Este artigo explora os desafios a serem enfrentados pelo novo governo Lula, especificamente na política externa brasileira (PEB), entendida como uma política pública cujo contínuo processo de democratização se dá mediante dinâmicas transversais e transescalares. A abertura do processo decisório à participação da sociedade civil foi importante legado dos governos anteriores de Lula (2003-2010), a despeito de inúmeros desafios à democracia e ao processo de democratização da PEB, aqui apresentados com atenção especial às questões raciais e ao racismo.
A data 1º de janeiro de 2023 marcou um novo capítulo na história do Brasil. A posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva significou a vitória da democracia contra o obscurantismo que havia sido instalado desde o golpe em 2016 e que foi generalizado com o governo de Jair Bolsonaro. Ao declarar “democracia para sempre!” (Brasil, Presidência da República 2023) em seu discurso de posse no Congresso Nacional, o presidente Lula enfatizou a necessidade de reconstruir o país, de garantir os direitos e as instituições criadas pela Constituição, de reforçar o compromisso com a soberania nacional e de impedir o retorno do autoritarismo.
Seu discurso sinaliza esperanças e novos rumos para o Brasil, cujos temas possuem impacto no cenário internacional. Como dito pelo embaixador Mauro Vieira, em seu discurso na posse do cargo de ministro de Estado das Relações Exteriores, “para assegurar a prosperidade, o bem-estar e a justiça social no país”, todos os temas prioritários “estão sujeitos ao impacto de processos decisórios internacionais ou problemas globais” (Brasil, Ministério das Relações Exteriores 2023). De fato, o país passará por desafios em virtude das consequências deixadas pela plataforma ultraconservadora do governo anterior, como o desmonte de políticas públicas, a perda de protagonismo em temas de agenda internacional e a visão ultraconservadora que ameaçou o avanço de direitos progressistas.
Aliás, segundo o relatório final do Gabinete de Transição Governamental (2022), o Brasil deve R$ 5 bilhões junto a organismos internacionais em que é membro, como a Organização das Nações Unidas e a Organização Internacional do Trabalho. Trata-se de um valor recorde que compromete seriamente a política externa brasileira, uma vez que o país pode vir a perder o voto nas organizações internacionais, por conta do prejuízo à sua imagem e à sua capacidade de atuação. Ademais, como consta no citado relatório, a política externa bolsonarista assumiu posturas negacionistas quanto às temáticas ambientais, aos direitos humanos e à pandemia de Covid-19, além de o país ter se tornado um fator de instabilidade na América Latina.
Soma-se a isso o evento de 8 de janeiro de 2023 – um ataque criminoso realizado por militantes da extrema-direita descontentes com o resultado das urnas eleitorais, os quais depredaram e saquearam o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. Além dos prejuízos causados de milhões de reais, a invasão aos Três Poderes da República representou um ataque à democracia, o que levou o presidente Lula a decretar intervenção federal no Distrito Federal.
Considerando esse contexto, o presente artigo tem o objetivo de explorar os desafios a serem enfrentados pelo novo governo no campo da política externa, conforme articulamos seu entendimento em movimentos transversais e transescalares. Transversalização é a ideia de que a política externa, como uma política pública, se insere em dinâmicas horizontais com outros temas para a formulação da sua agenda, conforme se articula com outros atores domésticos, sejam eles governamentais ou não. Já a transescalaridade consiste no entendimento de que a decisão da política externa atravessa, verticalmente, as escalas nacional, regional e global (Milani 2012; 2015).
Para tanto, o artigo segue dividido em três seções, além desta Introdução e das Considerações finais. A primeira destina-se a discutir a política externa brasileira enquanto política pública e a sua democratização. Na segunda, alguns cenários da política externa brasileira nos governos anteriores de Lula (2003-2010) são explorados, a fim de apresentarmos a identificação de um legado importante. Na terceira, nos lançamos para levantar alguns desafios transescalares para o processo de democratização da política externa brasileira. O artigo encerra com a apresentação de um quadro amplo sobre o racismo como um desafio à democracia.
POLÍTICA EXTERNA COMO POLÍTICA PÚBLICA E A SUA DEMOCRATIZAÇÃO
O objetivo desta seção é discutir o entendimento da política externa brasileira enquanto política pública. Argumentamos que ela ainda se encontra em um contínuo processo de democratização, conforme novas configurações se manifestam, sendo necessário, dessa maneira, uma atenção a dois movimentos específicos que estão cada vez mais evidentes: transversalização e transescalaridade.
Desde as duas últimas décadas do século XX, a política externa brasileira tem requerido novos parâmetros para a sua investigação. Isso porque, de um lado, a política mundial foi reconfigurada a partir da confluência gradual de distintos fenômenos, como a intensificação dos processos de globalização e da liberalização econômica, o fim da Guerra Fria e da competição bipolar Leste/Oeste, a crise dos regimes autoritários pela América Latina, a diversificação de coalizões, a revolução tecnológica, entre outros (Lima 2013; Milani & Lima 2013). Consequentemente, uma diversificação de interesses se manifestou na agenda de política externa brasileira, “da educação à saúde, do desenvolvimento agrícola às políticas de reforma agrária e às políticas culturais” (Milani 2013, 25), como forma de potencializar a inserção internacional do país.
De outra parte, o Brasil passou pela redemocratização do seu regime político, de modo que a Constituição Federal de 1988 promulgou um novo marco regulatório nacional, oportunidades para a garantia de direitos democráticos e o controle dos atos da administração pública e das políticas interna, externa e internacional (Sanches et al. 2006). Segundo Pomeroy & Waisbisch, a redemocratização possibilitou que a sociedade brasileira se fortalecesse por meio de movimentos sociais e organizações não governamentais, a fim de articular “estratégias de contestação ou de incidência em políticas domésticas e globais” (2019, 107). Igualmente, Milani e Pinheiro (2013) expõem que disputas burocráticas entre diferentes atores estatais e não estatais (como mídia, movimentos sociais e empresas) emergiram como forma de defender interesses públicos, coletivos e de específicos setores culturais e econômicos da sociedade, ao passo que as relações entre Estado e sociedade civil se estreitaram diante de problemas internacionais e temas domésticos.
Por conta disso, o Ministério das Relações Exteriores (MRE ou Itamaraty) tem sido questionado como único lócus de produção e condução da política externa brasileira, em virtude da influência e da participação de uma pluralidade de atores e agendas; por efeito, não permanece mais a velha compreensão do insulamento burocrático do MRE. O insulamento consiste em um mito fundador (Lima 2005), ou tese (Farias & Júnior 2015), baseado na ideia de que os serviços exteriores realizados pelo Estado, ao operarem na defesa do território e dos “interesses nacionais”, estariam imunes às ingerências e mudanças de agenda governamental e das demandas da sociedade civil, pois o processo burocrático da política externa se encontraria, historicamente, concentrado e com alta autonomia no MRE.
Contudo, cada vez mais, a política externa brasileira tem sido percebida como uma política pública, ainda que com particularidades próprias (Sanchez et al. 2005; Lima 2013; Salomón & Pinheiro 2013; Milani 2015; Milani & Pinheiro 2013, 2016; Sorgine & Santos 2017; Pomeroy & Waisbich 2019), sujeita à contestação e participação de outros atores domésticos e ao controle político. Embora a política externa brasileira seja, tradicionalmente, uma política de Estado, associada à autorização estatal – afinal, possui previsão constitucional sobre a competência da União (art. 21, I e II) e do presidente da República (art, 84, VII, VIII, XIX e XX) –, ela também é uma política pública, sob a responsabilidade do governo que a implementa, cuja interface abarca atores domésticos, as agendas e seus interesses e visões particulares sobre a posição do Brasil no mundo (Milani 2013). A Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, organizada pelas Nações Unidas em Durban, África do Sul, em 2001, é um exemplo disso, pois a delegação brasileira contou com forte presença e protagonismo de mulheres negras e organizações negras, que buscaram ampliar o debate sobre racismo como um problema real do Brasil, que demanda a elaboração de políticas públicas para contê-lo (Bentes 2002).
