victoria Murillo & Pablo M. Pinto. 2013. “Sensitivity to Issue Framing on Trade Policy Preferences: Evidence from a Survey Experiment”. International Organization 67 (2): 411–37. https://doi.org/10.1017/S0020818313000076.
Autor, David H., David Dorn & Gordon H. Hanson. 2013. “The China Syndrome: Local Labor Market Effects of Import Competition in the United States”. American Economic Review 103 (6): 2121-68. https://doi.org/10.1257/aer.103.6.2121.
Autor, David H., David Dorn & Gordon H. Hanson. 2016. “The China Shock: Learning from Labor-Market Adjustment to Large Changes in Trade”. Annual Review of Economics, 8: 205-240. https://doi.org/10.3386/w21906
Baer, Werner. 2018. “Brazil's Import-Substitution Industrialization”. The Oxford Handbook of the Brazilian Economy, organizado por Edmund Amann, Carlos R. Azzoni & Werner Baer. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780190499983.013.5.
Bailey, Michael A., Judith Goldstein & Barry R. Weingast. 1997. “The Institutional Roots of American Trade Policy: Politics, Coalitions, and International Trade”. World Politics 49 (3): 309–38. http://www.jstor.org/stable/25054005.
Baker, Andy. 2003. “Why Is Trade Reform So Popular in Latin America? A Consumption-Based Theory of Trade Policy Preferences.” World Politics 55 (3): 423–55. https://doi.org/10.1353/wp.2003.0014.
Baker, Andy. 2009. "The Market and the Masses in Latin America: Policy Reform and Consumption in Liberalizing Economies". Cambridge Studies in Comparative Politics. Cambridge: Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511576447.
Baldwin, Richard E. & Frédéric Robert-Nicoud. 2007. “Entry and Asymmetric Lobbying: Why Governments Pick Losers.” Journal of the European Economic Association 5 (5): 1064–93. http://www.jstor.org/stable/40005032.
Barton, Jonathan & Johannes Rehner. 2018. “Neostructuralism through Strategic Transaction: The Geopolinomics of China's Dragon Doctrine for Latin America”. Political Geography 65: 77-87. http://dx.doi.org/10.1016/j.polgeo.2018.05.002.
Bernard, Andrew B., Bradford Jensen & Peter K. Schott. 2006. “Survival of the Best Fit: Exposure to Low-wage Countries and the (uneven) Growth of U.S. Manufacturing Plants”. Journal of International Economics 68 (1): 219-237. https://doi.org/10.1016/j.jinteco.2005.06.002
Bloomberg. 2019. “Viagem à China com tudo pago impressiona parlamentares brasileiros”. Infomoney, 8 de outubro de 2019. https://www.infomoney.com.br/politica/viagem-a-china-com-tudo-pago-impressiona-parlamentares-brasileiros/
Butler, Daniel M. & David W. Nickerson. 2011. “Can Learning Constituency Opinion Affect How Legislators Vote? Results from a Field Experiment”. Quarterly Journal of Political Science 6 (1): 55-83. http:/dx.doi.org/10.1561/100.00011019.
Campello, Daniela & Francisco Urdinez. 2021. “Voter and Legislator Responses to Localized Trade Shocks from China in Brazil.” Comparative Political Studies 54 (7): 1131–62. https://doi.org/10.1177/0010414020970233.
CNA. 2017. “Quatro estados concentram quase 70% da produção de grãos do país. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”. Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, 19 de maio 2017. https://www.cnabrasil.org.br/noticias/quatro-estados-concentram-quase-70-da-producao-de-graos-do-pais#:~:text=A%20concentra%C3%A7%C3%A3o%20de%20produ%C3%A7%C3%A3o%20agr%C3%ADcola,Pecu%C3%A1ria%20e%20Abastecimento%2C%20%C3%A0%20alta
Colantone, Italo & Piero Stanig 2018a. “Global Competition and Brexit”. American Political Science Review 112 (2): 201-218. https://doi.org/10.1017/S0003055417000685.
