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Editorial

A Guerra na Ucrânia e suas implicações para as relações internacionais

O cenário da guerra coloca questões inéditas para a reflexão geopolítica
Imagem: Estúdio Marijaguar

Em 24 de fevereiro de 2022 a Rússia deu início a uma invasão militar de larga escala na Ucrânia. Já é praxe dizer que as relações internacionais do pós-Guerra Fria mudaram drasticamente neste dia. Para muitos, uma guerra no coração da Europa tem necessariamente conotações globais, ainda mais se envolver a Rússia. Não há dúvida de que as mídias europeias e americanas enquadram a invasão da Ucrânia como um conflito de escala global. Também não há dúvida de que os reflexos da guerra na economia internacional têm implicações que vão muito além do conflito em si, dada a centralidade de Rússia e Ucrânia em energia e alimentos. 

Para muitos, uma guerra no coração da Europa tem necessariamente conotações globais, ainda mais se envolver a Rússia. (...) Para outros, contudo, um conflito europeu não precisa imperiosamente influenciar as relações internacionais como um todo.

Para outros, contudo, um conflito europeu não precisa imperiosamente influenciar as relações internacionais como um todo. O ministro indiano das relações exteriores, S. Jaishankar, é um dos defensores da ideia regional do conflito ucraniano. Para ele, “a Europa tem que superar a mentalidade de que seus problemas são problemas do mundo, mas os problemas do mundo não são problemas da Europa” (The Telegraph 2022)[1]. Nesse sentido, qual seria a visão brasileira do conflito? Analistas brasileiros pendem mais para o pensamento dominante na mídia ocidental? Ou preferem ver o conflito como importante, porém menos decisivo do que se imagina?

Esta terceira edição da CEBRI-Revista pretende contribuir para esse debate no Brasil. Como de praxe, a edição é dividida em três partes. Na seção especial sobre o conflito ucraniano trazemos cinco textos. Primeiro, o texto do professor Eugênio Diniz (PUC-MG) discute as dificuldades inerentes de se analisar um conflito em andamento e traça um panorama sobre os objetivos mutantes de ambos os lados no conflito. Segundo, o texto do professor Simon Mabon, da Universidade de Lancaster no Reino Unido, discute as terríveis consequências do conflito para o Oriente Médio e como a região é vulnerável em vários níveis àquilo que acontece na Ucrânia. Terceiro, o ex-embaixador do Brasil na Ucrânia Renato Marques discute em seu texto como a formação histórica da Rússia a condicionou para um antagonismo latente com a Europa e para uma persistente propensão, em qualquer de suas identidades, imperial ou soviética, a implantar uma área de influência defensiva ao redor de suas fronteiras. A seguir, o texto do professor da Escola Superior de Guerra e fellow do CEBRI, Ronaldo Carmona, trata não apenas do conflito em si, mas sobretudo de suas implicações para o Brasil e para o pensamento sobre guerras no país. Por fim, o artigo da jornalista Cristiane Lebelem e do professor Rafael Villa (USP) discorre sobre como a guerra ativou a dinamização da interdependência de fatores multidimensionais à segurança global, dado que seus impactos não se esgotam na geopolítica, nem nos mútuos dilemas de segurança de Ucrânia e Rússia. Os autores discutem como a casuística do conflito nunca foi unidimensional militar (expansionismo da OTAN ou expansionismo russo) e que suas causas devem ser buscadas na confluência de fatores e visões de mundo.

Além da seção especial, esta edição traz ainda artigos sobre temas sempre em voga nas relações internacionais do Brasil: o multilateralismo e o relacionamento com a Argentina. Na seção de policy papers que abre a edição, o ensaio do ex-ministro das Relações Exteriores e atual embaixador do Brasil no Egito, Antonio Patriota, trata da democratização das relações internacionais e sobretudo das reformas do sistema multilateral da ONU. Tomando como partido os textos do diplomata egípcio e ex-secretário geral das Nações Unidas, Boutros-Ghali, Patriota discute as reformas pendentes e possíveis da ONU, notadamente a multipolaridade como condição necessária para um multilateralismo reforçado. Já o artigo de Barnabé Malacalza, professor da Universidade Nacional de Quilmes, e Juan Gabriel Tokatlian, professor da Universidade Torcuato Di Tella, ambas na Argentina, trata dos altos e baixos do relacionamento bilateral entre Brasil e Argentina. Este texto, da seção de artigos acadêmicos, mostra como houve o movimento duplo de desintegração regional e desacoplamento bilateral ao longo dos anos entre ambos os países. 

A seção de resenhas traz dois textos. A primeira resenha, feita por Fernanda Magnotta, professora da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), é sobre o excelente livro de Carlo Patti, professor da Universidade de Goiás, intitulado Brazil in the Global Nuclear Order, 1945-2018. O livro discute a história do programa nuclear brasileiro e, como diz a professora, mostra como um país do Sul Global, com severas restrições materiais, pode não apenas construir um programa com relativo sucesso, mas sobretudo contestar e/ou aceitar normas internacionais construídas pelas grandes potências da área. O segundo livro resenhado é A era da Inteligência Artificial e o nosso futuro humano, de Henry Kissinger, Eric Schmidt e Daniel Huttenlocher. Escrita pelo engenheiro Antonio Carlos Barbosa de Oliveira, a resenha mostra como os autores veem o poder disruptivo da Inteligência Artificial nas próximas décadas, inclusive para a política e para as guerras.

Por fim, esta edição tem a honra de trazer a entrevista de Rafael Mariano Grossi, atual diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica. Um diplomata argentino com mais de 35 anos de experiência em temas de desarmamento e proliferação nuclear, Grossi discute os atuais desafios do regime internacional de não proliferação nuclear, com especial atenção ao acordo do Irã e às atuais tensões em torno das usinas ucranianas que constantemente se encontram em fogo cruzado.

Neste contexto de retomada das discussões nucleares, o professor norte-americano John Mearsheimer (2022) argumentou que, embora todos os lados do conflito ucraniano tenham fortes incentivos para buscar uma solução diplomática dado o perigo de escalada nuclear, não há ainda um compromisso político em vista para sua solução. Pelo contrário, todos os atores envolvidos têm reiterado seu compromisso público com a continuidade da guerra. O fato é que ninguém tem como prever o que acontecerá. 

Notas

[1] No original: “Europe has to grow out of a mindset that its problems are world’s problems, but the world’s problems are not Europe’s problems”.

Referências Bibliográficas

Mearsheimer, John. 2022. “Playing with Fire in Ukraine”. Foreign Affairs, 17 de agosto de 2022. https://www.foreignaffairs.com/ukraine/playing-fire

The Telegraph. 2022. “India not sitting on fence, Europe has to change mindset: Jaishankar”. The Telegraph Online, 22 de agosto de 2022.  https://www.telegraphindia.com/india/europe-has-to-grow-out-of-mindset-that-its-problems-are-worlds-problems-jaishankar/cid/1868208.

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