Este artigo examina a transformação na postura da política externa do Brasil em relação ao conflito israelo-palestino, particularmente durante o conflito de Gaza que se intensificou a partir de outubro de 2023. Tradicionalmente conhecido por sua abordagem equidistante, o recente realinhamento do Brasil marca uma ruptura com sua política de longa data. Essa mudança foi precipitada por intensos debates internacionais e uma crescente pressão doméstica por uma postura mais assertiva, influenciada por movimentos globais de solidariedade e mudanças políticas internas.
A política externa brasileira, conhecida por sua longa tradição de equidistância no conflito israelo-palestino, enfrentou uma inflexão notável durante os eventos da Guerra de Gaza a partir de outubro de 2023. Esse episódio, marcado por intensa violência e repercussões globais significativas, impulsionou o Brasil a reconsiderar e reajustar seu posicionamento tradicional (ONU 2023). Este ensaio visa desvendar essa transição, analisando as raízes históricas da política de equidistância brasileira, as forças motrizes por trás do realinhamento recente e os impactos dessa mudança, tanto no âmbito interno quanto no cenário internacional.
A política de equidistância tem sido um pilar da diplomacia brasileira desde meados do século XX, refletindo uma busca constante pelo equilíbrio nas relações internacionais e pela promoção da paz e da justiça (Lessa 2000). Historicamente, o Brasil se posicionou como um mediador potencial, evitando alinhar-se rigidamente a qualquer das partes envolvidas no conflito israelo-palestino. Tal abordagem foi sustentada pelos princípios de não intervenção, respeito à soberania dos estados e promoção de soluções pacíficas para conflitos (Casarões & Vigevani 2014).
Em outubro de 2023, o conflito em Gaza escalou drasticamente a partir do ataque realizado pelo grupo Hamas ao território israelense, resultando em um número alto de baixas civis e extensos danos infraestruturais (ONU 2023). A resposta internacional foi dividida, com intensas discussões nas Nações Unidas e em outros fóruns diplomáticos. Diante desse cenário, o governo brasileiro, influenciado tanto por pressões internacionais quanto por uma crescente demanda doméstica por uma postura mais assertiva, começou a adotar uma linha mais definida (Ministério das Relações Exteriores 2023).
Várias razões impulsionaram o realinhamento da política externa brasileira em relação ao conflito de Gaza. Primeiramente, as mudanças no panorama político interno, com uma nova liderança mais inclinada a expressar solidariedade com o povo palestino, refletiram-se em uma postura externa mais vocal. Adicionalmente, o Brasil buscava fortalecer laços com países do Sul Global, cujas posições frequentemente contrastam com as perspectivas ocidentais predominantes em relação a Israel (Sochaczewski 2014).
Outro fator relevante foi a reação da opinião pública brasileira ao sofrimento humano resultante do conflito. A visibilidade dos danos causados a civis através da mídia e redes sociais ampliou a pressão sobre o governo para adotar uma posição mais ativa em fóruns internacionais (Guimarães & Fernandes 2024).
A nova postura brasileira no conflito de Gaza de 2023 teve diversas consequências. Internacionalmente, o Brasil passou a ser visto como um ator que desafia a tradicional neutralidade, posicionando-se de forma mais clara em um dos mais duradouros e complexos conflitos globais (Ministério das Relações Exteriores 2023). Essa mudança tem potencial para afetar negociações comerciais e alianças estratégicas, principalmente com nações do Oriente Médio e seus aliados (Casarões & Vigevani 2014).
A nova postura brasileira no conflito de Gaza de 2023 teve diversas consequências. Internacionalmente, o Brasil passou a ser visto como um ator que desafia a tradicional neutralidade, posicionando-se de forma mais clara em um dos mais duradouros e complexos conflitos globais. (...) Internamente, o realinhamento provocou debates intensos sobre o papel do Brasil no mundo, a eficácia da sua diplomacia e as implicações morais de suas escolhas internacionais.
Internamente, o realinhamento provocou debates intensos sobre o papel do Brasil no mundo, a eficácia da sua diplomacia e as implicações morais de suas escolhas internacionais. Movimentos sociais e grupos de advocacia, tanto pró-Israel quanto pró-Palestina, utilizaram essa nova postura como catalisador para mobilização e campanhas públicas, buscando influenciar ainda mais a política externa.
A Guerra de Gaza de 2023 serviu como um ponto de inflexão para a diplomacia brasileira, desafiando décadas de equidistância e promovendo uma reavaliação de suas prioridades e estratégias no cenário internacional. Este ensaio, ao explorar as origens, desenvolvimentos e repercussões dessa mudança, contribui para uma compreensão mais aprofundada sobre como e por que o Brasil está redefinindo sua posição em um dos mais complexos teatros geopolíticos do mundo contemporâneo (Ministério das Relações Exteriores 2024b; ONU 2023).
HISTÓRICO DA POLÍTICA DE EQUIDISTÂNCIA
A política de equidistância adotada pelo Brasil, manifestando-se como uma abordagem deliberada de não alinhamento explícito com Israel ou a Palestina, tem sido um elemento definidor da atuação diplomática brasileira ao longo das últimas décadas. Essa estratégia de neutralidade ativa foi estabelecida não apenas como uma ferramenta de política externa, mas também como um princípio ético visando promover a paz e a justiça internacional.
