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Entrevistas

“Promover o desenvolvimento socioeconômico sustentável na Região Norte de Moçambique”

Ernesto Max Elias Tonela conversou com os editores da CEBRI-Revista
Foto: Dinho Lima

Ernesto Max Elias Tonela é, desde março de 2022, ministro da Economia e Finanças de Moçambique, depois de ter  ocupado sucessivamente os cargos de ministro dos Recursos Minerais e Energia (dezembro de 2017-março de 2022) e ministro da Indústria e Comércio (2015-2017). Participou do processo negocial tripartido entre Moçambique, Portugal e África do Sul, relativo à Hidroeléctrica de Cahora Bassa e da definição da estratégia, estruturação e negociação do financiamento para a reversão do capital da Hidroeléctrica, no seguimento dos acordos entre o governo de Moçambique e a República Portuguesa. Com larga experiência em gestão de empresas, Tonela já desempenhou os cargos de administrador executivo da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, S.A., administrador de Economia e Finanças da Electricidade de Moçambique, E.P., e administrador não executivo da Sociedade de Desenvolvimento do Corredor de Maputo, SARL. Tonela formou-se em Gestão de Empresas pela Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Moçambique,  e Gestão Empresarial e Finanças pelo Centro de Estudos Financeiros, Econômicos e Bancários de Marselha, França. Possui mestrado em Gestão Financeira pelo Instituto de Administração de Empresas da Universidade de Paris I, Panthéon, Sorbonne, na França.

Seguem trechos da entrevista concedida por escrito à CEBRI-Revista.

 

De acordo com o Relatório de Avaliação Global da ONU sobre Redução do Risco de Desastres, Moçambique é o terceiro país africano mais vulnerável ao risco de desastres. Nos últimos anos, o país sofreu duas secas e sete ciclones, incluindo o ciclone Idai em 2019, o mais forte a atingir o continente africano. Em resposta, o Ministério da Terra e Meio Ambiente lançou o Programa MERCIM em 2020, em parceria estratégica com a União Europeia, com a Agência Catalã de Cooperação para o Desenvolvimento, com assistência técnica do Fundo de Desenvolvimento de Capital das Nações Unidas (UNCDF) e sua metodologia LoCAL (Local Climate Living Facility). Em sua visão, como Moçambique vem se preparando para os efeitos da mudança climática e como a política externa ambiental do país vem ajudando na conscientização global para os problemas climáticos da África Oriental? 

Max Tonela: Ao longo da última década, Moçambique vem trabalhando na implementação de um quadro legal claro e transparente para gerir uma resposta eficaz à gestão do risco de calamidades. Em 2014, o país aprovou a sua Lei de Gestão do Risco de Catástrofes (Lei 15/2014), a que se seguiu a adoção de um Plano Diretor de Redução do Risco de Catástrofes, que estabelece ações e medidas prioritárias a serem implementadas no período 2017-2030. Em 2017, o governo de Moçambique também estabeleceu um Fundo de Gestão de Risco de Desastres para responder de forma mais eficiente e rápida durante eventos climáticos extremos. O Fundo está a ser capitalizado com um compromisso anual de 0,1% do orçamento do Estado, complementado com contribuições financeiras de doadores-chave, como o Banco Mundial. Mais recentemente, o governo lançou um concurso para contratação de seguro de risco soberano contra catástrofes e iniciou a implementação de um sistema de alerta antecipado para prevenir e minimizar perdas e danos associados a eventos climáticos extremos. 

Estima-se que Moçambique se tornará um grande produtor mundial de gás natural liquefeito (GNL) nos próximos anos. Recentemente, a União Europeia defendeu que o gás de Moçambique pode se tornar uma alternativa importante à crise energética pela qual passa aquele continente. Além disso, o mundo vem falando da importância da transição energética no sentido de se caminhar para energias mais limpas. Qual a posição de Moçambique sobre o assunto? Que papel poderá o GNL desempenhar neste processo de transição energética em Moçambique? E que função terá o gás na política externa de Maputo?

MT: Para muitos países, o gás será usado como forma de reduzir as emissões de CO2 e faz parte de seus planos de tranição energética. Moçambique tem uma das maiores reservas conheicidas de gás natural do mundo, e espera-se que se torne um dos maiores exportadores de GNL na próxima década. 

Quando implementado em combinação com as soluções de Captura e Armazenamento de Carbono (CCS), o GNL de Moçambique pode fornecer ao mundo um dos gases naturais mais limpos do mercado. Além do gás natural, Moçambique detém ativos únicos de energia renovável que podem contribuir significativamente para impulsionar uma industrialização verde e um processo de transição energética, tanto em âmbito interno como na região da África Austral. Em particular, o grande potencial hídrico do país no rio Zambeze está se posicionando de uma forma única para apoiar a descarbonização do sistema elétrico regional, e possui um potencial para deslocar cerca de 7 GW de geração de energia a carvão e ainda facilitar cerca de 5 GW de energia solar e eólica adicionais. Juntos, esses recursos resultarão em reduções de emissões estimadas em mais de 40 milhões de tCO2e (toneladas de CO2 equivalente) por ano, o que equivale às atuais emissões anuais de Portugal. 

Além do gás natural, Moçambique detém ativos únicos de energia renovável que podem contribuir significativamente para impulsionar uma industrialização verde e um processo de transição energética, tanto em âmbito interno como na região da África Austral.  