Sendo assim, a especificidade da política externa enquanto política pública reside no seu destino, ou melhor, na sua implementação, que sempre foi e ainda continua sendo dirigida para o ambiente externo, fora das fronteiras estatais, cujo Estado detém grau de autonomia (Milani 2013; Salomon & Pinheiro 2013). Mas é preciso reconhecer que os processos de formulação e de implementação da política externa “se inserem na dinâmica das escolhas de governo que, por sua vez, resultam de coalizões, disputas, acordos entre representantes de interesses diversos, que expressam, enfim, a própria dinâmica da política” (Milani & Pinheiro 2013, 24).
Por outro lado, a diversificação de temas e atores que mencionamos anteriormente, ocasionada pelo processo de democratização, faz com que a política externa, nessa nova configuração, conviva com “hierarquias, assimetrias e competências distintas” (Milani & Pinheiro 2013, 23) que se materializam no contexto doméstico por meio de diversos modelos de interação política comuns a outras políticas públicas, como influência, participação, cooperação, conflito e resistência. Consequentemente, as escolhas sobre os interesses importantes da política externa brasileira se tornam profundamente politizadas, o que é particular da democracia, uma vez que há a sua abertura para o debate político.
Por exemplo, no contexto da pandemia de Covid-19, a saúde pública ganhou uma centralidade na política externa brasileira. Além do ex-presidente Bolsonaro ter adotado discursos negacionistas sobre a letalidade do vírus, desrespeitar as orientações da Organização Mundial da Saúde e ameaçar a retirada do país desse organismo internacional, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, em abril de 2020, publicou um artigo que criticou as restrições da pandemia e as comparou aos campos de concentração nazistas que acabam com a liberdade. Posteriormente, em 26 de julho de 2020, a Rede Sindical Brasileira UNISAÚDE protocolou uma denúncia contra o presidente Bolsonaro por crimes de genocídio e contra a humanidade devido à má administração do governo durante a pandemia (Rodrigues, Silva & Sabião 2020).
Posto isso, gostaríamos de propor que o processo de democratização da política externa é algo sempre contínuo. Sendo assim, é necessário olharmos para tal processo a partir de dois movimentos. Acerca do primeiro, denominamos de transversalização a aproximação da política externa – enquanto política pública – com as demais políticas públicas da área social (Santoro 2012), já que ela se insere em dinâmicas horizontais de interações com outros temas para a formulação da sua agenda e de posicionamentos externos, conforme se articula com atores domésticos, sejam eles governamentais ou não. A transversalização de questões internacionais pela política externa brasileira não é, como se pode ver, apenas temática. Ela inclui a incorporação de distintas agências e burocracias do Estado brasileiro, como os governos subnacionais, o Legislativo e o Judiciário, os outros ministérios, as entidades sindicais, as organizações não governamentais, entre outras.
O movimento de transversalização promove, de um lado, a internalização da política externa nos assuntos domésticos, ao passo que abre a possibilidade para a participação de outras entidades governamentais ou não; de outro, possibilita ampliar a “cooperação para o desenvolvimento em diversas políticas governamentais nas áreas da saúde, transferência de renda, agricultura, educação, por exemplo” (Lima 2013, 152), o que contribui para que tais políticas públicas sejam internacionalizadas. A aproximação da política externa com as demais políticas públicas a partir de temas e atores necessita, por sua vez, de conselho consultivo e participativo de representantes da sociedade civil e funcionários de diversos níveis do governo (Santoro 2012) e de mecanismos de controle político da burocracia, como uma forma de fortalecer a consolidação da democracia (Lima 2013).
O segundo movimento, denominado de transescalaridade, a partir de Milani (2012; 2015), traz a ideia de que o lócus político da política externa brasileira não se encontra, exclusivamente, no lugar institucional do MRE, pois existe uma convergência de interesses, reações e decisões diversas que atravessam, verticalmente, a decisão da política externa em múltiplas escalas: nacional, regional e global. Assim, enquanto a transversalização se volta para atores e temas que se fazem presentes na dinâmica da política externa que se aproxima das demais políticas públicas, a transescalaridade diz respeito à geografia política, física e social da política externa brasileira que não apenas congrega, mas atravessa por “diferentes escalas interdependentes entre si” (Milani 2015, 65), as quais se influenciam e constroem a agenda daquela.
Desse modo, podemos verificar como as tendências, a cooperação, as crises e os impasses nas negociações multilaterais e na própria governança do sistema internacional (escala global) influenciam os projetos de cooperação e as percepções sobre investimentos realizados para promover a integração regional (escala regional) e a distribuição de recursos na sociedade (escala nacional). Ainda, podemos investigar como a partidarização e ideologização de atores e grupos nacionais (escala nacional) influenciam ou se beneficiam dos processos, acordos e espaços de integração regional (escala regional). Podemos, também, verificar como a coordenação de política integrada entre países sul-americanos (escala regional) influencia as reformas institucionais e os espaços de participação nas arenas da ordem mundial (escala global), bem como levanta embates sociais, políticos e culturais entre o Estado e a sociedade (escala nacional). Considerar a política externa brasileira como sendo atravessada e interagindo nessas distintas escalas, as quais não se restringem em fronteiras tão delimitadas, pode proporcionar uma compreensão do seu contínuo processo de democratização, com avanços ou recuos a depender das interações entre as escalas.
A ABERTURA DO PROCESSO DECISÓRIO À PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL COMO LEGADO DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NOS GOVERNOS LULA (2003-2010)
Nosso argumento para esta seção consiste no entendimento de que a participação da sociedade civil no processo decisório da política externa em diferentes segmentos, durante os governos Lula, consistiu em um importante legado que merece ser resgatado e aprofundado, já que se estabeleceu uma descrença quanto a isso a partir do impeachment da ex-presidente Dilma e que foi intensificado com o governo Bolsonaro. Para isso, iremos apresentar três cenários – integração regional, direitos humanos e questão racial – em que a política externa brasileira se inseriu, como forma de corroborar nosso argumento.
A participação da sociedade civil no processo decisório da política externa em diferentes segmentos, durante os governos Lula, consistiu em um importante legado que merece ser resgatado e aprofundado, já que se estabeleceu uma descrença quanto a isso a partir do impeachment da ex-presidente Dilma e que foi intensificado com o governo Bolsonaro.
Inicialmente, cumpre apontar que, segundo Vigevani & Cepaluni (2011), a política externa brasileira nos governos Lula atuou na aderência aos princípios e normas internacionais provenientes de alianças do Sul Global e de acordos feitos com parcerias não tradicionais, como China, Leste Europeu, Oriente Médio, África e Ásia-Pacífico. A intenção, segundo os autores, era reduzir as assimetrias, mas também aumentar o seu poder de barganha nas relações externas com as grandes potências, particularmente Estados Unidos e União Europeia. Vigevani e Cepaluni (2011) denominam essa lógica de “autonomia pela diversificação”, uma vez que o país buscou não só preservar as boas relações que já possuía com os países desenvolvidos, mas também diversificar a parceria e a cooperação Sul-Sul e com organizações internacionais, a fim de proporcionar maior equilíbrio no sistema internacional. Para Cervo (2010), o engajamento dessa política externa era caracterizado por “multilateralismo de reciprocidade” (2010, 11) porque visava à construção conjunta de regras para que houvesse uma reciprocidade nos efeitos delas, sem privilegiar os interesses de uns em prejuízo de outros, conforme o Brasil promovia seus interesses e formava alianças com países emergentes.
Sobre o primeiro cenário, a integração regional, a política externa brasileira durante os governos Lula priorizou a América do Sul como um lugar importante para a edificação de blocos de concertação econômica e política. Já no primeiro ano do primeiro mandato, foi criada uma Subsecretaria-Geral da América do Sul no Itamaraty. O país propôs a criação da Comunidade das Nações Sul-Americanas (CASA), criada em 2004 e depois alterada para União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), com o objetivo de fortalecer o diálogo político, a integração econômica e a infraestrutura na região. O Brasil também criou a Cúpula da América Latina e Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (CALC), de modo que, em 2008, reuniram-se, pela primeira vez, todos os países latino-americanos e caribenhos, sem a presença dos Estados Unidos e das potências europeias (Souza 2021). Já no Mercado Comum do Sul (Mercosul), os projetos foram intensificados a partir de coalizões inter-regionais com, por exemplo, países africanos e árabes.