Desde o reconhecimento oficial do Estado de Israel em 1949, um movimento significativo em um período marcado por grandes tensões e realinhamentos políticos no pós-guerra, o Brasil se posicionou como um ator equilibrado no cenário internacional. Esse reconhecimento inicial não representou um alinhamento incondicional com as políticas israelenses, mas sim o início de um longo processo de engajamento equânime com as complexidades do conflito árabe-israelense.
A decisão de 1975 de estabelecer relações diplomáticas com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) ilustra claramente a aplicação prática dessa política de equidistância. Esse passo, considerado audacioso e até controverso à época, destacou a disposição do Brasil em reconhecer e engajar-se formalmente com a representação política dos palestinos, em uma época em que a OLP ainda era vista por muitos países ocidentais principalmente como uma organização militante e até mesmo terrorista. A iniciativa brasileira não apenas refletiu um compromisso com a equidade e o reconhecimento mútuo, mas também posicionou o Brasil como um mediador potencial que respeitava as aspirações nacionais de ambos os povos envolvidos no conflito.
Lessa (2000) aponta que esse movimento foi parte de uma visão mais ampla que buscava consolidar o Brasil não apenas como um participante passivo no sistema internacional, mas como um proponente ativo de soluções diplomáticas e pacíficas. Esse enfoque se alinha com a tradição brasileira de buscar soluções baseadas no diálogo e na cooperação internacional, refletindo a influência de normas jurídicas e morais no planejamento de sua política externa.
Portanto, a abordagem de equidistância tem sido uma pedra angular da política externa brasileira, demonstrando um compromisso consistente com a imparcialidade e a promoção de uma resolução pacífica para conflitos internacionais. Essa política não apenas ajudou a definir a identidade internacional do Brasil, mas também reforçou seu papel como um agente de paz capaz de dialogar com diferentes atores em um dos conflitos mais intrincados e duradouros da história moderna.
De acordo com Casarões e Vigevani (2014), durante o período dos governos militares no Brasil, de 1964 a 1985, a política de equidistância em relação ao conflito israelo-palestino foi ainda mais reforçada, refletindo um interesse estratégico profundo em manter boas relações com os países árabes exportadores de petróleo. Esse período foi marcado por uma reorientação das prioridades da política externa brasileira, impulsionada pela necessidade de garantir a segurança energética em um contexto global de instabilidade e flutuações nos preços do petróleo.
A crise do petróleo de 1973, desencadeada pela decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) de reduzir a produção e aumentar os preços, teve um impacto profundo na economia global e destacou a vulnerabilidade dos países dependentes de importações de petróleo, como o Brasil. Em resposta, os militares brasileiros adotaram uma postura diplomática que buscava consolidar relações com os países árabes, os quais controlavam uma parte significativa dos recursos energéticos mundiais. Essa orientação estratégica visava assegurar o fornecimento contínuo de petróleo, essencial para o crescimento econômico e a estabilidade política interna do Brasil.
Casarões e Vigevani (2014) argumentam que, nesse contexto, a política de equidistância não era apenas uma expressão de neutralidade, mas uma ferramenta diplomática crucial para equilibrar os interesses brasileiros entre os blocos geopolíticos em conflito. Ao não se alinhar fortemente nem com Israel nem com os países árabes, o Brasil conseguiu preservar e fortalecer suas relações comerciais e políticas com ambos os lados. Essa abordagem permitiu ao Brasil explorar mercados diversificados para seus produtos e, ao mesmo tempo, garantir acordos vantajosos para a importação de petróleo.
Além disso, essa política de não alinhamento explícito também refletia um desejo de posicionar o Brasil como um mediador potencial em conflitos internacionais. Ao manter uma postura de equidistância, o Brasil buscava ser visto como um país capaz de promover o diálogo e a cooperação entre nações em conflito, reforçando sua imagem de defensor da paz e da justiça internacional. Essa posição estava alinhada com os princípios tradicionais da política externa brasileira, que incluíam a solução pacífica de controvérsias e o respeito ao direito internacional.
A estratégia dos governos militares também envolveu a busca por novas parcerias estratégicas, incluindo o fortalecimento das relações com países emergentes e em desenvolvimento. A política de equidistância permitiu ao Brasil expandir sua influência no Movimento dos Países Não Alinhados, um grupo de nações que se recusava a se alinhar com qualquer dos blocos de poder dominantes da Guerra Fria. Ao adotar essa postura, o Brasil se colocava ao lado dos princípios de autodeterminação e independência promovidos por líderes de destaque do movimento, como Jawaharlal Nehru da Índia e Gamal Abdel Nasser do Egito.
Essa orientação estratégica também refletia uma dimensão econômica importante. Manter boas relações com os países árabes não apenas assegurava o fornecimento de petróleo, mas também abria oportunidades para exportações brasileiras, particularmente no setor agrícola e de manufaturas leves. A diplomacia econômica desempenhou um papel importante no fortalecimento dessas relações, com o Brasil buscando expandir seus mercados de exportação e reduzir sua dependência dos mercados tradicionais da Europa e da América do Norte.