Colantone, Italo & Piero Stanig. 2018b. “The Trade Origins of Economic Nationalism: Import Competition and Voting Behavior in Western Europe”. American Journal of Political Science 62 (4): 936-953. https://doi.org/10.1111/ajps.12358.
Costa, Francisco, Jason Garred & João Paulo Pessoa. 2016. “Winners and Losers from a Commodities-for-manufactures Trade Boom”. Journal of International Economics 102: 50-69. https://doi.org/10.1016/j.jinteco.2016.04.005
Lima, Maria Regina Soares de & Fabiano Santos. 1998. Brazilian Congress and Foreign Trade Policy. Apresentação no Encontro da Latin American Studies Association, Chicago, 24-26 de setembro de 1998. https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.128.7989&rep=rep1&type=pdf
Feler, Leo & Mine Z. Senses. 2017. “Trade Shocks and the Provision of Local Public Goods”. American Economic Journal: Economic Policy 9 (4): 101-143. https://docs.iza.org/dp10231.pdf.
Ferchen, Matt. 2011. “China-Latin America Relations: Long-term Boon or Short-term Boom?” The Chinese Journal of International Politics 4 (1): 55-86. https://doi.org/10.1093/cjip/poq020.
Fordham, Benjamin O. & Katja B. Kleinberg. 2012. “How Can Economic Interests Influence Support for Free Trade?” International Organization 66 (2): 311–28. https://doi.org/10.1017/S0020818312000057.
Fordham, Benjamin O. & Timothy J. McKeown. “Selection and Influence: Interest Groups and Congressional Voting on Trade Policy.” International Organization 57 (3): 519–49. http://www.jstor.org/stable/3594836.
Gallagher, Kevin P. & Roberto Porzecanski. 2008. “China Matters: China’s Economic Impact in Latin America.” Latin American Research Review 43 (1): 185–200. http://www.jstor.org/stable/20488114.
Galle, Simon, Andrés Rodríguez-Clare & Moises Yi. 2017. “Slicing the Pie: Quantifying the Aggregate and Distributional Effects of Trade”. National Bureau of Economic Research. NBER Working Paper No. 23737 (Agosto). https://doi.org/10.3386/w23737
Guisinger, Alexandra. 2009. “Determining Trade Policy: Do Voters Hold Politicians Accountable?” International Organization 63 (3): 533–57. http://www.jstor.org/stable/40345946.
Hafner-Burton, Emilie M., Brad L. LeVeck & David G. Victor. 2017. “No False Promises: How the Prospect of Non-Compliance Affects Elite Preferences for International Cooperation”. International Studies Quarterly 61 (1): 136–149. https://doi.org/10.1093/isq/sqw047.
Hainmueller, Jens & Michael J. Hiscox. 2006. “Learning to Love Globalization? Education and Individual Attitudes Toward International Trade”. International Organization 60 (2): 469-498. https://doi.org/10.1017/S0020818306060140.
Hiscox, M. J. 2002. “Commerce, Coalitions, and Factor Mobility: Evidence from Congressional Votes on Trade Legislation”. The American Political Science Review 96 (3): 593-608. http://www.jstor.org/stable/3117932.
IBGE. 2017. Divisão Regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas e Regiões Geográficas Intermediárias. IBGE, Coordenação de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv100600.pdf
Jenkins, Rhys. 2015. “Is Chinese Competition Causing Deindustrialization in Brazil?” Latin American Perspectives, 42 (6): 42-63. https://doi.org/10.1177/0094582X15593553.
Jenkins, Rhys & Alexandre de Freitas Barbosa. 2012. “Fear for Manufacturing? China and the Future of Industry in Brazil and Latin America”. The China Quarterly 209: 59-81. https://doi.org/10.1017/S0305741011001482.
Jensen, J. Bradford, Dennis P. Quinn, and Stephen Weymouth. 2017. “Winners and Losers in International Trade: The Effects on US Presidential Voting.” International Organization 71 (3): 423–57. https://doi.org/10.1017/S0020818317000194.
