A presente guerra entre Rússia e Ucrânia pode ser interpretada como a crônica de uma crise anunciada. A paráfrase ao famoso conto de Gabriel García Márquez exige uma leve adaptação, uma vez que não se sabe ao certo qual Estado irá morrer, ou quantos irão morrer. O que se sabe até agora é que o número de civis e combatentes mortos aumenta a cada dia, na mesma medida em que as ações de retaliação mútua entre o Ocidente e a Rússia se agudizam. Na mesma toada, o nacionalismo ucraniano e o pan-eslavismo russo ingressaram em um círculo vicioso que, ao ser reproduzido, alimenta o espiral de inimizade que pode resultar na aniquilação de uma das partes ou de ambas. Neste contexto, é comum que muitos analistas se perguntem como a situação pode ter chegado a esse ponto. As linhas abaixo são uma tentativa resumida de dar conta desta questão.
A complexidade de um problema empírico
Tudo começa com o fim da Guerra Fria e, em seguida, o desmantelamento da URSS. O legado soviético criou obstáculos bastante significativos para que as então repúblicas socialistas da União passassem a ser estados independentes de fato, e não apenas de direito. Isso afetou, particularmente e com bastante intensidade, a relação entre Rússia e Ucrânia e pode ser ilustrado a partir de três dimensões: a humana, a militar e a econômica.
A dimensão humana afetou todo o espaço da antiga URSS. Foram mais de 25 milhões de russos que ficaram espalhados pelas outras 14 repúblicas. Porém, na Ucrânia, a situação foi mais complexa. Em torno de 25% eram russos no ano da independência. Para complicar a situação, 50% da população só falava russo. A forte presença de russos e a proximidade linguística com a Rússia deu origem a uma medida inusitada, só adotada pela elite da Ucrânia: sua independência foi declarada pelo Parlamento de maneira condicional em agosto de 1991 e sujeita à aprovação popular em dezembro. Realizado junto com as primeiras eleições presidenciais do país, o referendo deu a vitória esmagadora aos que desejavam a independência, inclusive entre os russos. O resultado demonstra a relativa desimportância da divisão étnico-nacional entre russos e ucranianos, e se explica pela crença compartilhada entre os russos de que a Ucrânia, mais homogênea culturalmente e com um potencial econômico invejável, ofereceria condições melhores de vida à sua população. No período entre a decisão do Parlamento e a aprovação do referendo, o então candidato Leonid Kravchuk, membro histórico do partido comunista e antigo presidente do Soviete Supremo do país, buscou desvincular-se do comunismo e aderiu ao que se chamou de "cartada nacionalista" como alicerce para sua legitimidade em um país recém-independente, seguindo o exemplo dos líderes das outras repúblicas. O problema seria colocá-la em prática com tamanha população russa e entre russos e ucranianos que não alimentavam antagonismos em termos identitários. O jeito foi buscar apoio no Ocidente, e logo de saída a Ucrânia de Kravchuk apresentou-se como europeia e abriu canais de comunicação com os EUA. Nesse período, o nacionalismo ucraniano do Oeste, de linhagem nacionalista-fascista surgida no entreguerras (antibolshevique, antijudaica e antipolonesa), não chamava a atenção da comunidade internacional.