Após a redemocratização em 1985, a política externa brasileira continuou a adotar a equidistância como uma de suas marcas registradas, mesmo diante de um cenário internacional em constante evolução. Esse compromisso foi mantido através de uma série de governos democráticos, que viam na solução de dois Estados — um israelense e um palestino — uma via viável e justa para o fim do conflito no Oriente Médio. Conforme destacado por Vigevani e Kleinas (2000), o Brasil defendeu consistentemente a coexistência pacífica de Israel e Palestina dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas, uma posição que reafirma o respeito aos direitos à autodeterminação e à soberania nacional.
Esse princípio de equidistância, entretanto, não significa que a política externa brasileira foi estática ou desprovida de nuances. De acordo com Sochaczewski (2014), houve momentos em que o Brasil demonstrou uma inclinação mais acentuada em favor dos palestinos. Essas variações podem ser atribuídas a uma série de fatores, incluindo mudanças na dinâmica política interna, pressões internacionais e influência de organizações internacionais e de direitos humanos.
Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), por exemplo, o Brasil buscou intensificar sua presença em fóruns multilaterais e fortalecer sua voz no cenário global. Essa época viu o Brasil adotar uma postura mais ativa e, às vezes, mais crítica em relação às políticas de Israel, especialmente no que tange a assentamentos e ações militares que foram amplamente vistas como contrárias ao direito internacional. Essa posição refletiu um alinhamento mais amplo com as normas globais de direitos humanos e uma tentativa de solidificar a imagem do Brasil como um defensor desses princípios.
A orientação do Brasil para com a Palestina durante esses períodos também foi influenciada por uma tentativa de equilibrar relações bilaterais com nações árabes e islâmicas, que são vistas como parceiras estratégicas em áreas como comércio e política energética. O engajamento com essas nações foi parte de uma estratégia maior de diversificar parcerias econômicas e de reduzir a dependência em relação aos mercados tradicionais do Ocidente.
Além disso, internamente, o aumento das mobilizações sociais e da influência de grupos de advocacy preocupados com questões de justiça global e direitos humanos incentivou governos a adotarem posições que refletissem essas preocupações. A opinião pública brasileira, cada vez mais informada e engajada em questões internacionais devido ao avanço das tecnologias de comunicação, também exerceu pressão para que o Brasil adotasse uma postura mais ativa na promoção da paz e da justiça internacional.
Os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) mantiveram a política de equidistância, mas com nuances distintas. Casarões e Vigevani (2014) destacam que, durante o governo Lula, houve uma ênfase maior na solidariedade Sul-Sul, que se manifestou em um apoio mais explícito aos palestinos, enquanto se buscava fortalecer laços com países árabes. No governo Dilma, essa tendência continuou, mas com uma abordagem mais pragmática e moderada, com o intuito de equilibrar as relações com Israel e Palestina dentro de um contexto de multilateralismo e defesa dos direitos humanos.
Sob a presidência de Lula, o Brasil procurou ampliar significativamente sua influência internacional, adotando uma postura mais proativa em relação às questões globais. Como parte dessa estratégia, o governo Lula enfatizou a solidariedade Sul-Sul, em busca de estreitar laços com países em desenvolvimento, especialmente na África e no Oriente Médio. Casarões e Vigevani (2014) apontam que essa fase foi marcada por um apoio mais explícito aos palestinos, que se alinhava com a tentativa de fortalecer as relações políticas e econômicas com os países árabes. Esse apoio manifestou-se em várias frentes, incluindo o aumento da ajuda humanitária aos territórios palestinos e o endosso às iniciativas de reconhecimento do Estado Palestino em fóruns internacionais.
Além disso, Lula não se furtou a criticar publicamente as ações de Israel que ele considerava contrárias ao direito internacional, como a expansão dos assentamentos em territórios ocupados. Essa postura resultou em algumas tensões diplomáticas, mas foi amplamente vista como um reflexo do compromisso do Brasil com a justiça e a equidade no tratamento do conflito.
O mandato de Dilma Rousseff, por sua vez, continuou a política de seu predecessor, mas com uma abordagem considerada mais pragmática e moderada. Dilma buscou equilibrar ainda mais as relações com Israel e a Palestina, procurando não se afastar significativamente de nenhum dos lados enquanto reforçava a posição brasileira em favor de uma solução de dois Estados. Essa política foi acompanhada de uma contínua defesa dos direitos humanos e do direito internacional, elementos que se tornaram centrais na política externa brasileira durante seu governo.
Sob Dilma, de acordo com Vigevani e Calandrin (2019), o Brasil continuou a apoiar iniciativas internacionais para a paz no Oriente Médio e manteve a ajuda humanitária aos palestinos, mas houve um esforço consciente para não permitir que essas posições prejudicassem as relações bilaterais com Israel. A presidente manteve diálogo ativo com ambos os lados, reforçando a imagem do Brasil como um possível mediador no conflito.
Os esforços de ambos os governos para manter uma política de equidistância, ainda que com nuances distintas, refletiram um desejo de promover a estabilidade e a paz no Oriente Médio, ao mesmo tempo que posicionavam o Brasil como um ator global responsável e engajado. Essas abordagens foram fundamentais para consolidar a imagem do Brasil no cenário internacional como um defensor dos princípios de multilateralismo, justiça e respeito mútuo entre as nações.