Acerca do processo de democratização da política externa brasileira, o Programa Mercosul Social Participativo (PMSP), criado em 2008 por decreto presidencial e coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência (SGPR), constituiu um espaço institucionalizado para o debate participativo, com diversidade e representatividade de participantes. Segundo Pomeroy & Waisbich (2019), o PMSP contava com um Conselho e reuniões periódicas, nas quais representantes da sociedade civil participaram e encaminharam propostas para as Cúpulas Presidenciais do Mercosul.
Outro exemplo de participação da sociedade civil no âmbito do Mercosul foi a Rede Especializada de Agricultura Familiar (REAF), criada em 2004. Pomeroy & Waisbich (2019) informam que a REAF congregou a confluência de interesses de movimentos sociais, de sindicatos e do governo, ao passo que uma interface doméstica e internacional da política externa possibilitava influenciar o processo de integração regional a partir do fortalecimento de agendas e espaços regionais de influência, com abertura para a sociedade civil e organizações em atuação com agricultura familiar.
Sobre o segundo cenário, Milani (2011) sinaliza que houve um diálogo e uma coordenação de diferentes atores não governamentais domésticos com o Itamaraty, a Presidência, o Ministério da Justiça, o Congresso e diferentes secretarias especiais, de modo que novos arranjos institucionais mais abertos foram construídos para permitir e ampliar as discussões sobre direitos humanos na política externa. Um exemplo disso foi a criação, em 2005, do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa (CBDHPE), que buscou discutir posições internacionais, ao passo que conduzia “o fortalecimento da participação cidadã e do controle democrático da política externa brasileira” (Milani 2011, 62), mediante uma coalizão de entidades da sociedade civil e do governo.
Entretanto, devido à baixa transparência e pouca efetividade das interações promovidas pelo Comitê, a política externa brasileira sobre direitos humanos foi alvo de críticas da própria sociedade civil. Aliás, o Brasil foi sabatinado durante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 2008, tendo em vista as cobranças de outros países a respeito das violações aos direitos das populações indígenas, das execuções extrajudiciais, da desigualdade racial, entre outros temas, segundo conta Menezes (2011).
A respeito da questão racial – o último cenário –, o processo decisório da política externa brasileira contou com a participação e a influência do Movimento Negro como ator importante, cujo diálogo com o Itamaraty e o Executivo contribuiu para o aumento da temática em questões internacionais, em diversos ministérios. De acordo com Amorim & Silva (2021), o governo garantiu, por meio da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), um espaço institucional ao Movimento. A inclusão deste último na estrutura burocrática e governamental se deu, para os autores, graças ao legado da citada Conferência de Durban, a qual contribuiu para o reconhecimento da identidade, dos direitos e da cultura própria da população negra e da importância da sua participação igualitária nas políticas sociais e econômicas. Segundo os autores, a SEPPIR desempenhou um papel importante em manter diálogo contínuo com o Ministério das Relações Exteriores a partir de uma pasta própria para a Igualdade Racial, que buscava promover, valorizar e inserir socialmente a população negra no centro das políticas nacionais de ações afirmativas.
O Ministério da Cultura também foi um espaço importante para a inserção da pauta racial no governo, a partir do resgate e da gestão da cultura afro-brasileira pelo ministro Gilberto Gil. De forma transversal, o Itamaraty realizou consultas e também conduziu um grupo de trabalho interministerial com o Ministério da Cultura, a SEPPIR e o Movimento Negro para discutir e conceber, por exemplo, a participação brasileira na II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, realizada em 2006, e no III Festival Mundial das Artes Negras, ocorrido em 2009.
A política externa brasileira durante os governos Lula também ampliou e intensificou significativamente sua participação no continente africano, como uma forma de “ressignificar a questão racial doméstica” (Amorim & Silva 2021, 29), porquanto o país exibiu certo protagonismo acerca da valorização da cultura afro-brasileira. Por outro lado, Amorim & Silva apontam que a maior visibilidade à questão afro-brasileira pela política externa brasileira dependeu de um “ajuste discursivo” (22), no qual o Itamaraty deixou de recorrer à ideia da democracia racial e da miscigenação, como os governos anteriores historicamente fizeram, conforme houve a aproximação do Movimento Negro, por meio da SEPPIR e do Ministério da Cultura, com aquele Ministério. Contudo, não teria ocorrido uma ruptura efetiva, porquanto ainda persistia certa elitização das pautas raciais pelo Itamaraty, que buscou se apropriar delas para promover e desenvolver estrategicamente os negócios e ganhar prestígio internacional. Assim, a SEPPIR teve resultados práticos muito limitados, e a pauta afro-brasileira foi diluída em gestões posteriores ao Ministério da Cultura (Amorim & Silva 2021).
Vale destacar ainda que uma importante contribuição para o processo de ampliação da esfera pública de discussão democrática partiu de uma das propostas do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI): a criação do Conselho Nacional de Política Externa (CONPEB)...
Vale destacar ainda que uma importante contribuição para o processo de ampliação da esfera pública de discussão democrática partiu de uma das propostas do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI): a criação do Conselho Nacional de Política Externa (CONPEB) conforme previsto na Constituição de 1988 e na esteira da iniciativa que, como vimos, já existe no Mercosul no âmbito da agricultura familiar. Tal Conselho, de natureza consultiva, teria como função acompanhar a condução da política externa do Poder Executivo federal e contribuir para a definição de diretrizes gerais dessa política, por meio de um processo de ampla participação de uma pluralidade de organizações, movimentos, redes e outros fóruns com atuação no campo da política externa, incluindo setores empresariais, organizações sindicais, movimentos sociais, organizações não governamentais, fundações partidárias, acadêmicos, instituições de estudos e centros de pesquisa, entre outros (Milani 2015). Conforme destaca Milani (2015, 73):
Além de promover a democratização das agendas de política externa e a dimensão propriamente pública de seus debates, a proposta do CONPEB fortalece institucionalmente o MRE na relação com outros atores governamentais domésticos e legitima sua capacidade de negociação no exterior, na medida em que amplia a representatividade e a pluralidade de vozes da sociedade na arena renovada da política externa.
Apesar da proposta de criação do CONPEB ter recebido sinal verde de várias organizações não governamentais e do próprio Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), o projeto enfrentou resistências por parte de alas internas do Itamaraty, que continuam recorrendo ao argumento da especificidade da política externa, dado seu caráter de política de interesse nacional (Milani 2015; Silva 2015).
Conclui-se, desse modo, que, embora a política externa brasileira tenha coexistido com limitações, oposições e obstáculos, o Brasil desempenhou ações que demonstraram uma preocupação com abertura do seu processo decisório à sociedade civil. O processo contínuo de democratização da política externa brasileira talvez tenha conquistado nos governos Lula um momento importante no padrão de participação, visto por nós como um legado que merece ser resgatado e fomentado até atingir um novo grau de maturidade.
OS DESAFIOS TRANSESCALARES À PAUTA DEMOCRÁTICA
Washington, dia 6 de janeiro de 2021: apoiadores do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, invadem o Capitólio, sede do Congresso e principal símbolo do poder político do país, em protesto a uma suposta fraude nas eleições que deram vitória ao democrata Joe Biden. A invasão incitada por Trump a partir da farsa da fraude eleitoral foi descrita, por muitos jornalistas e analistas políticos, como o maior atentado à democracia dos/nos Estados Unidos (Fernández 2021).
…se pensarmos a política externa a partir de uma perspectiva transescalar e histórica, podemos entender o autogolpe de Trump não como algo supostamente estranho à democracia norte-americana (...). O golpe do dia 6 de janeiro é familiar porque nos remete à tradicional política externa dos Estados Unidos de fomento a políticas antidemocráticas, de desestabilização política e econômica na América Latina.
