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Resenhas de Livros

A perenidade de "Navegantes, bandeirantes, diplomatas"

Resenha do livro de Synesio Sampaio Goes Filho "Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil" (Ingá, 2018)

Publicada pela primeira vez há 32 anos, a obra de Synesio Sampaio Goes Filho intitulada Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil continua sendo de vivo interesse contemporâneo, como demonstrado pela demanda por suas sucessivas edições. Esta resenha procura explicar as razões de sua perenidade.

A obra teve origem quando, no âmbito de sua muito bem-sucedida carreira diplomática, o autor defendeu uma tese para a qual escolheu tema de particular relevância para a biografia do país, qual seja, a formação das fronteiras brasileiras. Estruturou o trabalho em três partes centrais: o encontro das novas terras por navegantes; sua ocupação por bandeirantes; e o estabelecimento de seus limites por diplomatas. Essas três partes se distribuem por onze capítulos, quatro sobre os navegantes; quatro sobre os bandeirantes; e três sobre os diplomatas. Entre os vários personagens que examinou, destacou, no primeiro grupo, Cristóvão Colombo, Américo Vespúcio e Pedro Álvares Cabral; no segundo, Pedro Teixeira e Raposo Tavares; e no terceiro, Alexandre de Gusmão, Pontes Ribeiro e Rio Branco. 

As análises são densas, acuradas, bem fundamentadas e escritas com graça e fluidez. Não lhes faltam humor ou argúcia, como, por exemplo, na observação de que “o destino pinçou para a imortalidade (...) um tal de Rodrigo de Triana, marinheiro desconhecido, por ter dito uma palavra” (tierra), ao ser o primeiro a avistar a América. Simultaneamente, revelam preocupação em seleção de fontes de prestígio, desde originais, como as Obras de Alexandre de Gusmão e de Rodrigo Otávio, a consagradas como as de Pandiá Calógeras, Capistrano de Abreu, Jaime Cortesão e C. R. Boxer, até a recente e atualizada de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling. Em resumo, ao texto de Sampaio Goes aplicam-se os elogios que ele fez ao de Pero Vaz de Caminha: “leveza do estilo, lucidez dos comentários e riqueza de informações”.

As análises são densas, acuradas, bem fundamentadas e escritas com graça e fluidez. Não lhes faltam humor ou argúcia… (...) Suas narrativas cativam a atenção e provocam curiosidade sobre cada personagem biografado. Humanizam-nos ao retratá-los não como heróis sem máculas.

Suas narrativas cativam a atenção e provocam curiosidade sobre cada personagem biografado. Humanizam-nos ao retratá-los não como heróis sem máculas. Assim, por exemplo, no Capítulo I, nota ter Colombo deixado, após ser governador de uma das terras encontradas, um “turbilhão de motins, traições e execuções”, pelo que foi preso e acorrentado. Refere-se, no Capítulo III, às diversas acusações das falhas de caráter de Américo Vespúcio, mas transcreve a avaliação de ter sido ele o primeiro a “fazer uma ideia mais ou menos acertada quanto à distribuição da terra e água entre a Europa e a Ásia e a registrar em mapas suas observações”. Descreve Cabral, no Capítulo IV, como um navegante inexperiente, cujo encontro do Brasil foi casual; reconhece, porém, seus méritos, entre os quais o de ter exercido suas funções com muita dignidade. 

Ao tratar da penetração territorial, Sampaio Goes disseca as classificações entre entradas e bandeiras e outros agrupamentos que desbravaram o interior. Observa, no Capítulo V, que não mais deveria ser adotada dicotomia entre as entradas, como organizadas pelo governo, e as bandeiras, como incursões de caráter puramente particular. Resume seus ciclos (do apresamento dos indígenas, de mineração do ouro, do povoamento, para mencionar algumas das classificações que compila) e focaliza nas incursões que ultrapassaram a linha de Tordesilhas. Descreve as roupas, os meios de transporte e os rios utilizados, bem como as trilhas seguidas pelos desbravadores. Narra o apresamento de indígenas e a proteção destes pelos jesuítas. Familiariza o leitor com a controvérsia sobre a União Ibérica ter ou não facilitado o “bandeirismo”, lembrando a esse respeito o equívoco de se ver naquela união das dinastias de Portugal e Espanha causa relevante do movimento bandeirantista. Nota que aquele período “foi bom para nossa formação territorial no interior, onde as bandeiras ultrapassavam o meridiano divisor”. Observa, no entanto, que, ao término da União, a parte mais relevante do Brasil à época, o Nordeste, encontrava-se ocupado pelos holandeses.