No governo de Michel Temer (2016-2018), houve uma leve inflexão nessa política. Vigevani e Calandrin (2019) observam que, embora a retórica de equidistância tenha sido mantida, a prática mostrou um alinhamento ligeiramente mais próximo a Israel, refletido em votações na ONU e em declarações oficiais. Essa mudança foi parcialmente atribuída a uma tentativa de reposicionar o Brasil no cenário internacional em resposta às mudanças geopolíticas globais e às pressões internas de setores políticos e econômicos específicos.
Externamente, o governo Temer enfrentou um cenário geopolítico em mudança, com a ascensão de novas potências regionais e uma política externa mais assertiva por parte dos Estados Unidos sob a administração Trump. As relações próximas entre os EUA e Israel, especialmente após o reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel por Washington, criaram um contexto em que muitos países, inclusive o Brasil, recalibraram suas políticas para não se distanciarem de seus aliados tradicionais.
Sob o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), a política externa brasileira em relação ao conflito israelo-palestino experimentou uma mudança significativa em comparação com os governos anteriores. Bolsonaro adotou uma postura mais alinhada a Israel, refletindo um afastamento da política de equidistância que caracterizou a diplomacia brasileira por décadas. Esse realinhamento foi evidenciado por visitas oficiais a Israel e declarações públicas que expressaram apoio explícito às políticas israelenses, incluindo a controversa questão da mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, uma medida que repercutiu internacionalmente (Guimarães, Miquelasi, Alves, Oliveira & Calandrin 2023).
Esse posicionamento reflete a influência de aliados políticos conservadores e evangélicos dentro do governo Bolsonaro, que veem em Israel um parceiro estratégico e um modelo de sucesso em áreas como segurança e tecnologia (Casarões 2019). Além disso, Bolsonaro frequentemente manifestou admiração pela liderança de Benjamin Netanyahu e procurou fortalecer os laços com os Estados Unidos sob a administração Trump, que também mostrou forte apoio a Israel (Vigevani & Calandrin 2019).
A orientação da política externa gerou debates intensos no Brasil, com críticas apontando para uma possível erosão dos princípios tradicionais da diplomacia brasileira, como o respeito ao direito internacional e o compromisso com soluções pacíficas para conflitos. Apesar da retórica de alinhamento com Israel, a política prática ainda necessitava de uma abordagem equilibrada, dadas a complexidade das relações internacionais e as diversas facetas da comunidade brasileira que mantém laços tanto com Israel quanto com o mundo árabe (Vigevani & Kleinas 2000).
Essas oscilações podem ser entendidas como reflexo das dinâmicas políticas internas, das pressões internacionais e das mudanças no panorama global que, por vezes, exigiram do Brasil uma adaptação de suas políticas externas tradicionais para responder a novos desafios e oportunidades. Além disso, o envolvimento crescente do Brasil em fóruns multilaterais e seu desejo de desempenhar um papel mais ativo nas questões globais também podem ter contribuído para esses ajustes sutis na postura do país em relação ao conflito israelo-palestino.
MUDANÇA DE POSTURA E REALINHAMENTO GEOPOLÍTICO
A partir de 2023, o Brasil passou por uma transformação significativa em sua política externa em relação ao conflito israelo-palestino, marcada por uma postura mais crítica às ações militares israelenses em Gaza. O governo brasileiro expressou claramente seu apoio à causa palestina e à busca pela solução de dois Estados, conforme comunicado pelo Ministério das Relações Exteriores. Esse compromisso com os princípios de justiça e paz no Oriente Médio reflete uma mudança decisiva em relação à tradicional equidistância do Brasil:
O governo brasileiro condena, de forma veemente, o bombardeio que atingiu o hospital Ahli-Arab, na Faixa de Gaza, na noite de ontem, 17/10, provocando centenas de mortes. Expressa condolências aos familiares das vítimas e manifesta sua solidariedade ao povo da Palestina (Ministério das Relações Exteriores 2023).
Em 2024, o Ministério das Relações Exteriores também emitiu nota condenando de forma veemente a ação militar israelense na Faixa de Gaza:
Essa nova tragédia demonstra o efeito devastador sobre civis de qualquer ação militar israelense em Rafah, conforme manifestações e apelos unânimes da comunidade internacional, e diante dos deslocamentos forçados por Israel, que concentraram centenas de milhares de refugiados, em condições de absoluta precariedade, naquela localidade.
O governo brasileiro condena a contínua ação das forças armadas israelenses contra áreas de concentração da população civil de Gaza, visto que constitui sistemática violação aos Direitos Humanos e ao Direito Humanitário Internacional, assim como flagrante desrespeito às medidas provisórias reafirmadas, há poucos dias, pela Corte Internacional de Justiça (Ministério das Relações Exteriores 2024a).
Internamente, essa mudança foi amplamente influenciada por pressões de movimentos sociais e organizações de defesa dos direitos humanos. Diversas manifestações pró-Palestina ocorreram principalmente na Avenida Paulista em São Paulo (Ismerim, Souza & Fiuzada 2023). Esses grupos intensificaram suas campanhas em resposta ao aumento da violência e das violações dos direitos humanos em Gaza, tentando exercer influência na opinião pública brasileira. Seguindo o movimento que ocorreu em universidades nos Estados Unidos, cerca de 150 alunos acamparam na Universidade de São Paulo em ato pró-Palestina (Albuquerque 2024).