Contudo, se pensarmos a política externa a partir de uma perspectiva transescalar e histórica, podemos entender o autogolpe de Trump não como algo supostamente estranho à democracia norte-americana, que se projeta no mundo como madura e exemplar em contraposição às democracias latino-americanas, tidas como incipientes e pouco institucionalizadas (Fernández 2021). O golpe do dia 6 de janeiro é familiar porque nos remete à tradicional política externa dos Estados Unidos de fomento a políticas antidemocráticas, de desestabilização política e econômica na América Latina. Abundam exemplos através da história da América Latina de intervenções militares norte-americanas para derrubada de governos contrários aos seus interesses econômicos e de segurança, de assistência militar e econômica para perpetuação de regimes autoritários ou, ainda, de incentivo a grupos de oposição para deposição de governos constitucionalmente eleitos (Fernández 2021). Se levarmos em conta essa outra história dos Estados Unidos como potência imperialista na América Latina, a invasão do Capitólio não causa tanta estranheza. Diferentemente, ela pode ser vista como resultado de um efeito boomerang, nos termos colocados por Aimé Césaire (2000) ao se referir à experiência nazista. Para o poeta antilhano, antes de serem vítimas do racismo com o advento dos regimes nazifascistas, os europeus foram cúmplices, pois toleraram, legitimaram e absolveram práticas racistas nos domínios coloniais antes que elas os impactassem.
Vemos, a partir desse episódio, uma conexão íntima entre as dimensões externas e internas, ou um atravessamento entre as escalas regional, global e nacional, visto que a democracia interna não tem como ser blindada em relação ao comportamento externo do Estado. Ou seja, é como se a incitação aos golpes, prática tão íntima à política externa dos Estados Unidos para a América Latina, tivesse inadvertidamente migrado para dentro do território norte-americano. Longe de ser um desvio ou anomalia na história dos Estados Unidos, os golpes estão firmemente inscritos na história do país (Fernández 2021).
Brasília, dia 8 de janeiro de 2023: apoiadores do ex-presidente Bolsonaro invadem o Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, situados na Praça dos Três Poderes da capital federal, movidos pela alegação, incitada pelo ex-presidente, de que houve fraude nas eleições, apesar da inexistência de provas.
A similaridade entre os dois episódios, em Washington e em Brasília, com intervalo de dois anos, não é acidental, mas constitui evidência da articulação internacional e transnacional da extrema-direita em diversas partes do globo e, em particular, entre os Estados Unidos de Trump e o Brasil de Bolsonaro. Bolsonaro promoveu uma reorientação radical em relação à política externa formulada e implementada pelos governos anteriores de Lula, já que centrada em um alinhamento ideológico e automático em relação aos Estados Unidos de Trump. Como destaca Boaventura de Souza Santos (2023), é conhecida a aproximação da extrema-direita brasileira com a norte-americana, que tem no ideólogo e estrategista de Trump, Steve Bannon, um dos seus principais articuladores. Na rede social Gettr, criada por um ex-assessor de Trump, Bannon se recusou a aceitar o resultado das eleições no Brasil, mesmo depois das invasões e depredações do dia 8 de janeiro em Brasília: “Lula roubou a eleição... os brasileiros sabem disso”, chamando os invasores de “lutadores pela liberdade” (Wendling 2023). Para além do papel de Bannon como figura tutelar da extrema-direita brasileira desde 1993 (Santos 2023), a narrativa conspiratória sobre a fraude eleitoral foi disseminada e capilarizada por meio das redes sociais pelos seguidores de Trump e de Bolsonaro, que passaram a se apoiar reciprocamente.
Se, historicamente, os Estados Unidos têm instigado golpes contra democracias na América Latina, nesse caso a exportação das experiências antidemocráticas para o continente se deu via o exemplo e as lições aprendidas com os movimentos de extrema-direita que invadiram o Capitólio inspirados pelo negacionismo eleitoral de Trump. O movimento, contudo, não é apenas do Norte para o Sul, pois, como já vinham chamando a atenção autores como o próprio Santos (2022, e ver Abrão et al. 2021), bem como Jean Comaroff e John L. Comaroff (2012), o Sul vem sendo entendido como um laboratório de testagem para os projetos neoliberais e de extrema-direita globais em curso, o que requer que os Estados Unidos estejam atentos às movimentações da extrema-direita no Brasil, dadas suas conexões estreitas com a extrema-direita estadunidense. Para Santos (2022), as eleições do Brasil que deram vitória a Lula foram vistas como as primárias das eleições dos Estados Unidos em 2024. Santos (2022) sinalizou que a posição dos Estados Unidos de Biden a favor da regularidade e da pacificação democrática tem como motivação prioritária o entendimento de que o favorecimento de um golpe no Brasil seria positivo para Trump nas próximas eleições. Além disso, existem considerações geopolíticas que dizem respeito ao interesse de colocar o Brasil na ordem internacional eurocêntrica e norte-americana, pressionando o país para se distanciar da China (Santos 2022). É, sem dúvida, um jogo complexo, uma vez que o alinhamento automático do Brasil aos Estados Unidos, verificado na condução da política externa do governo de Bolsonaro, dependeu justamente de uma aliança ideológica da extrema-direita alicerçada na sacralização da identidade ocidental. Como escreveu o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, o sentido da aliança com os Estados Unidos não deveria estar fundamentado em considerações geopolíticas, mas em sentimentos profundos arraigados na alma ocidental, em laços de cultura, fé e tradição (Araújo 2017).
Outro complicador em relação ao interesse dos Estados Unidos de Biden de afastar o Brasil da esfera de influência da China é que, apesar das retóricas de rejeição à China promovidas pelo governo Bolsonaro, as relações bilaterais entre os dois países continuaram se expandindo tanto no âmbito econômico, por meio de fluxos de comércio e investimentos, como também por meio de outras formas de cooperação internacional. No contexto da pandemia de Covid-19, fortaleceu-se a cooperação com a China em questões sanitárias, como a importação de insumos e produção de vacinas, além de suprimentos e equipamentos hospitalares em geral, e tecnológicas, em que se avançou em discussões sobre economia digital e na implementação da tecnologia 5G. Como contraponto ao discurso negacionista de Bolsonaro, observou-se uma maior autonomia de entes subnacionais, como o Consórcio do Nordeste, que se reuniu com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, a fim de buscar uma solução para o atraso no envio dos insumos necessários à produção das vacinas (Abrão et al. 2021). Apesar dos complicadores aqui elencados, o interesse de Trump de neutralizar a força da extrema-direita nos Estados Unidos com vistas às eleições de 2024 e de distanciar o Brasil da China explica o rápido posicionamento do governo Biden, após as investidas golpistas de 8 de janeiro, em defesa das instituições democráticas brasileiras, a solidariedade prestada ao presidente Lula e a qualificação dos ataques como “ultrajantes” (Agência Senado 2023). Tudo indica que, apesar das pressões crescentes para que o Brasil se alinhe aos Estados Unidos naquilo que vem sendo conhecido como uma “nova Guerra Fria”, o Brasil de Lula vai adotar uma política ativa de não alinhamento face à nova ordem internacional articulada em torno da China e dos Estados Unidos, mantendo uma “equidistância pragmática” (Moura 1980) em relação aos novos contendores globais, similar àquela política externa conduzida pelo Brasil às vésperas da Segunda Guerra.
Diante desse cenário, enormes desafios se apresentam para a política externa do novo governo, que terá de navegar com segurança e estabilidade através das marés autoritárias que chegam desde todos os cantos do globo a partir de ondulações transnacionais, mas também a partir das políticas de governos como os da Itália, Polônia e Hungria. Essa navegação é tanto mais delicada se levarmos em consideração que a democracia de massas é recente na história do Brasil, tendo em vista que mesmo a experiência de liberalização de 1946-1964 foi marcada pelo sufrágio limitado aos cidadãos alfabetizados e, entre 1964-1985, o país foi governado como ditadura militar, sem a realização de eleições diretas para presidente durante todo o período (Santoro 2012). A Constituição de 1988 encerrou oficialmente a ditadura civil-militar e deu início a uma nova fase republicana comprometida em assentar as bases e instituições para a afirmação e consolidação da democracia no país. A redemocratização e o processo de elaboração da Constituição de 1988, que durou mais de um ano, contaram com ampla participação popular e uma ativa mobilização da população negra, pobre e periférica, como enfatizou o atual ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, no seu discurso de posse (Congresso em Foco 2023).
