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Resenhas de Livros

"Four Battlegrounds": os elementos da disputa entre EUA e China pela liderança em inteligência artificial

Resenha do livro de Paul Scharre "Four Battlegrounds: Power in the Age of Artificial Intelligence" (W. W. Norton & Company, 2023)

O livro Four Battlegrounds: Power in the Age of Artificial Intelligence (Scharre 2023) é um estudo que trata de diversos elementos que fazem parte da discussão sobre inteligência artificial (IA): armas autônomas, privacidade, deep learning, grandes modelos de linguagem, desinformação, vieses discriminatórios, aspectos revolucionários da IA para a cognição e para o trabalho humano etc. 

Paul Scharre é vice-presidente e diretor de estudos do Center for a New American Security (CNAS). Ele é autor de Army of None: Autonomous Weapons and the Future of War (2019). Scharre tem uma extensa lista de serviços prestados aos EUA: serviu em missões no Iraque e no Afeganistão, trabalhou no gabinete do secretário de Defesa com atuação focada em sistemas não tripulados e autônomos e tecnologias de armas emergentes, liderando a elaboração das políticas do departamento sobre autonomia em sistemas de armas. 

Os 35 capítulos do livro giram em torno de um tema fundamental: as implicações geopolíticas de se ter a liderança na IA. Segundo Scharre, os termos pelos quais a geopolítica do século XXI vai funcionar dependerão de quem estará na liderança dessa tecnologia. A obra se baseia na tese de que a disputa pela liderança da IA ocorre em quatro campos de batalha: (i) os dados, (ii) o poder computacional, (iii) os talentos na área de IA e (iv) as instituições especializadas em IA. 

A obra se baseia na tese de que a disputa pela liderança da IA ocorre em quatro campos de batalha: (i) os dados, (ii) o poder computacional, (iii) os talentos na área de IA e (iv) as instituições especializadas em IA. 

A preocupação de Scharre quanto à importância da IA para o poder dos países à medida que o presente século se desenvolve é plenamente justificável. Não estamos falando de qualquer tecnologia. A IA foi recentemente definida por Ian Bremmer e Mustafa Suleyman (2023) como a “força mais formidável e potencialmente definidora desta era”.      

A história mostra como o domínio da tecnologia se traduz em poder. Niall Ferguson (2021) narra uma visita, em 1793, de uma comitiva do Império Britânico ao imperador chinês Qianlong. Várias ferramentas tecnológicas de ponta foram oferecidas à corte chinesa, mas todos os presentes foram amontoados em um depósito do palácio e, com o tempo, estragaram ou foram jogados fora. Em uma carta enviada ao rei George III, Qianlong dizia “não carecemos de nada. Nós nunca demos muita importância a objetos estranhos ou engenhosos, tampouco precisamos dos produtos manufaturados de seu país”. O resultado disso foi a expansão colonial europeia.  

A China atual é o oposto disso e possui vantagens que nos autorizam a conjecturar que ela estará em primeiro lugar na corrida pela IA. Esse fato desperta o debate sobre a disputa entre China e EUA e sobre quem sairia vencedor, o que também é o tema do livro AI Superpowers: China, Silicon Valley, and the New World Order (Lee 2018). Ao avaliar essa disputa, Scharre apresenta uma pesquisa que concluiu serem os EUA detentores da liderança geral em IA, estando na dianteira em talento, pesquisa, desenvolvimento e atividade comercial. Mas a China vem em segundo lugar e está muito à frente em estratégia governamental e um ambiente operacional propício à IA, o que inclui regulamentação e uma opinião pública favorável. Por outro lado, a presença das big techs americanas no mundo e a dificuldade de as empresas chinesas serem bem-sucedidas fora da China representam uma vantagem para os EUA.

Considerando os quatro campos de batalha, a disputa se encontra do seguinte modo: (i) em termos de dados, a vantagem é chinesa: o tamanho da sua população e o sucesso da adoção do reconhecimento facial no país contribuíram decisivamente para isso; (ii) em relação ao hardware, a China está bem atrás; o problema, em parte, está na dependência que o país possui dos chips importados; (iii) a disputa pelos talentos ainda é incerta. A China já está em primeiro no número de papers escritos sobre IA, porém os trabalhos escritos nos EUA são 70% mais citados. Por conta do número de estudantes, a China é a maior fonte de talentos de IA; no entanto, os EUA têm maior capacidade de atrair talentos por conta de suas universidades, mas, para a tradução da IA em poder nacional, a implementação dessa tecnologia é muito mais importante do que a pesquisa básica – nesse ponto, a China está na frente; (iv) às instituições cabe transformar os três fatores acima em aplicações que resultem em um maior poder nacional. No campo militar, a IA traz um desafio na medida em que, nos EUA, diferentemente do passado, o domínio da tecnologia está com o setor privado. A China está no caminho de superar os EUA em gastos com pesquisa e desenvolvimento, o que gerou nos americanos um cada vez mais raro consenso bipartidário de aumentar os gastos governamentais com IA. 

Por fim, o autor avalia os efeitos que a vitória de um ou de outro país poderia trazer. Compara o uso da IA em regimes democráticos e em regimes autoritários, sinalizando o que ele entende que seriam as consequências para o mundo de uma vitória chinesa, e enfatiza as diferenças de cada um dos modelos em lidar com coisas como o reconhecimento facial, a privacidade e a moderação de conteúdo.

Diante do aparente sucesso obtido por medidas tomadas de cima para baixo, de que modo a alternativa democrática poderia ser bem-sucedida? Scharre afirma que o pluralismo das democracias pode ser uma força, desde que elas se unam em torno de políticas que protejam a privacidade e a liberdade e que possam ser exportadas globalmente. 

Parece haver uma nova Guerra Fria em curso, mas em um cenário mais complexo do que o primeiro. Como aponta Scharre, não estamos mais em um mundo organizado em dois blocos político-econômicos competindo globalmente. Hoje, a integração é muito maior. 

Parece haver uma nova Guerra Fria em curso, mas em um cenário mais complexo do que o primeiro. Como aponta Scharre, não estamos mais em um mundo organizado em dois blocos político-econômicos competindo globalmente. Hoje, a integração é muito maior. 

Os laços entre EUA e China são muitos: pesquisa, investimentos e comércio. Mas eles poderiam ser desfeitos em maior ou menor grau? Com efeito, medidas do governo americano restringindo o acesso chinês aos mais avançados microchips parecem indicar uma diminuição dessa integração nos próximos anos. Four Battlegrounds mostra que a inteligência artificial é a continuação da política por outros meios. Na nova Guerra Fria do século XXI, a disputa pela liderança da IA é crucial.

Referências

Bremmer, Ian & Mustafa Suleyman. 2023. “The AI Power Paradox: Can States Learn to Govern Artificial Intelligence — Before it’s too Late?” Foreign Affairs, 16 de agosto de 2023. https://www.foreignaffairs.com/world/artificial-intelligence-power-paradox 

Ferguson, Niall. 2021. Civilização: Ocidente x Oriente. São Paulo: Planeta do Brasil.

Lee, Kai-Fu. 2018. AI Superpowers: China, Silicon Valley, and the New World Order. New York: Mariner Books. 

Scharre, Paul. 2023. Four Battlegrounds: Power in the Age of Artificial Intelligence. New York: W. W. Norton & Company.

Scharre, Paul. 2019. Army of None: Autonomous Weapons and the Future of War. W. W. Norton & Company.

Recebido: 25 de agosto de 2023

Aceito para publicação: 31 de agosto de 2023

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