O engajamento ativo dessas organizações, por meio de protestos, campanhas de conscientização e pressão direta sobre os políticos, desempenhou um papel crucial na redefinição da política externa brasileira, exigindo uma postura mais ativa contra as violações do direito internacional e um alinhamento mais claro com os princípios dos direitos humanos. Uma carta endereçada ao presidente Lula, assinada por intelectuais e artistas como Chico Buarque, Wagner Moura e Gilberto Gil, pedia que o governo brasileiro rompesse relações diplomáticas com Israel como forma de retaliação sobre a operação militar em Gaza (Bergamo 2024).
Além das pressões internas, o realinhamento brasileiro também responde a um contexto internacional em evolução. O Brasil, buscando fortalecer sua posição e influência global, viu a necessidade de alinhar suas ações às expectativas globais de respeito ao direito internacional e à proteção dos direitos humanos. Esse alinhamento é visto como essencial para manter a credibilidade do Brasil nas plataformas internacionais e para fortalecer suas relações diplomáticas, especialmente com países do Sul Global que compartilham preocupações similares em relação ao conflito israelo-palestino (Azambuja 2023).
O Brasil, buscando fortalecer sua posição e influência global, viu a necessidade de alinhar suas ações às expectativas globais de respeito ao direito internacional e à proteção dos direitos humanos. Esse alinhamento é visto como essencial para manter a credibilidade do Brasil nas plataformas internacionais e para fortalecer suas relações diplomáticas, especialmente com países do Sul Global (...).
A aproximação do Brasil com nações árabes e outros membros do Sul Global reflete também uma estratégia de diversificação de alianças e parcerias. Esse movimento é parte de uma política mais ampla de busca por novos mercados e oportunidades de cooperação, além de uma tentativa de reforçar laços com países que têm uma postura crítica em relação às políticas de Israel. Essas relações são estratégicas para a agenda brasileira de diversificação econômica e têm implicações diretas para as políticas comerciais e de investimento (Pecequilo 2008).
Assim, a nova postura do Brasil em relação ao conflito israelo-palestino é resultado de uma combinação de pressões internas robustas e de uma recalibração de suas relações exteriores em resposta a um cenário geopolítico global em transformação. Esse realinhamento não apenas reflete uma adesão mais firme aos princípios de justiça e paz, mas também uma tentativa estratégica de reposicionar o Brasil como um ator influente no cenário internacional, comprometido com os direitos humanos e a solução pacífica de conflitos.
Externamente, o realinhamento brasileiro também está afinado com uma estratégia maior de fortalecer as relações com países do Sul Global, uma prioridade que se tornou ainda mais pertinente em face dos desafios globais contemporâneos, como as crises climática e de saúde pública. A aproximação com nações árabes, em particular, tem sido parte de uma política mais ampla de diversificação das alianças internacionais do Brasil e de busca por novos mercados e oportunidades de cooperação em áreas como energia, tecnologia e educação (Lessa 2023).
Esse novo posicionamento brasileiro também sinaliza uma guinada em direção a posições mais críticas em relação a Israel. A mudança de postura é evidente não apenas nas declarações oficiais, mas também no apoio a resoluções e declarações em fóruns internacionais, como as Nações Unidas, em que o Brasil tem se alinhado frequentemente com declarações que condenam a ocupação de territórios palestinos e as violações dos direitos humanos (Vigevani & Kleinas 2000). Como exemplo, podemos primeiramente observar o discurso do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, na abertura da 55ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU):
A criação de um Estado Palestino livre e soberano, que conviva com o Estado de Israel, é condição imprescindível para a paz. Consideramos ser dever deste Conselho prestigiar a autodeterminação dos povos, a busca da solução pacífica dos conflitos e se opor de forma veemente a toda forma de neocolonialismo e de apartheid (Agência Gov 2024).
Ainda, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, em debate aberto no Conselho de Segurança da ONU, proferiu discurso:
Um compromisso crível com a paz e segurança no Oriente Médio requer que a comunidade internacional tome todas as medidas necessárias para o cumprimento do direito à autodeterminação do povo palestino e à implementação da solução de dois Estados, conforme a Resolução 181 (II) da Assembleia Geral de 1947.
A comunidade internacional deve incorporar ações que priorizem o diálogo e a diplomacia, ao considerar as formas de facilitar uma resolução justa e duradoura do conflito prolongado entre Israel e Palestina.
Ao elogiar os esforços da Argélia em nome do Grupo Árabe para avançar com o pedido do Estado da Palestina de se juntar às Nações Unidas como membro pleno, o Brasil encoraja o Conselho de Segurança a avaliar tal pedido por seu mérito principal – reparar por meios pacíficos uma injustiça histórica à aspiração legítima da Palestina por um Estado (Ministério das Relações Exteriores 2024c).
Essa mudança na política externa brasileira reflete uma tendência mais ampla observada em muitos países do Sul Global, que buscam afirmar sua autonomia e ampliar sua influência no cenário internacional. A tendência é motivada por uma busca de equilíbrio frente às potências tradicionais e uma resposta às dinâmicas globais que têm deslocado o centro de poder econômico e político. Ao adotar uma postura mais firme e principista em relação ao conflito israelo-palestino, o Brasil não apenas reafirma seu compromisso histórico com a solução pacífica de controvérsias e o respeito ao direito internacional, mas também sinaliza sua disposição em participar ativamente na redefinição das regras do jogo internacional.