A implantação gradual das urnas eletrônicas a partir de 1996 foi mais uma etapa de aprofundamento desse processo de democratização do país. Contrariamente às infundadas suspeitas semeadas em relação ao processo eleitoral brasileiro, o sistema eletrônico de votação do Brasil é internacionalmente reconhecido como símbolo republicano de eficiência, lisura e segurança. De fato, o Brasil se tornou referência internacional nesse assunto para diversos Estados que vêm cooperando com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para conhecer o funcionamento e importar o sistema de votação brasileiro. Por meio de tais acordos, o Brasil já emprestou urnas desenvolvidas pelo TSE para inúmeros países, entre os quais República Dominicana, Costa Rica, Equador, Argentina, Guiné-Bissau, Haiti, México e Paraguai (TSE 2022). Além disso, o Brasil vem transferindo tecnologias e conhecimento, sobretudo para países da América Latina e da África, muitos dos quais, como no caso da Guiné-Bissau, contam com altos índices de analfabetismo (Abdenur & Souza 2013). Ademais, a introdução das urnas eletrônicas tem reduzido significativamente o número de votos inválidos. No caso do Brasil, essa redução foi de 82% nas eleições municipais de 2000, justamente o ano em que a urna eletrônica chegou a todas as seções eleitorais do país. Nesse sentido, as suspeitas levantadas contra as urnas eletrônicas representam não apenas uma tentativa de minar a credibilidade do nosso sistema democrático, mas também um ataque ao voto dos mais pobres, tendo em vista que os eleitores analfabetos ou com baixa alfabetização eram os que mais erravam no preenchimento dos formulários de votação (TSE 2022).
Como já discutido, o processo de redemocratização incidiu de inúmeras maneiras sobre a política externa, sobretudo a partir de um processo crescente de des-diferenciação (Bigo 2006) entre os temas tradicionalmente vistos como concernentes às esferas interna e externa do Estado. Temas sociais como combate à fome, programas de transferência de renda e enfrentamento ao racismo passaram a conformar e ganhar peso na agenda diplomática brasileira (Santoro 2012). Contudo, esse processo de infiltração de temas outrora tidos como domésticos na agenda de política externa só foi possível devido às pressões oriundas da sociedade civil, da sua organização e do seu ativismo em fóruns e conferências internacionais a partir de pautas feministas, socioambientais e dos movimentos negros e indígenas, entre outras (Alves 2002 apud Santoro 2012).
O processo de democratização nacional contribuiu, sobremaneira, para o processo de democratização da política externa e para o seu entendimento como política pública. A permeabilidade da política externa a grupos sociais variados, por sua vez, contribuiu, não sem resistências, para descentralizar o processo de formulação e condução da política externa até então monopolizado pelo Itamaraty, cuja posição privilegiada era respaldada pela academia de Relações Internacionais, fortemente influenciada pelas convicções intelectuais realistas. A partir de tais convicções, a política externa é dotada de uma natureza específica que a diferencia ontologicamente da política interna, já que as relações entre Estados se desenvolvem em um ambiente anárquico em que reina a insegurança, fazendo com que os diplomatas tenham de focar nos temas que dizem respeito à segurança e sobrevivência dos Estados, os quais, por sua vez, são entendidos como deveras importantes para serem delegados à opinião pública vista, por autores realistas, como no caso de Hans Morgenthau, sob o prisma da irracionalidade (ver Lima 2000; Morgenthau 2003).
Essa visão de mundo realista se ajustava e conferia legitimidade à manutenção de uma corporação diplomática que, como nos mostram Amorim & Silva (2021), desde o seu surgimento se configurava como elitizada, europeizada, branca, tendo como principal propósito buscar o reconhecimento do Brasil não em relação aos atores domésticos, mas sim em relação à Europa. Para Vieira (2018), no século XIX e início do século XX, as elites transpuseram para a política externa suas ansiedades em relação à posição periférica e inferior do Brasil. O “viralatismo” brasileiro resultou em uma busca frenética por alcançar os ditos padrões civilizatórios ocidentais. Nesse período, o Brasil buscava ser reconhecido como um ator independente e moderno e, para tanto, se alinhou às teorias pseudocientíficas da superioridade racial branca que circulavam na Europa, fomentando políticas de imigração europeia que visavam ao branqueamento da população (Vieira 2018; Bento 2002).
No período entre-guerras, em razão dos impactos causados pela devastação europeia na Segunda Guerra e da Crise de 1929 sobre a ordem euro-americana, houve, segundo Vieira (2018) um rearranjo nos espelhos através dos quais as elites nacionais se miravam. Se, até o momento, as elites buscavam emular a modernidade ocidental representada sobretudo pela Inglaterra e pela França, nesse novo contexto Portugal passa a ser entendido como portador de um ideal de modernidade alternativo e positivo. Essa nova visão que, pouco a pouco, passou a conformar o imaginário nacional foi teorizada e amplamente divulgada por Gilberto Freyre, para quem a colonização portuguesa, diferentemente das colonizações britânica e francesa, teria se caracterizado pela sua plasticidade e se mostrado afeita a “uma relação de abertura para com os dominados (indígenas e africanos), o que resultaria em uma mescla cultural e biológica que nos impediria de pensarmos os brasileiros por meio de categorias raciais binárias” (Lewis 2020, 65; Freyre 2006).
Nesse sentido, nossa colonização passou a ser narrada a partir de tons excepcionalistas por meio do mito da democracia racial, que nos apresentava um Brasil herdeiro de uma colonização dita benevolente pautada no relacionamento harmônico entre brancos, negros e indígenas (Fernandes 2008; Vieira 2018). Como corolário dessa construção, nossa comunidade imaginada, conforme denuncia Lewis (2020, 65), desconsiderou a violência colonial e estatal contra a população negra por meio do solapamento da validade da categoria racial e da hegemonia da categoria classe para classificação das hierarquias sociais. Essa nova interpretação do Brasil, contudo, foi desacreditada pelo movimento negro por meio de intelectuais e ativistas como Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento; afinal, os negros estavam sujeitos a toda sorte de violências nas suas relações cotidianas, bem como à omissão do Estado em relação à produção de políticas públicas para o enfrentamento dessas mesmas violências. Para González (1988, 72-3), por aqui prevalecia um “racismo por denegação” ou disfarçado sob o manto da miscigenação, da assimilação e da democracia racial. Para a autora, esse tipo de articulação das relações raciais, característica da colonização ibérica, era suficientemente sofisticada, já que mantinha os negros e indígenas na condição de segmentos subordinados no interior das classes mais exploradas, ao mesmo tempo que invalidava a própria categoria de raça para explicar as hierarquias sociais.
Para Abdias do Nascimento (1978), a democracia racial constitui a metáfora perfeita do racismo à brasileira, pois, ao mesmo tempo que não era tão óbvio como o racismo dos Estados Unidos, e nem legalizado como o apartheid da África do Sul, era eficazmente institucionalizado em todos os níveis do governo, bem como difuso no tecido social, psicológico, político e cultural da sociedade brasileira (Lewis 2020). Como exemplo desse esforço de mascaramento do racismo brasileiro, podemos citar o caso do banimento da presença de Nascimento como delegado oficial do Brasil no Segundo Festival Mundial de Cultura e Artes Negras e Africanas (FESTAC’77) realizado em Lagos, Nigéria, em 1977, restando-lhe participar na condição de observador do evento (Teixeira 2019). Afinal, o Itamaraty produzia e reproduzia a identidade brasileira concebida pelas elites do poder – aquela que, como vimos, enaltecia o mito da miscigenação, da assimilação e da democracia racial contra o qual o movimento negro se posicionava (Amorim & Silva 2021). Essa tentativa frustrada da diplomacia brasileira de silenciá-lo é narrada de forma testemunhal no seu livro Sitiado em Lagos: autodefesa de um negro acossado pelo racismo (Nascimento 1981). Mesmo acuado, Nascimento logrou chamar a atenção para a farsa da “democracia racial” brasileira que mascarava um verdadeiro e sistemático genocídio cometido contra o povo negro (Vilela & Fernández 2022). Na ocasião, Nascimento conseguiu circular o ensaio O genocídio do negro brasileiro, que havia sido rejeitado para apresentação no encontro e que, mais tarde, se transformou no livro O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado, publicado no Brasil em 1978 (Teixeira 2019). Para Nascimento, a ideia de democracia racial, com a sua valorização do processo de miscigenação, implicava, de fato, a aniquilação da negritude e, portanto, era cúmplice do genocídio do povo negro (Lewis 2020).
