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Editorial

CEBRI-Revista: uma nova publicação brasileira de Relações Internacionais e Política Externa

A missão e a política editorial do periódico

O editorial da primeira edição de janeiro de 1922 do Journal of the British Institute of International Affairs, hoje chamado de International Affairs, defendia a criação de uma revista “que revisasse o curso das relações externas e que os membros pudessem ter em suas prateleiras como referência”. Era uma revista que nascia sob os efeitos da 1o Guerra Mundial, do declínio do Império Britânico e tinha como objetivo pensar criticamente a nova posição do Reino Unido no mundo. 

Já no lançamento da primeira edição da India Quarterly do Indian Council of International Affairs, em janeiro de 1954, o editorial era mais sombrio. Por um lado, dizia que a revista tinha como objetivo “ser referência ao estudo, pesquisa e discussão das relações internacionais indianas”; porém, afirmava ainda que a vida pública na Índia “estava marcada por um forte sentimento de desamparo. Um país tão rico e incapaz de assegurar uma vida civilizada para milhões de seus cidadãos”. Para o Conselho Indiano, a revista precisava pensar formas de superar sua circunstância.   

A CEBRI-Revista nasce com missão similar às suas congêneres, porém em um contexto político marcado tanto pelo declínio como pelo desamparo. Com efeito, os sentimentos de “como chegamos até aqui” e “para onde vamos” marcaram a criação desta revista. Nos anos pandêmicos de 2020/2021, ficou muito evidente que qualquer discussão sobre “recuperar o papel do Brasil no mundo” depois da tormenta da última década precisaria de um meio de qualidade para canalizar e expressar este debate de modo livre e que abrisse espaço para discussão com lisura, independência e impacto. Assim surgiu a ideia de criar uma revista policy-oriented com forte interlocução acadêmica e política. E o CEBRI sempre foi a instituição mais apropriada para promovê-la. 

A CEBRI-Revista surge, portanto, para cumprir um papel trilateral: ser referência de policy papers e artigos acadêmicos em Relações Internacionais no Brasil e América Latina, ser um veículo de divulgação de ideias do Sul Global e ser o principal veículo de Relações Internacionais no Brasil que englobe simultaneamente tomadores de decisão, acadêmicos e empreendedores sociais em um mesmo espaço. Um veículo que seja aberto a todos, seja para submeter artigos ou para ler seus textos.

Nesse contexto, é importante lembrar a dimensão democrática de uma revista de Relações Internacionais. Logo na primeira edição da renomada revista Foreign Affairs, em setembro de 1922, Elihu Root, ex-secretário de Estado de Theodore Roosevelt e prêmio Nobel da Paz de 1912, defende a importância da “educação popular” em Relações Internacionais nas democracias de sua época. Depois da destruição da 1o Guerra Mundial, a diplomacia mais do que nunca seria um assunto popular, e, portanto, era necessário educar a população para os seus temas fundamentais. Para Root, “como em todos os assuntos humanos práticos, limitações e salvaguardas serão consideradas necessárias, porém a substância da política internacional continuará, e a opinião pública será cada vez mais não apenas o juiz final (em eleições), mas uma força imediata e ativa nas negociações internacionais” (1922, 406).  

O diagnóstico de 1922 de Elihu Root se aplica à realidade brasileira de 2022. A política externa é cada vez mais popular, e a população brasileira está crescentemente atenta aos seus temas. A famosa frase de Ulysses Guimarães de 1986, segundo a qual “Itamaraty só ganha voto no Burundi” (Gaspari 2010), não se aplica mais. Seria possível imaginar a diplomacia do século XXI como algo restrito aos especialistas e diplomatas? Dificilmente. Sem dúvida os especialistas são fundamentais no debate dos temas da agenda internacional, porém esse debate acontece cada vez mais entre os especialistas e o povo, não apenas entre os iniciados. Cabe aos veículos que organizam e canalizam o debate das Relações Internacionais chegar à população de maneira gratuita e direta, para que estas ideias circulem da forma mais ampla possível. Quanto mais fácil for o acesso aos debates especializados, mais amplo e democrático será esse próprio debate.  

No entanto, para conversar com a população sobre as Relações Internacionais, os especialistas também precisam conversar mais entre si. A academia precisa aproximar-se dos formuladores e tomadores de decisão para mostrar seus debates e evidências. Os políticos profissionais e diplomatas devem mostrar aos acadêmicos como a política internacional ocorre concretamente. A sociedade civil, por sua vez, precisa ser integrada em um debate com os dois primeiros. Este é o espírito da CEBRI-Revista. Um espaço democrático para que diplomatas, políticos, ativistas e acadêmicos debatam as Relações Internacionais de forma conjunta, livre e equilibrada. Um debate que ajude na educação das Relações Internacionais do Brasil. 