Os problemas identitários entre russos e ucranianos surgiram na Crimeia e foram alimentados por interesses militares. Nessa península se encontrava a base naval de Sebastopol, a segunda maior da marinha soviética. À época, 80% dos seus oficiais eram russos, e o restante se dividia entre ucranianos e membros de outras nacionalidades. Com o desmantelamento da URSS e a criação do Tratado de Segurança Coletiva (TSC) da Comunidade de Estados Independentes (CEI), esses militares russos ficaram literalmente sem saber a quem deviam obediência. À Ucrânia, onde a base estava localizada? À Rússia, de onde vinham? Ou ao comando do TSC? Como aproximadamente 70% da população da Crimeia era formada por russos, logo o Parlamento da Rússia reivindicou a península e a base naval como pertencentes à Rússia. Durante a primeira década de independência, a situação foi motivo de tensão entre Rússia e Ucrânia, só se atenuando quando os dois países assinaram o tratado de arrendamento da base para a Rússia, já no fim dos anos 1990. Mesmo assim, o estatuto da Crimeia, que contava com um parlamento próprio, um presidente e um primeiro-ministro, bem como com um representante do presidente da Ucrânia na região, permaneceu como foco de tensão. Curiosamente, passou a haver um ideal nacionalista ativo na Ucrânia dos anos 1990, esse era o nacionalismo russo na Crimeia, apoiado por parlamentares nacionalistas e comunistas da Duma, não o nacionalismo ucraniano.
Havia outra herança maldita da URSS que afetaria a sorte dos dois países. A infraestrutura econômica da antiga potência comunista havia sido planejada para fomentar a integração entre as repúblicas e fundava-se na interdependência entre o centro e a periferia. O caso exemplar, que afeta até hoje a relação entre Rússia e Ucrânia, é a rede de gasodutos que as conecta e que servia como única rota de exportação do gás russo para a Europa, seu maior mercado. Os russos ficaram reféns da localização geográfica da Ucrânia e, para acessar os mercados europeus, aceitaram pagar "pedágios" de passagem e vender gás subsidiado aos ucranianos, bem como fazer vistas grossas durante muitos anos aos "furtos" de energia que mantinham ativas as indústrias do país vizinho. Tal dependência foi atraindo a atenção da Europa, pois desacertos entre os eslavos poderiam resultar em falta de energia para o continente. De fato, quando eles ocorriam, os russos ameaçavam cortar o fornecimento à Europa, e essa intervinha para mediar a negociação da Ucrânia com a Rússia. A famosa "diplomacia dos gasodutos" se intensificava geralmente no inverno, quando o medo de desabastecimento de gás para o aquecimento doméstico afetava mais os europeus. Ao passo que a Ucrânia usava sua posição estratégica para barganhar tanto com a Rússia quanto com a Europa, os russos desenvolveram rotas alternativas de gasodutos, passando pelo Mar Báltico (para Alemanha) e pelo Mar Negro (para a Turquia). A compra da estatal de gás de Belarus, por onde conseguem exportar para a Alemanha e a Polônia, e a finalização do Nord Stream 2 representaram um golpe duro na capacidade de barganha energética ucraniana.
A debilidade do tratamento teórico
O fim da Guerra Fria também acelerou o processo de revisionismo teórico na disciplina de Relações Internacionais, uma vez que a abordagem dominante até então – o Realismo estrutural ou Neorrealismo – não havia sido capaz de prever este desfecho. Afinal de contas, como seria possível entender a mudança geopolítica mais relevante do século XX se o poder militar dos EUA e da URSS continuava o mesmo? Logo a ontologia materialista que pressupunha causalidade entre a distribuição de poder no sistema internacional (medida em termos de capacidades militares) e o comportamento dos Estados passou a conviver com abordagens ideacionais. Essas, por sua vez, afirmavam a importância das identidades e dos papéis sociais dos Estados na definição de seus interesses e a possibilidade de que os efeitos da anarquia, até então responsáveis por comportamentos egoístas e instrumentais, fossem atenuados por estruturas de significados conducentes a relações de amizade e identificação. Essa ideia seria resumida na famosa afirmação de Alexander Wendt (1992) de que a anarquia era o que os Estados faziam dela.