A imagem que o Brasil tentava erigir para consumo dos círculos internacionais era a de um país que se orgulhava de ser plurirracial e multiétnico. Todavia, o Brasil de fato, experimentado pelas populações negras, possuía uma face extremamente intolerante que sempre vinha à tona quando os sujeitos negros ousavam reivindicar o direito à diferença (Nascimento 1997; 1978).
A imagem que o Brasil tentava erigir para consumo dos círculos internacionais era a de um país que se orgulhava de ser plurirracial e multiétnico. Todavia, o Brasil de fato, experimentado pelas populações negras, possuía uma face extremamente intolerante que sempre vinha à tona quando os sujeitos negros ousavam reivindicar o direito à diferença (Nascimento 1997; 1978). Um dos movimentos feitos por Nascimento para desestabilizar a imagem internacional do Brasil foi iluminar o jogo duplo da política externa brasileira em relação à África. Se, por um lado, o Brasil expunha uma retórica anticolonialista e antirracista, por outro lado, o país sempre agia como um aliado do colonialismo português, em desacordo com o consenso internacional e as diretrizes das Nações Unidas (Nascimento 2014; 1978).
Os fundamentos que justificaram o colonialismo português da década de 1950 em diante, por sua vez, eram provenientes da mesma raiz ideológica freyriana internalizada pela sociedade brasileira e que, como vimos, concebia o processo de colonização portuguesa como exitoso. Segundo tal ideologia, o Brasil moderno teria se constituído por meio de um processo feliz de colonização, informado pela mestiçagem racial e pela hibridização cultural, entendidas como condições necessárias para o nosso processo de democratização (Bartelson 2015). O sucesso da colonização portuguesa, segundo Freyre, residia na singularidade da natureza da sua relação com os trópicos. Esse traço peculiar à colonização portuguesa recebeu a alcunha de luso-tropicalismo, a qual sublinhava as vantagens sociais e políticas que, supostamente, derivavam da extensiva mestiçagem e hibridização entre os diferentes povos do mundo de fala portuguesa (Bartelson 2015). A ideologia luso-tropicalista viajou desde as elites pós-coloniais brasileiras para as portuguesas, que viram nela uma oportunidade única para justificar a sobrevivência da colonização em um contexto de descolonização do mundo afro-asiático e de deslegitimação das teorias pseudocientíficas de superioridade racial que haviam informado a colonização no século XIX. Esse pacto ideológico entre as elites transatlânticas resultou em uma campanha maciça de Salazar pela legitimação da ideologia luso-tropicalista, que foi facilitada por estar em sintonia com os novos princípios morais e legais da sociedade internacional do pós-Segunda Guerra, que já não mais compactuavam com uma imaginada superioridade racial ou civilizatória dos povos europeus, minada em função das atrocidades nazistas cometidas em nome da suposta superioridade racial ariana (Bartelson 2015; Keene 2002). O novo contexto criou as condições de possibilidade para que o luso-tropicalismo formulado por Freyre, com sua glorificação ao processo sui generis de colonização portuguesa baseado na extensiva mestiçagem e hibridização entre os diferentes povos do mundo colonizados por Portugal, fosse apropriado pelo Estado colonial português como ideologia oficial e passasse a ser internalizado a partir da sua difusão via livros-texto e cultura popular (Bartelson 2015).
A posição contraditória do Brasil também se manifestava em relação ao regime do apartheid na África do Sul. Em 1968, durante discussão sobre o apartheid na África do Sul, o delegado do Brasil na ONU – membro de uma delegação composta apenas por brancos – afirmou que a posição antirracista do país era “conhecida e invariável. Ela representa a essência mesma do povo brasileiro, que nasceu da fusão harmoniosa de várias raças, que aprenderam a viver juntas e a trabalhar juntas, uma exemplar comunidade” (Nascimento 1978, capítulo VIII). Junto ao movimento negro, Nascimento participou de congressos, seminários e de inúmeros atos públicos exigindo o rompimento de relações diplomáticas e comerciais com o regime racista e assassino da África do Sul (Nascimento 2014). Nas palavras de Nascimento: “É realmente uma contradição terrível que o Brasil, o maior país negro do mundo depois da Nigéria, que tanto se proclama o berço da ‘democracia racial’ e que deveria liderar internacionalmente a luta contra o apartheid, mantenha relações diplomáticas e comerciais com o governo sul-africano” (Nascimento 2014, 77).
Por outro lado, Nascimento também denunciou o subimperialismo brasileiro em relação ao continente africano em substituição ao português, uma vez que Portugal é expulso da África pelas lutas de libertação nacional (Nascimento 1978). Contudo, para Nascimento, essa postura imperial do Brasil foi camuflada devido à sua reputação de ser a maior democracia racial do mundo (Nascimento 1978). A aproximação econômica e cultural do Brasil em relação ao continente africano entrava em contradição com as múltiplas tentativas do Brasil de expurgar a África da construção da sua identidade nacional ou de arrancar da mente e do coração dos descendentes de escravizados a imagem da África como lembrança positiva de nação (Nascimento 2009). Como destaca Nascimento, no Brasil, a elite dominante sempre desenvolveu esforços para impedir que o negro, após a dita abolição, pudesse assumir suas raízes étnicas, históricas e culturais, dessa forma seccionando-o do seu tronco familiar africano (Nascimento 2009).
Essa breve retrospectiva da política externa brasileira buscou evidenciar seu caráter elitista e de que modo a natureza antidemocrática de formulação e condução da política externa esteve alinhada com a projeção internacional de um Brasil miscigenado e tolerante derivado do colonialismo português. Como já observamos, a política externa de Lula a partir de 2003 representou um rompimento com a forma tradicional de se olhar para as relações internacionais, já que deixa de estar orientada para a mimetização do padrão ocidental de modernidade, ao mesmo tempo que passa a valorizar as relações de solidariedade com os países do Sul Global, africanos e latino-americanos. Por outro lado, longe de se autoentender como um paraíso racial pautado na tolerância racial, o Brasil passa por um processo de autocrítica, chamando a atenção para a desigualdade racial interna e para os seus efeitos perversos sobre a democracia nacional. Um exemplo que ilustra esse movimento de reconstituição subjetiva da identidade brasileira diz respeito aos quilombos, que resistiram à colonização portuguesa. Como nos mostra Yvonne Captain (2010), os quilombos, que nunca haviam figurado nas imagens oficiais do Brasil por serem entendidos a partir dos estereótipos raciais como caóticos, sujos e pobres e, logo, como desviantes dos padrões da modernidade ocidental, foram ressignificados durante os governos Lula como tesouros nacionais, e sua política avançou no processo de regularização de terras quilombolas, direito assegurado na Constituição brasileira.
A política externa de Lula a partir de 2003 representou um rompimento com a forma tradicional de se olhar para as relações internacionais, já que deixa de estar orientada para a mimetização do padrão ocidental de modernidade, ao mesmo tempo que passa a valorizar as relações de solidariedade com os países do Sul Global, africanos e latino-americanos.