Todavia, apesar das intenções, as ações não foram isentas de críticas, principalmente no que tange às falas do presidente Lula em fóruns públicos. Dentre elas, podemos destacar duas que repercutiram de forma negativa. Em cúpula da União Africana em Adis Abeba, na Etiópia, o presidente Lula proferiu: “Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus” (Brasil de Fato 2024). Posteriormente em evento no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ainda, disse: “Quero dizer mais: o que o governo de Israel está fazendo contra o povo palestino não é guerra, é genocídio, porque está matando mulheres e crianças” (BBC Brasil 2024).
As falas do presidente repercutiram no Congresso Nacional, inclusive levando membros do governo a se posicionarem e até tecerem críticas, como foi o caso do senador e líder do governo no Senado, Jacques Wagner, que disse: “Não tiro uma palavra do que Vossa Excelência disse, a não ser o final, que, na minha opinião, não se traz à baila o episódio do holocausto para nenhuma comparação, porque fere sentimentos, inclusive meus, de familiares perdidos naquele episódio” (Cassela 2024).
O reposicionamento do Brasil e de outros países do Sul Global é parte de uma estratégia para fortalecer alianças regionais e transregionais, como aquelas observadas na União Africana, ASEAN, e em outras plataformas de cooperação entre países em desenvolvimento. Essas alianças são cruciais para construir um contrapeso às influências tradicionais do Norte Global e para promover interesses comuns em fóruns internacionais, como as Nações Unidas, nos quais o equilíbrio de poder está sendo cada vez mais contestado.
[A]o tomar uma posição mais ativa e vocal em questões internacionais como o conflito israelo-palestino, o Brasil busca reforçar sua credibilidade como um mediador confiável e um defensor dos direitos humanos e da justiça internacional. Essa abordagem está alinhada com a política externa brasileira de enfatizar o multilateralismo e a diplomacia cooperativa (...).
Adicionalmente, ao tomar uma posição mais ativa e vocal em questões internacionais como o conflito israelo-palestino, o Brasil busca reforçar sua credibilidade como um mediador confiável e um defensor dos direitos humanos e da justiça internacional. Essa abordagem está alinhada com a política externa brasileira de enfatizar o multilateralismo e a diplomacia cooperativa, características que são vistas como essenciais para a promoção da paz e do desenvolvimento sustentável (Baldin & Ramos 2023).
A adoção de uma postura mais firme também tem implicações diretas para as relações diplomáticas do Brasil, ajudando a fortalecer laços com nações que compartilham perspectivas similares sobre a importância do respeito à soberania nacional e à autodeterminação dos povos. Esse alinhamento pode facilitar acordos bilaterais e multilaterais em áreas como comércio, tecnologia e cooperação ambiental, que são vitais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil (Azambuja 2023).
Portanto, essa reorientação da política externa brasileira não é um fenômeno isolado, mas parte de uma estratégia global mais ampla entre os países do Sul Global para assegurar que suas vozes sejam ouvidas e respeitadas no palco mundial. Embora o Brasil tenha adotado uma postura mais firme e alinhada com países do Sul Global em relação ao conflito em Gaza, essa mudança significativa na política externa brasileira gera tensões e desafios próprios. Enquanto a condenação clara das ações militares israelenses em Gaza reflete um compromisso com os princípios de justiça e paz, ela também coloca em questão o papel do Brasil como um mediador imparcial no conflito.
Ao adotar uma linha mais dura contra Israel, o Brasil pode enfrentar críticas de que está comprometendo sua capacidade de agir como um intermediário neutro em negociações de paz. Críticos podem argumentar que um mediador eficaz deve manter uma distância equilibrada de todas as partes envolvidas para facilitar o diálogo e a compreensão mútua, sem predisposições ou favoritismos. A intensidade das críticas direcionadas a Israel, especialmente nos foros internacionais, poderia ser vista como uma inclinação que prejudica a imagem de neutralidade do Brasil.
Além disso, a retórica fortemente pró-Palestina adotada pelo governo pode ser interpretada como uma resposta a pressões internas de grupos de direitos humanos e movimentos sociais, o que levanta questões sobre a influência dessas organizações na política externa do país. Enquanto essas organizações desempenham um papel crucial em destacar violações de direitos humanos e mobilizar a opinião pública, sua influência poderia ser vista como uma força que empurra a política externa brasileira para posições que podem complicar relações diplomáticas com outras nações, incluindo aliados tradicionais.
Ao adotar uma postura fortemente crítica às ações de Israel, enquanto não condena com igual vigor os ataques do Hamas, o Brasil enfrenta um desafio significativo em relação à sua imagem de defensor da justiça e do equilíbrio internacional. Essa aparente parcialidade pode ser vista como uma falha em manter uma postura coerente com os princípios de justiça universal e imparcialidade que devem guiar as relações internacionais.
A falta de uma condenação equivalente aos ataques do Hamas, que também são considerados violações do direito internacional, especialmente quando envolvem ataques contra civis, pode ser interpretada como uma inconsistência na política externa brasileira. Essa postura se complica ainda mais com a questão dos reféns israelenses, incluindo um cidadão que também possui nacionalidade brasileira. A ausência de uma resposta empática e enérgica do governo brasileiro nesses casos pode ser vista como uma negligência dos direitos desses indivíduos, contrariando a própria normativa internacional que o Brasil se compromete a defender.