Este é o espírito da CEBRI-Revista. Um espaço democrático para que diplomatas, políticos, ativistas e acadêmicos debatam as Relações Internacionais de forma conjunta, livre e equilibrada.

Nesse sentido, a CEBRI-Revista resolveu inovar ao incluir em suas edições tanto policy papers como artigos acadêmicos. Os policy papers seguem o seu formato tradicional de discutir ideias e propostas de impacto na política e sociedade, ao passo que os artigos acadêmicos devem trazer ao leitor aquilo de mais moderno nas pesquisas em Relações Internacionais, sempre com o objetivo de subsidiar o debate a partir de teorias e evidências sólidas. A intenção é englobar, no mesmo espaço, tipos diferentes de produtos editoriais, para que a interlocução entre os practitioners e acadêmicos flua da melhor forma possível. Além disso, a revista traz entrevistas, análises de conjunturas (seção a ser inaugurada nas edições seguintes) e resenhas de livros para dinamizar os debates de Relações Internacionais para além de artigos e ensaios. A revista também terá uma seção especial para centralizar um debate mais específico e que seja pertinente à época da publicação.  

Assim, nesta primeira edição trimestral (janeiro-março de 2022), a CEBRI-Revista traz um conjunto de artigos que buscam atender a essa promessa, tendo como tema de fundo as Relações Internacionais do Brasil no mundo, no ano do Bicentenário da Independência. Dado seu espírito plural, a revista sempre buscará mesclar policy papers/ensaios com artigos acadêmicos, entrevistas e resenhas de livros. A primeira seção engloba cinco policy papers. O primeiro trata do papel do Brasil na reconstrução da multipolaridade, assinado pelo ex-chanceler Celso Amorim. O segundo artigo, escrito pelo ministro do STF Roberto Barroso, discute a pressão sobre as democracias no Brasil e no mundo ocidental. O terceiro policy paper, de autoria da ex-ministra Marina Silva, mostra como a responsabilidade individual ajuda na construção de uma cidadania mundial ambientalmente responsável. O artigo da ex-ministra Izabella Teixeira e da empreendedora social Ana Toni trata dos desafios da crise ambiental-climática. O brasilianista e professor emérito da Universidade do Sul da Califórnia Abraham F. Lowenthal faz uma proposta de saída para o impasse político em que se encontra a Venezuela. Por fim, a Seção Especial traz o ensaio do ex-ministro e diplomata Rubens Ricupero sobre o Bicentenário da Independência do Brasil. Um artigo que reflete, de fato, o espírito do tempo.  

Na seção acadêmica a revista apresenta três artigos. O primeiro, da professora da USP Maria Hermínia Tavares de Almeida e do professor da UFABC Ivan Filipe Fernandes, discute os principais temas da narrativa diplomática brasileira sobre a América do Sul, assim como a opinião dos brasileiros sobre a região. O artigo da professora Miriam Gomes Saraiva, da UERJ, e de Felipe Leal Albuquerque, pesquisador da Universidade de Lisboa, mostra como o mapa cognitivo da liderança política do governo Bolsonaro rompeu com a tradição da Política Externa Brasileira, levando o país a um enorme isolamento internacional. Em seguida, o artigo dos professores Roberto Russell e Fabián Calle, da Universidade Torcuato di Tella, discute o papel das periferias sistêmicas, em especial da América Latina, na política de segurança global dos EUA. 

Por fim, este primeiro número oferece uma resenha do magnífico livro de Rubens Ricupero A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016, de autoria do diplomata Benoni Belli, e uma entrevista com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a Política Externa Brasileira atual e os caminhos pós-Bolsonaro. 

Dessa forma, esta primeira edição busca responder aos anseios registrados acima de qualidade e pluralidade. Notadamente, esta edição histórica desponta para pensarmos coletivamente os destinos das Relações Internacionais e da Política Externa Brasileira. Se, por um lado, a revista nasce sob o signo do desamparo e desabrigo do Brasil, por outro, nasce com a esperança de que será perfeitamente possível superar esta quadra histórica no sentido de rumos melhores. Boa leitura!          

Referências Bibliográficas

Editorial, 1922. Journal of the British Institute of International Affairs, Vol. 01, No. 01: 3-5. http://www.jstor.org/stable/3014716.

Gaspari, Elio. 2010. “Serra joga parado, mas quer preferência.” Folha de São Paulo, 03 de Março. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0303201004.htm

Ourselves, 1954. India Quarterly: A Journal of International Affairs, Vol. 01, No, 01: 3-5.

Root, Elihu. 1922. A Requisite for the Success of Popular Diplomacy. Foreign Affairs, Vol. 01, No. 01: 1-5.

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