Contrasta a “pouquíssima bibliografia” sobre as bandeiras até o século XX com a abundância da “literatura jesuítica antibandeirante”. Atribui esse fenômeno a terem sido as bandeiras “obscuras jornadas de mamelucos” e contar a ação dos religiosos com farta historiografia hispano-americana, “alimentada (...) pela frustração dos territórios perdidos por causa da ação bandeirante”. Em seguida, examina, com interpretações incisivas e penetrantes, a literatura posterior e apresenta três visões distintas: a “ortodoxa”, que considera os bandeirantes como pobres, independentes e atraídos pelo sertão; a “política”, que os vê sob uma “ação orientadora portuguesa”; e a terceira, que reconhece terem os bandeirantes constituído um “núcleo de poder autóctone”, alargado o território, assim como seu conhecimento hidrográfico e mineral. Sublinha, no entanto, que o fizeram “ao preço da escravidão em larga escala dos indígenas e da destruição das missões jesuíticas espanholas”. Em dois capítulos (VI e VII), o autor descreve a conquista da Amazônia e a ocupação do Oeste. No primeiro, destaca a viagem de Pedro de Teixeira, o papel dos droguistas, índios, missionários e colonos, assim como o “apoio da Coroa portuguesa”. No segundo, ressalta o papel das monções, expedições fluviais em busca de ouro, e lembra que os acampamentos fundados pelos mineradores, Cuiabá em especial, formaram a base inicial das reivindicações territoriais atendidas pelo Tratado de Madri em 1750.

Na terceira parte, a mais extensa e na qual apresenta suas apreciações sobre as negociações dos limites terrestres, o autor demonstra sua prodigiosa capacidade de observação crítica e seu poder de síntese das complexas negociações dos diversos acordos de fronteiras concluídos desde Tordesilhas até os feitos épicos de Rio Branco.

Na terceira parte, a mais extensa e na qual apresenta suas apreciações sobre as negociações dos limites terrestres, o autor demonstra sua prodigiosa capacidade de observação crítica e seu poder de síntese das complexas negociações dos diversos acordos de fronteiras concluídos desde Tordesilhas até os feitos épicos de Rio Branco. Divide esse exame em três capítulos: Colônia (Capítulo IX), Império (X) e República (XII). No primeiro, sobressai o Tratado de Madri (1750) e o papel decisivo de Alexandre de Gusmão na sua negociação. No segundo, examina negociações com diversos países vizinhos e elogia a atuação de Duarte da Ponte Ribeiro. No terceiro – inteiramente dedicado à obra de Rio Branco – com lupa iluminada, Sampaio Goes examina as diversas questões de fronteiras resolvidas pelo Barão entre 1895 e 1909 e conhecidas como Palmas, Amapá, Acre, Equador-Colômbia, Peru e Uruguai. Esta terceira parte do livro – sobre as negociações terrestres – é a que tem merecido particular atenção dos estudiosos, o que terá motivado o autor a revisitar o tema em Número Especial dos Cadernos do Centro Histórico de Documentação Diplomática, da Fundação Alexandre de Gusmão, sob o título “Territórios e fronteiras ou por que o Brasil ficou tão grande” (Goes Filho 2022).

Termina o autor sua extensa obra com um breve capítulo de Conclusões apropriadamente intitulado Uma história que deu certo, no qual, entre outros encômios à qualidade da obra diplomática realizada, contrasta-a com as dificuldades enfrentadas pelos países vizinhos para o estabelecimento de suas fronteiras de forma pacífica. Não deixa, por fim, de notar que o Palácio do Itamaraty homenageia Alexandre de Gusmão, Pontes Ribeiro e o Barão do Rio Branco com bustos merecidamente colocados na solene Sala dos Tratados. Por fim, cabe notar que, ao descrever com brilho as exitosas negociações sobre fronteiras, Synesio Sampaio Goes desvela as razões do orgulho nacional pela arraigada tradição luso-brasileira de solucionar controvérsias por meios pacíficos.

Referências Bibliográficas 

Goes Filho, Synesio Sampaio. 2015. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. Brasília: FUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão. https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-39-navegantes_bandeirantes_diplomatas_um_ensaio_sobre_a_formacao_das_fronteiras_do_brasil 

Goes Filho, Synesio Sampaio. 2021. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil (Nova edição). Maringá: Ingá (6ª edição).

Goes Filho, Synesio Sampaio. 2022. “Territórios e fronteiras ou por que o Brasil ficou tão grande.” Cadernos do CHDD Ano 21 – Número Especial (Segundo Semestre): 63-101. https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1200.

Recebido: 17 de janeiro de 2023

Aceito para publicação: 31 de janeiro de 2023

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