PERCEPÇÃO PÚBLICA E IMPACTO INTERNO
O relatório Brazilian Public Opinion and the World, de 2024, realizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), fornece uma visão detalhada sobre a complexidade das opiniões dos brasileiros em relação ao conflito israelo-palestino. Os dados apresentados por Guimarães & Fernandes (2024) mostram que 42% dos brasileiros acreditam que o país deveria se afastar de ambos os lados do conflito, indicando uma preferência por uma postura neutra e não envolvida. Enquanto isso, uma proporção significativa, 29%, apoia uma solução de dois Estados independentes, evidenciando um desejo de ver uma resolução formal e reconhecida para o conflito.
Essas opiniões divididas refletem as complexas dinâmicas internas do Brasil em relação a assuntos de política externa, especialmente em temas tão polarizados quanto o conflito israelo-palestino. A preferência por uma postura de distanciamento pode ser influenciada por uma percepção de que o envolvimento do Brasil poderia complicar suas relações internacionais, ou por uma crença em princípios de não intervenção. Por outro lado, o apoio à solução de dois Estados reflete uma visão alinhada com muitas normas internacionais e recomendações de organizações globais, como as Nações Unidas, que têm defendido essa abordagem como o caminho mais viável para a paz duradoura na região.
Além disso, a divergência nas opiniões também pode ser atribuída a uma variedade de fatores sociais, educacionais e de mídia que moldam a percepção pública. A educação sobre o conflito, a exposição a diferentes tipos de mídia e a influência de lideranças políticas e religiosas podem desempenhar papéis significativos na formação dessas opiniões. Movimentos sociais e campanhas de conscientização também têm potencial para influenciar a opinião pública, especialmente quando essas iniciativas são capazes de destacar os impactos humanitários do conflito.
O debate interno no Brasil sobre o conflito israelo-palestino não é apenas um reflexo de uma diversidade de opiniões, mas também um indicativo de um engajamento crescente com questões de política externa. Esse comportamento sugere uma maturidade crescente na sociedade brasileira em relação ao entendimento e envolvimento em assuntos internacionais, demonstrando que a população está cada vez mais informada e disposta a expressar suas visões sobre temas globais complexos.
O debate interno no Brasil sobre o conflito israelo-palestino não é apenas um reflexo de uma diversidade de opiniões, mas também um indicativo de um engajamento crescente com questões de política externa. Esse comportamento sugere uma maturidade crescente na sociedade brasileira em relação ao entendimento e envolvimento em assuntos internacionais, demonstrando que a população está cada vez mais informada e disposta a expressar suas visões sobre temas globais complexos.
Portanto, as opiniões capturadas no relatório do CEBRI de 2024 sugerem que qualquer decisão futura do governo brasileiro em relação ao conflito israelo-palestino deverá considerar cuidadosamente as nuances da opinião pública. O desafio para os formuladores de políticas será equilibrar essas opiniões internas com os compromissos internacionais do Brasil e seus princípios diplomáticos, buscando uma política que não apenas respeite a vontade popular, mas também promova a paz e a justiça internacional.
A complexidade das reações no Brasil ao conflito em Gaza destaca como a política externa pode ter um impacto significativo na coesão social interna. Nesse contexto, as autoridades brasileiras enfrentam o desafio de navegar cuidadosamente entre o apoio expresso à Palestina no cenário internacional e a necessidade de manter a segurança e a harmonia entre as diversas comunidades religiosas e étnicas dentro do país. O equilíbrio é crucial para evitar o agravamento das tensões internas que podem surgir como reflexo de conflitos externos.
Esse deslocamento pode ser atribuído a vários fatores, sendo um dos principais a cobertura midiática do conflito. A mídia tem um papel crucial na formação da opinião pública, e a forma como os eventos são reportados pode influenciar significativamente as percepções. Reportagens que destacam as dificuldades enfrentadas pelos palestinos e as violações de direitos humanos cometidas no contexto do conflito tendem a gerar empatia e apoio à causa palestina (Baldin & Ramos 2023).
Além disso, o impacto das redes sociais não pode ser subestimado. Plataformas como X (ex-Twitter), Facebook e Instagram têm permitido que informações, imagens e relatos pessoais do conflito alcancem uma audiência global, muitas vezes passando os filtros tradicionais da mídia. Essa exposição direta aos efeitos do conflito e às narrativas palestinas pode ter contribuído para a mudança de percepção entre os brasileiros, especialmente entre os mais jovens, que utilizam intensamente essas plataformas.
O governo brasileiro pode empregar várias estratégias para gerenciar essas dinâmicas complexas. Uma abordagem eficaz seria promover diálogos interculturais entre as comunidades judaicas e árabes no Brasil. Os diálogos ajudariam a construir pontes de entendimento e respeito mútuo, reduzindo a desinformação e os preconceitos que frequentemente inflamam as tensões. Programas de intercâmbio cultural e comitês de paz que incluam líderes comunitários, figuras religiosas e acadêmicos poderiam facilitar essas interações, oferecendo um espaço seguro para discussões construtivas e compartilhamento de perspectivas divergentes.