A valorização da nossa África interna e a exposição de uma sociedade fraturada a partir de linhas raciais ressignificaram, como já indicado a partir de Amorim e Silva (2021), a questão racial doméstica. É importante voltar a destacar que esse ajuste discursivo na política externa brasileira foi possibilitado pelo novo ambiente político aberto com o governo Lula, mas foi de fato produzido por meio das lutas e reivindicações históricas do movimento negro que, como vimos, já apontavam há tempos para a farsa da democracia racial. Além disso, como observamos, o movimento negro e especialmente as mulheres negras tiveram um engajamento ativo na Conferência de Durban em 2001, que teve como um dos seus principais legados o fomento do diálogo interno sobre as relações raciais (Amorim & Silva 2021).
Como bem coloca Sueli Carneiro (2002, 211) a despeito dos inúmeros avanços no sentido da democratização da política externa: “Durban não terminou...”. Segundo Carneiro (2002) Durban testemunhou uma disputa explosiva em torno da problemática étnico-racial no plano internacional, com potencial para polarizar o mundo contemporâneo. Além disso, como nos alerta Santoro (2012), a participação cidadã na política externa continuou sendo muito pequena, em grande medida porque a burocracia do MRE continuou relutante em abrir quaisquer espaços de diálogo com a sociedade civil que pudessem configurar perda da sua liderança na formulação de política externa.
Esperamos, contudo, que o novo governo possa vencer as resistências e dar seguimento à proposta de criação do CONPEB, de modo a contribuir para a representatividade e a credibilidade da nossa política externa, radicalizando sua dimensão pública ao envolver uma pluralidade de vozes, e promover a participação popular em uma noção ampliada dessa esfera, assegurando nela a predominância do interesse público e a gestão democrática (ver Carta Capital 2014; Milani 2015). Para Marina Caixeta (2022), a proposta, em suspensão, de um Livro Branco da Política Externa também precisa ser retomada. Como explica a autora, ele fez parte de uma tentativa associada aos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) de promover a abertura do Itamaraty à participação democrática em prol de uma política externa com maior envolvimento da sociedade brasileira. Segundo o ex-ministro das Relações Exteriores no governo Dilma, Luiz Alberto Figueiredo Machado, o Livro Branco seria um documento público com os registros dos princípios e principais linhas de ação externa do Brasil. Nas palavras do ex-ministro: “Tenho insistido que a política externa brasileira tem de ser cada vez mais ativa e inclusiva, precisamos ouvir mais a sociedade para ampliarmos nossa capacidade de formular, planejar e executar” (ver Macedo 2014).
A equipe de transição de política externa nomeada pelo presidente Lula no seu terceiro mandato já mostrou sinais da disposição do novo governo em retomar e aprofundar o diálogo com os movimentos sociais e representações populares. Conforme consta no relatório final do Grupo Técnico de Relações Exteriores da Comissão de Transição Governamental (2022, 73), o GT de Relações Exteriores levou a cabo um amplo processo de diálogo com organizações da sociedade civil e com grupos de interesses que atuam no âmbito do MRE, o qual culminou em uma reunião abrangente de escuta com cerca de cem representantes da sociedade civil sobre temas de política externa, incluindo aqueles ligados à participação social. Ademais, o relatório (2022, 74) coloca que, tendo em vista o diagnóstico sobre a necessidade de institucionalização da participação social na discussão e formulação da política externa, devem-se analisar as diversas possibilidades de fomento à participação social, como é o caso do Conselho de Política Externa, conforme propostas já apresentadas por coalizões de organizações da sociedade civil e gestões anteriores do MRE.
Para Milani (2015), tais iniciativas, como a do CONPEB e do Livro Branco, abrem um espaço para negociação de conflitos e costura de acordos entre diferentes posições sobre os destinos da PEB nos mais variados temas como comércio, integração regional, cooperação para o desenvolvimento, entre outros, o que se revela saudável para a democracia. Ao mesmo tempo, tais iniciativas contribuem para desfazer o mito da permanência de um paradigma imutável da inserção internacional do Brasil, iluminando o caráter dinâmico das relações internacionais e promovendo uma abertura institucional para mudança em função das demandas sociais contingentes (Milani 2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS: “ENQUANTO HOUVER RACISMO, NÃO HAVERÁ DEMOCRACIA”
Trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós.
Mulheres do Brasil, vocês existem e são valiosas para nós.
Homens e mulheres pretos e pretas do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós.
Povos indígenas deste país, vocês existem e são valiosos para nós.
Pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, intersexo e não binárias, vocês existem e são valiosas para nós.
– Sérgio Almeida, discurso de posse como ministro dos Direitos Humanos, 3 de janeiro de 2023.
Os ataques aos Três Poderes no dia 8 de janeiro foram seguidos por um coro de condenações por parte de lideranças internacionais, passando pelos Estados Unidos de Biden, pela França de Macron, pela China de Xi Jinping, pela Rússia de Putin, além do repúdio maciço por parte de líderes latino-americanos, do Parlamento Europeu e das Nações Unidas. A defesa da normalidade democrática também foi defendida por todos os governadores e vice-governadores que, em um gesto simbólico, caminharam com o presidente Lula do Palácio do Planalto até o Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, uma pesquisa do Datafolha divulgou que 93% dos brasileiros condenaram os ataques feitos por bolsonaristas (G1 2023a). A defesa do Estado democrático de direito uniu um público nacional e internacional de diferentes espectros ideológicos em torno da normalidade democrática e, em menor grau, em torno das palavras da vez: pacificação nacional e “sem anistia”.
Argumentamos que se faz necessário nos mantermos vigilantes para que os esforços em curso pela manutenção do estado democrático de direito e pela promoção da conciliação nacional, ainda que urgentes diante das ameaças postas por forças antidemocráticas radicais, não ofusquem ou continuem mantendo em uma posição secundária a luta pela democracia que o movimento negro tem pautado. Tal luta tem apontado para os limites da democracia jurídico-formal diante do racismo estrutural herdado do nosso passado escravagista. Nos termos dessa luta, o vocabulário jurídico-político se revela incapaz de dar conta das performances de violência que afetam, desproporcionalmente, as pessoas negras (Flauzina & Pires 2020).
A partir do manifesto “enquanto houver racismo, não pode haver democracia”, lançado em 2020 pela Coalizão Negra por Direitos, a democracia segue como um projeto, mas nunca se concretizou e, de fato, conforme afirma a ativista da Coalizão Maria José Menezes, não pode se concretizar onde as desigualdades raciais são naturalizadas (ver Brito 2020). Essa visão é corroborada pelo presidente Lula quando, em entrevista para a jornalista Natuza Nery (G1 2023b), afirmou que a democracia só vai ser defendida pelo povo se ela se traduzir no enfrentamento da situação dos moradores de rua, na erradicação da fome, do desemprego, das situações de feminicídio e do extermínio de meninos negros na periferia. Como vimos, o mito da democracia racial, articulado internamente e externamente, velou as iniquidades que estruturam a sociedade brasileira.
Tendo em vista, por um lado, que o governo Lula se elegeu por meio de uma ampla frente democrática que o obrigará a negociar com distintos grupos de interesse e, por outro lado, a necessidade premente de reconstrução e reconciliação nacionais após um governo orientado pelo desmonte e pela destruição das conquistas democráticas e das políticas públicas, a possibilidade de se negociar por baixo os termos de uma democracia não está descartada. Ainda, um dos perigos evidenciados pelos atentados do dia 8 é que a agenda de segurança, central nesse momento, obrigue o governo a desviar sua atenção da agenda social em nome de uma situação de crise constante.
Argumentamos que a principal polarização da sociedade brasileira, historicamente pacificada pelo mito da democracia racial, não é a polarização entre forças progressistas e conservadoras, ou entre esquerda e direita, mas aquela assentada na “linha de cor” (Du Bois 1961) herdada do nosso passado colonial. Contudo, essa “linha de cor” foi invisibilizada na nossa constituição identitária, já que fomos socializados a nos autoimaginar como uma nação miscigenada e harmônica, na qual a categoria racial não fazia sentido. Quando presente, tal categoria era vista como importada de outras realidades, como a norte-americana, caracterizada pela polarização racial. Segundo Nascimento: “O mito da ‘democracia racial’ mantém uma fachada despistadora que oculta e disfarça a realidade de um racismo tão violento e tão destrutivo quanto aquele dos Estados Unidos ou da África do Sul” (Nascimento 1982, 28-9). Afinal, tanto aqui como nos Estados Unidos, o sistema na sua normalidade democrática desumaniza, (re)produz desigualdades, pobreza e morte para parcela significativa da população. Como o nosso atual ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, faz questão de nos lembrar, as condições normais de funcionamento da sociedade reproduzem a subalternidade de determinados grupos identificados racialmente (Feminismos Plurais 2020).