Jervis, Robert. 1992. “Political Implications of Loss Aversion”. Political Psychology 13 (2): 187-204. https://doi.org/10.2307/3791678.
Kahneman, Daniel & Amos Tversky. 1979. “Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk”. Econometrica 47 (2): 263–91. https://doi.org/10.2307/1914185.
Kaltenthaler, Karl C., Ronald D. Gelleny & Stephen J. Ceccoli. 2004. “Explaining Citizen Support for Trade Liberalization”. International Studies Quarterly 48 (4): 829–51. http://www.jstor.org/stable/3693537.
Kaltenthaler, Karl & William J. Miller. 2013. “Social Psychology and Public Support for Trade Liberalization”. International Studies Quarterly 57 (4): 784-790. https://doi.org/10.1111/isqu.12083.
Karol, David. 2007. “Does Constituency Size Affect Elected Officials’ Trade Policy Preferences?” The Journal of Politics 69 (2): 483–94. https://doi.org/10.1111/j.1468-2508.2007.00545.x.
Keech, William R. & Kyoungsan Pak. 1995. “Partisanship, Institutions, and Change in American Trade Politics”. The Journal of Politics 57 (4): 1130–42. https://doi.org/10.2307/2960405.
Kiewiet, D. Roderick . 1983. Macroeconomics and Micropolitics: The Electoral Effects of Economic Issues: Chicago: University of Chicago Press.
Kleinberg, Katja B. & Benjamin O. Fordham. 2010. “Trade and Foreign Policy Attitudes”. The Journal of Conflict Resolution 54 (5): 687–714. http://www.jstor.org/stable/20773716.
Krueger, Anne O. 1989. “Asymmetries in Policy between Exportables and Import-competing Goods”. Working Paper No. w2904. National Bureau of Economic Research. https://doi.org/10.3386/w2904.
Kuo, Jason & Megumi Naoi. 2015. “Individual Attitudes”. In The Oxford Handbook of the Political Economy of International Trade, organizado por Lisa L. Martin: 99-181. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199981755.013.16.
Lake, David A. 2009. “Open Economy Politics: A Critical Review”. The Review of International Organizations 4 (3): 219-244. https://doi.org/10.1007/s11558-009-9060-y.
Lü, Xiaobo, Kenneth Scheve & Matthew J. Slaughter. 2012. “Inequity Aversion and the International Distribution of Trade Protection”. American Journal of Political Science 56 (3): 638–54. http://www.jstor.org/stable/23316011.
Mansfield, Edward D. & Diana C. Mutz. 2009. “Support for Free Trade: Self-Interest, Sociotropic Politics, and Out-Group Anxiety”. International Organization 63 (3): 425–57. https://doi.org/10.1017/S0020818309090158.
Margalit, Yotam. 2011. “Costly jobs: Trade-related Layoffs, Government Compensation, and Voting in US elections”. The American Political Science Review 105 (1): 166-188. http://www.jstor.org/stable/41480833.
Margalit, Yotam. 2012. “Lost in Globalization: International Economic Integration and the Sources of Popular Discontent”. International Studies Quarterly 56 (3): 484–500. http://www.jstor.org/stable/23256800.
Mayda, Anna Maria & Dani Rodrik. 2005. “Why are Some People (and Countries) More Protectionist than Others?” European Economic Review 49 (6): 1393-1430. https://doi.org/10.1016/j.euroecorev.2004.01.002.
Milner, Helen V. & Dustin H. Tingley. 2011. “Who Supports Global Economic Engagement? The Sources of Preferences in American Foreign Economic Policy.” International Organization 65 (1): 37–68. https://doi.org/10.1017/S0020818310000317.
Miratrix, Luke W., Jasjeet S. Sekhon, Alexander G. Theodoridis & Luis F. Campos. 2018. “Worth Weighting? How to Think About and Use Weights in Survey Experiments.” Political Analysis 26 (3): 275–91. https://doi.org/10.1017/pan.2018.1.