Além disso, iniciativas de educação sobre o conflito israelo-palestino são fundamentais. Escolas, universidades e organizações não governamentais poderiam desenvolver programas que explorem a história e as nuances do conflito, destacando a importância dos direitos humanos e da resolução pacífica de disputas. Esses programas educacionais não apenas aumentariam a conscientização sobre as complexidades do conflito, mas também promoveriam uma maior empatia pelas experiências das pessoas afetadas por ele (Bar-tal 2002).
O envolvimento dos meios de comunicação também é vital na modelagem das percepções públicas. Uma mídia responsável e bem-informada pode desempenhar um papel positivo na promoção de uma narrativa equilibrada, evitando a polarização e incentivando uma compreensão mais matizada dos eventos internacionais. Campanhas de conscientização pública, apoiadas por jornalistas e influenciadores digitais, podem ajudar a disseminar informações precisas e mitigar a propagação de notícias falsas ou tendenciosas que podem incitar conflitos comunitários.
Implementar essas estratégias exige um compromisso contínuo e coordenado de diversas partes, incluindo o governo, a sociedade civil e o setor privado. Ao adotar uma abordagem holística e inclusiva, o Brasil pode efetivamente gerenciar o impacto de sua política externa sobre sua dinâmica social interna, garantindo que o apoio a causas internacionais não comprometa a paz e a unidade nacional. Assim, ao enfrentar esses desafios, o Brasil não apenas fortalece sua posição no cenário global, mas também assegura a coesão e a estabilidade interna, essenciais para o progresso e o bem-estar de sua população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conflito em Gaza de 2023 teve um impacto profundo e duradouro na sociedade, política doméstica e nas relações exteriores do Brasil. Esse episódio não apenas reconfigurou o posicionamento internacional do Brasil, mas também inflamou tensões sociais internas, destacando a complexa interação entre política externa e coesão social. Externamente, o governo brasileiro adotou uma nova postura que significou um distanciamento da política de equidistância tradicionalmente mantida em relação ao conflito israelo-palestino.
Influenciada por uma cobertura midiática muitas vezes tendenciosa e discursos políticos inflamados, a opinião pública brasileira formou uma visão crítica das ações israelenses. Em resposta, o Brasil alinhou-se mais estreitamente com o Sul Global. Esse realinhamento reflete uma estratégia de fortalecer alianças com blocos que compartilham uma perspectiva crítica às políticas israelenses e demonstra um esforço para aumentar a influência do Brasil em fóruns internacionais, nos quais busca desempenhar um papel mais ativo e assertivo.
Internamente, o conflito exacerbou tensões entre comunidades judaicas e árabes no Brasil. Relatos de violência e discurso de ódio entre essas comunidades aumentaram, evidenciando como conflitos internacionais podem influenciar a harmonia social interna. Paralelamente, houve uma mobilização significativa de movimentos sociais pró-palestinos, que ganharam visibilidade e apoio por meio de campanhas de arrecadação e protestos. Essas atividades destacaram uma crescente politização da questão palestina no Brasil, onde grupos de diferentes origens étnicas se engajaram ativamente na defesa de causas relacionadas ao conflito.
Os efeitos da Guerra de Gaza de 2023 no Brasil são multifacetados e exigem atenção contínua de analistas e formuladores de políticas. O conflito reacendeu debates sobre a questão palestina e trouxe à tona discussões sobre o papel do Brasil no mundo, suas alianças internacionais e seu compromisso com os direitos humanos. A maneira como o Brasil continua a navegar nessas questões influenciará sua coesão social interna, assim como sua estatura e credibilidade internacionais.
Os efeitos da Guerra de Gaza de 2023 no Brasil são multifacetados e exigem atenção contínua de analistas e formuladores de políticas. O conflito reacendeu debates sobre a questão palestina e trouxe à tona discussões sobre o papel do Brasil no mundo, suas alianças internacionais e seu compromisso com os direitos humanos. A maneira como o Brasil continua a navegar nessas questões influenciará sua coesão social interna, assim como sua estatura e credibilidade internacionais.
Esta análise sugere que, enquanto o Brasil procura reforçar seu compromisso com os direitos humanos e a justiça internacional, também é essencial que mantenha uma abordagem equilibrada e justa. O desafio reside em demonstrar empatia e respeito pelos direitos de todas as partes envolvidas no conflito, não apenas por uma. Isso é fundamental para manter sua credibilidade como mediador e defensor da paz internacional, evitando percepções de parcialidade que possam comprometer sua capacidade de influenciar positivamente os resultados das negociações de paz.
Portanto, para que o Brasil fortaleça sua posição como um ator global justo e equilibrado, é crucial que reveja sua abordagem para assegurar que todas as violações de direitos humanos e do direito internacional, independentemente de sua origem, sejam tratadas com o mesmo nível de severidade e condenação.
Este trabalho buscou não apenas documentar os eventos e suas repercussões, mas também enriquecer o debate público e acadêmico sobre os reflexos do conflito israelo-palestino na sociedade brasileira. Ao entender melhor essas dinâmicas, o Brasil pode desenvolver estratégias mais informadas e eficazes para lidar com as complexidades de sua política externa e os desafios da coesão social interna. Assim, fica evidente que a intersecção entre política externa e questões sociais internas é crucial e merece um escrutínio cuidadoso para garantir que o Brasil não apenas responda adequadamente aos desafios globais, mas também preserve e fortaleça seu tecido social interno.
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Recebido: 20 de maio 2024
Aceito para publicação: 13 de junho de 2024
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