Dialogando com a literatura da antinegritude, João Vargas (2016) argumenta que, mesmo no contexto dos governos do PT, caracterizados por ganhos econômicos e políticos sem precedentes propiciados por políticas públicas explicitamente voltadas para pessoas empobrecidas – como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida –, bem como pela implementação de ações afirmativas, as pessoas negras continuaram a morrer prematura e desnecessariamente. Nas palavras de Vargas (2016, 14):
No mesmo momento, único e de fato espetacular, em que principalmente a renda, mas também o acesso à educação e à saúde beneficiam desproporcionalmente, e de maneira mais contundente, as pessoas afrodescendentes, são também elas as mais vulneráveis a doenças letais evitáveis, segregação residencial e, mais emblematicamente, a mortes violentas, inclusive as causadas por agentes do Estado.
Para Vargas, a violência causada por agentes do Estado contra a população negra é gratuita e atua independentemente do universo jurídico e da esfera dos direitos e da cidadania (Flauzina & Pires 2020; Vargas 2016). A partir de Vargas (2016), podemos entender a leniência da Polícia Militar e das Forças Armadas em relação às cenas de depredação do patrimônio público do dia 8 protagonizadas majoritariamente por pessoas brancas, quando comparadas ao modus operandi truculento dessas forças contra pessoas negras. O privilégio branco garante que aqueles que estão protestando, por mais destrutivos que sejam, estarão sujeitos a uma violência contingente, enquanto para as pessoas negras a violência sofrida não depende do protesto ou de uma atitude explicitamente antagônica, já que para elas a violência é normalizada, não contingente a uma provocação, não provoca escândalo, ou, como coloca Vargas (2016, 15), ela é “previsível na sua imprevisibilidade”.
...podemos entender a leniência da Polícia Militar e das Forças Armadas em relação às cenas de depredação do patrimônio público do dia 8 protagonizadas majoritariamente por pessoas brancas, quando comparadas ao modus operandi truculento dessas forças contra pessoas negras. O privilégio branco garante que aqueles que estão protestando, por mais destrutivos que sejam, estarão sujeitos a uma violência contingente, enquanto para as pessoas negras a violência sofrida não depende do protesto ou de uma atitude explicitamente antagônica, já que para elas a violência é normalizada, não contingente a uma provocação…
Desde o golpe sofrido por Dilma, caracterizado pelo impeachment da ex-presidenta em 2016, verificou-se um realinhamento de forças de extrema-direita que impuseram uma retomada dos padrões históricos de violência racial expressa no constante genocídio do povo negro e na precarização das condições de vida, empiricamente evidenciada, por exemplo, pelo aumento da informalização do trabalho, desemprego em alta, diminuição da renda, aumento exponencial de pessoas em situação de rua e evasão escolar (Lewis 2020). Nesse sentido, os atos de vandalismo e saques perpetrados contra os Três Poderes não podem ser entendidos à parte da sua dimensão racial. A agenda dos grupos de extrema-direita radicalizados se confunde com a agenda antipolítica de desmonte, destruição e retrocessos sociais. Por meio das suas performances violentas, os sujeitos que invadiram os prédios públicos no dia 8 estavam desautorizando as novas interpretações do Brasil performadas na posse do presidente Lula, uma semana antes, quando corpos negros e pobres, não autorizados a ocupar os espaços convencionais de poder, subiram a rampa do Planalto para entregar a faixa ao novo presidente, junto a outros representantes de setores invisibilizados da sociedade, como metalúrgico, indígena, criança negra e pessoa com deficiência.
Nesse sentido, não é possível entender o trágico evento do dia 8 sem levar em consideração outra disputa que, embora invisibilizada, está posta: a disputa entre dois Brasis, o Brasil que destrói para restaurar uma ordem profundamente desigual e antidemocrática e, de outro lado, o Brasil daqueles que habitam a “zona do não ser”, dos corpos negros desumanizados, para os quais os pactos democráticos e a arena pública nunca foram extensivos e que tiveram suas subjetividades sistematicamente negadas.
O novo governo terá um duplo desafio pela frente: não apenas reconstruir a democracia que retrocedeu nos últimos quatro anos do governo Bolsonaro, quando as desigualdades foram potencializadas, os direitos sociais dos segmentos mais vulnerabilizados sucateados e as políticas públicas desmanteladas, mas também aprofundá-la de modo a enfrentar as assimetrias raciais, de gênero, classe, entre outras, que dão sustentação ao continuum de violência, miséria e injustiças na sociedade brasileira. Para tanto, será fundamental não anistiar os perpetradores das violências de 8 de janeiro em nome de uma pretensa pacificação nacional, como já vimos acontecer na transição do regime militar para a democracia no Brasil.
Para além desse movimento, contudo, é preciso reconhecer a transversalidade da pauta racial que atravessa todas as agendas: dos direitos humanos, da educação, da mulher e da democracia (González 1988) e da política externa. Afinal, com racismo não haverá democracia, nem no Brasil, nem nos Estados Unidos – onde os indicadores básicos de bem-estar das populações nas esferas do trabalho, habitação, saúde e justiça criminal são mais desvantajosos quanto mais próximos da negritude (Lewis 2020).
Nesse sentido, é preciso que a transição inacabada para a democracia não promova o esquecimento do passado e presente das relações raciais, em nome da superação das tensões sociais, como foi operacionalizado pelas nossas elites. Em 1890, por exemplo, o então ministro da Fazenda Ruy Barbosa promoveu uma queima geral de arquivos referentes ao período da escravidão, afirmando que a República recém-proclamada era “obrigada a destruir esses vestígios por honra da pátria e em homenagem aos deveres de fraternidade e solidariedade para com a grande massa de cidadãos que a abolição do elemento servil entraram na comunhão brasileira” (Estadão 2015; Silva 2022). Diferentemente, um verdadeiro processo de transição para a democracia tem que passar necessariamente por uma repactuação do marco civilizatório (Lewis 2020), pela “desconstrução histórica do regime civilizatório e epistêmico que sustentou a escravatura e a crença na desigualdade entre raças e povos” (Ventura 2021, 14), por revelar as verdades dos crimes passados e presentes enterrados e pela reparação histórica para os povos negros e indígenas. Caso contrário, o Brasil continuará “refém de cicatrizes históricas abertas que impedem a efetivação do compromisso democrático e respeito às pluralidades assumidas formalmente no Brasil com a promulgação da Constituição de 1988” (Silva 2022, 43).
Se as forças da extrema-direita associadas ao capital vêm ganhando espaços crescentes de modo transescalar, nos níveis global, regional, subnacional e local, colocando graves desafios para o nosso processo de democratização, urge superar de uma vez por todas o padrão insular da nossa política externa por meio de uma abertura transversal e construtiva para as forças democráticas da sociedade civil que, vinculadas transnacionalmente às suas contrapartes internacionais, possam enfrentar em múltiplos níveis escalares as forças retrógradas circundantes. Além disso, é junto com tais forças que o Itamaraty poderá contribuir para disputar o sentido pacificado, porém excludente, da nossa identidade, que prevaleceu historicamente entre as nossas elites diplomáticas.
Desse modo, para além da guinada rumo ao Sul proposta pelo atual ministro das Relações Exteriores, por meio da reconstrução de laços com a África e a América Latina (Correia 2022), é importante que essa cooperação horizontal revigorada deixe os subalternos falarem (Spivak 1988), de tal modo que o Brasil possa finalmente se conectar com suas diásporas e que as mesmas possam se comunicar através da “Améfrica Ladina” (González 1988).
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Recebido: 1o de fevereiro de 2023
Aceito para publicação: 6 de fevereiro de 2023
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