Quase um milhão de pessoas estão atualmente deslocadas no Norte de Moçambique depois de fugirem das suas casas em busca de segurança, devido ao conflito que começou na província de Cabo Delgado em outubro de 2017. Cinco anos depois, algumas comunidades em Cabo Delgado ainda vivem com medo constante e continuam a sofrer traumas e perdas. Em julho de 2021, tropas de países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) foram enviadas para Cabo Delgado com o intuito de trabalhar junto ao Exército moçambicano para debelar a insurgência, alcançando relativo sucesso. No entanto, os insurgentes continuam a desestabilizar bolsões de território e se espalharam pela província vizinha de Niassa e pela Tanzânia. Além disso, eles podem pedir cada vez mais apoio às redes do Estado Islâmico da África Oriental. As tropas da Samim (SADC Mission in Mozambique), que trabalham com o Exército local, recuperaram território significativo dos insurgentes, enquanto o dinheiro dos doadores trouxe algum alívio à população de Cabo Delgado. No entanto, é improvável que essas medidas sozinhas resolvam um conflito nascido de queixas locais. Sem tratamento, a insurgência persistirá como fonte de insegurança regional. Em sua visão, quais são os próximos passos para estabilizar completamente a região? Caso a Samim deixe a região, as Forças Armadas moçambicanas conseguiriam manter a estabilidade de Cabo Delgado? 

MT: O apoio às populações do Norte de Moçambique tem sido um dos objetivos mais importantes do governo. Nesse contexto, uma série de programas e iniciativas vêm sendo implementadas pelo governo com o apoio de parceiros, no sentido de se promover uma realidade econômica estável e inclusiva. A estabilidade da região passa pela criação de condições socioeconômicas que permitam o desenvolvimento regional em linha com a implementação dos projetos no local. Gostaria de destacar como exemplo o Programa de Resiliência e Desenvolvimento Integrado do Norte de Moçambique (Predim), que tem como visão a paz e o franco desenvolvimento com inclusão e participação, e como missão restaurar e consolidar a paz e promover o desenvolvimento socioeconômico sustentável na Região Norte de Moçambique. O programa conta com o apoio do AfDB (Banco Africano de Desenvolvimento), da União Europeia, das Nações Unidas e do Grupo do Banco Mundial. Em respeito à sua segunda questão, a insurgência em Cabo Delgado representa um desafio à estabilidade regional e, portanto, é natural que o governo trabalhe em soluções conjuntas para responder à questão da manutenção da estabilidade. 

Ao que tudo indica, os insurgentes reivindicam um papel significativo na economia de Cabo Delgado, para que possam se beneficiar das oportunidades criadas pelos grandes projetos mineiros e de gás. Se as motivações dos insurgentes não forem abordadas, as raízes do conflito permanecerão sem tratamento e, provavelmente, o conflito pode voltar, dado que os insurgentes se adaptaram à presença de tropas estrangeiras. Assim, Moçambique e os seus parceiros regionais devem começar a pensar em como obter a paz através de outros meios que não sejam as operações militares e o dinheiro do desenvolvimento, uma vez que essas medidas, por si sós, provavelmente não irão parar o conflito. Em sua visão, existe uma saída política para o conflito? Ou a solução militar aliada aos programas de desenvolvimento é a única solução? 

MT: Conforme havia mencionado anteriormente, a estabilidade da região passa pela criação de condições socioeconômicas que permitam o desenvolvimento regional. Os grandes projetos mineiros e de gás estão a criar uma nova realidade no desenvolvimento econômico do país e da região Norte, em particular. Os promotores dos projetos têm vindo a desenvolver oportunidades para fomentar e incentivar o empreendedorismo regional, o que já vem gerando novos empregos e impactos na vida das populações locais. Por sua vez, o governo, através do recém-anunciado Pacote de Aceleração Econômica (PAE), vem implementando uma série de medidas que irão apoiar na melhoria de condições econômicas com impacto na estabilidade da região. Medidas como a alocação de 10% das receitas provenientes da exploração de recursos à província de origem, a criação do fundo soberano e medidas fiscais com impacto direto nos setores produtivos, entre outras, fazem parte de uma mudança de paradigma socioeconômico que irá promover melhores condições para a criação de emprego e para a população na região. Melhores condições socioeconômicas são a base para a estabilidade da região. 

Moçambique se tornará membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU pela primeira vez no biênio 2023-2024. É mais do que natural que o país contribua para os debates sobre terrorismo, dada a situação em Cabo Delgado. Em sua visão, seria necessário um maior envolvimento dos países do Conselho de Segurança da ONU no conflito? Seria necessário o envio de missões de peacebuilding patrocinadas pela ONU para Cabo Delgado? 

MT: Moçambique tem estado a receber diversos tipos de apoios de vários parceiros, de vários países amigos da África, da Europa e de diversas latitudes, e todo o suporte necessário para o combate ao terrorismo é muito útil. Recebemos apoios da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), recebemos apoios de Ruanda, da União Africana, recebemos apoios das Nações Unidas. Agradecemos a todos a ajuda, incluindo mesmo daqueles países que, tendo outros desafios, condenam e criticam a barbárie sem rosto praticada contra populações indefesas de Cabo Delgado e de outras partes do Norte de Moçambique. Temos estado a receber apoios que contribuem para o retorno das populações afetadas pelo terrorismo. Portanto, Moçambique está a receber auxílio e continua a ter diversos tipos de assistência neste capítulo de luta contra o terrorismo. É notória a presença de várias organizações das Nações Unidas em Cabo Delgado, portanto há muito apoio que estamos a receber, mas, certamente, o desejável é que acabássemos com essa agressão o mais rápido possível, para que nos concentremos nos desafios de desenvolvimento, o que pode permitir uma segurança plena para que as populações retomem a sua vida normal. O assento como membro rotativo no Conselho de Segurança da ONU é uma grande honra para Moçambique e, dada a tradição de mediação do nosso governo em nossa região, esperamos poder contribuir da melhor maneira possível. 

Entrevista enviada por mídia escrita em 17 de novembro de 2022. 

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