Neves, Rafael. 2019. “Viagem de parlamentares eleitos pelo PSL à China provoca conflito entre bolsonaristas”. Congresso em Foco, 17 de janeiro de 2019. https://congressoemfoco.uol.com.br/mundo-cat/viagem-de-parlamentares-eleitos-pelo-psl-a-china-provoca-conflito-entre-bolsonaristas/
Moreira, Mauricio Mesquita. 2007. “Fear of China: is there a Future for Manufacturing in Latin America?” World Development 35 (3): 355-376. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2006.11.001.
Oliveira, Gustavo d. L. T. & Mindi Schneider. 2016. “The politics of Flexing Soybeans: China, Brazil and Global Agroindustrial Restructuring”. The Journal of Peasant Studies 43 (1): 167-194. https://doi.org/10.1080/03066150.2014.993625.
Oliveira, Gustavo d. L. T. 2018. “Chinese Land Grabs in Brazil? Sinophobia and Foreign Investments in Brazilian Soybean Agribusiness”. Globalizations 15 (1): 114-133. https://doi.org/10.1080/14747731.2017.1377374.
Paz, Lourenço S. 2018. “The Effect of Import Competition on Brazil’s Manufacturing Labor Market in the 2000s: Are Imports from China Different?” The International Trade Journal 32 (1): 76-99. https://doi.org/10.1080/08853908.2017.1389323.
Proksch, Sven-Oliver & Jonathan B. Slapin. 2011. “Parliamentary questions and oversight in the European Union”. European Journal of Political Research 50 (1): 53-79. http://dx.doi.org/10.1111/j.1475-6765.2010.01919.x.
Rho, Sungmin & Michael Tomz. 2017. “Why Don't Trade Preferences Reflect Economic Self-Interest?” International Organization 71 (S1): S85–S108. https://doi.org/10.1017/S0020818316000394.
Rodrigues, Pietro, Francisco Urdinez & Amâncio de Oliveira. 2019. “Measuring International Engagement: Systemic and Domestic Factors in Brazilian Foreign Policy from 1998 to 2014”. Foreign Policy Analysis, 15 (3): 370-391. https://doi.org/10.1093/fpa/orz010.
Rogowski, Ronald. 1989. Commerce and Coalitions: How Trade Affects Domestic Political Alignments: Princeton: Princeton University Press.
Sabet, Shahrzad. 2016. “Feelings first: Non-Material Factors as Moderators of Economic Self-interest Effects on Trade Preferences”. Manuscrito inédito. Cambridge, MA: Harvard University.. https://scholar.harvard.edu/files/ssabet/files/sabet_feelings_first_.pdf.
Samuels, David. 2000. “Ambition and Competition: Explaining Legislative Turnover in Brazil”. Legislative Studies Quarterly, 25 (3): 481-497. https://doi.org/10.2307/440417.
Samuels, David. 2003. Ambition, Federalism, and Legislative Politics in Brazil. Cambridge: Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511510366.
Scheve, Kenneth F. & Matthew J. Slaughter. 2001. “What Determines Individual Trade-policy Preferences?” Journal of International Economics 54 (2): 267-292. https://doi.org/10.1016/S0022-1996(00)00094-5.
Singer, H. W. 1950. “The Distribution of Gains between Investing and Borrowing Countries”. The American Economic Review 40 (2): 473-485. http://www.jstor.org/stable/1818065.
Spring, Jake. 2018. “Soy boom devours Brazil’s tropical savanna”. Reuters, 28 de agosto de 2018. https://www.reuters.com/investigates/special-report/brazil-deforestation/
Zucco, Cesar & Timothy J. Power. 2019. “Brazilian Legislative Surveys (Waves 1-8, 1990-2017)”. Harvard Dataverse, V2. https://doi.org/10.7910/DVN/ARYBJI.
Recebido: 21 de abril de 2022
Aceito para publicação: 17 de maio de 2022
Copyright © 2022 CEBRI-Revista. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença de Atribuição Creative Commons que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.