Os tomadores de decisão no Ocidente ignoraram tais avanços teóricos na disciplina e desconsideraram totalmente tais ensinamentos na maneira de conduzir suas relações com a Federação Russa, herdeira legal da URSS. Teóricos, políticos, diplomatas e estrategistas militares passaram boa parte dos anos 1990 discutindo a suposta unipolaridade do mundo pós-Guerra Fria, e, apesar dos alertas de realistas mais tradicionais, a interpretação vencedora foi a de que o tão falado "momento unipolar" (Krauthammer 1999) deveria ser aproveitado pelo Ocidente para expandir seu controle militar sobre os espaços do antigo pacto de Varsóvia. Essa conclusão seria lógica, uma vez que a lógica materialista impediria o tratamento adequado de variáveis como identidade, e o debate raso que se fez girava em torno da inevitabilidade do retorno ao equilíbrio de poder ou não. Assim, a OTAN se expandiu para o Leste a fim de levar economia de mercado e liberalismo político às novas nações independentes, e, desse modo, fortalecer a segurança europeia vista agora de maneira ampliada – mercado e liberalismo foram dois eufemismos surgidos da revisão do conceito de segurança adotado pela Aliança no início dos anos 1990, para cinicamente esconder a pretensão de cercar a Rússia em termos militares. Mas faltou combinar com os russos, e aquilo que muitos analistas alertaram aconteceu: o processo de expansão alimentou uma identidade antiocidental na Rússia, reforçada pela incompetência das instituições ocidentais como FMI e Banco Mundial em ajudarem no processo de transição para o capitalismo. Frente à catástrofe dos anos 1990, restou claro que economia de mercado e liberalismo político deveriam ser adotados apenas pelos vizinhos da Rússia, ao passo que o país passaria mergulhado em crises econômicas e sob o controle político de grupos de oligarcas e da máfia, que contavam com o beneplácito ocidental por serem os pilares de sustentação de Boris Ieltsin, líder liberal e aliado, lembrado por suas aparições públicas alcoolizado e pela sua exposição ao ridículo frente à opinião pública mundial e sob gargalhadas jocosas de Bill Clinton, então presidente dos EUA.
Criou-se, então, um círculo vicioso responsável por alimentar a identidade antiocidental da Rússia. Mas não foi só isso: identidades e interesses se retroalimentam. O interesse prático do Ocidente em ocupar o vácuo geopolítico deixado pelo fim do Pacto de Varsóvia resultou na transformação da OTAN em uma aliança de ataque. Isso ficou claro a partir de 1999, quando uma suposta "doutrina de intervenção humanitária" passou a nortear ataques da organização contra países que não haviam atacado seus membros. O processo ganhou contornos dramáticos aos olhos da Rússia a partir dos anos 2000, quando EUA e OTAN inviabilizaram os principais acordos que garantiam a segurança estratégica do país: a saída unilateral americana do Tratado de Mísseis Antibalísticos (ABM), no começo dos anos 2000, e o anúncio da construção de escudos antimísseis na Polônia e Romênia, já membros da OTAN expandida; o fim do Tratado de Forças Convencionais na Europa (CFE), abandonado pelos russos por conta da não adesão dos países do Báltico, também já membros da OTAN, à limitação de capacidades militares de ataque em seus territórios; o abandono unilateral pelos americanos do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário na Europa (INF), que proibia vetores de lançamento de mísseis balísticos com capacidade nuclear dentro de um limite de 500 a 5.550 km na Europa, garantindo assim que a dissuasão nuclear entre Rússia e Ocidente ficaria restrita ao nível estratégico, e não tático.
Ucrânia: entre o Ocidente e a Rússia
Voltamos então à Ucrânia. Se, nos anos 1990, a Rússia estava enfraquecida e dependia econômica e militarmente da Ucrânia, a partir dos anos 2000 os russos passaram a contornar a dependência do território ucraniano construindo novos gasodutos e reorganizando suas forças armadas, concentrando mais divisões nesta região da fronteira com a Europa e no desenvolvimento de armamentos nucleares mais potentes. Por outro lado, enquanto a OTAN e a União Europeia estavam bem economicamente e se expandindo para o Leste, não houve interferência nas tratativas das relações entre Rússia e Ucrânia (principalmente na Crimeia, que enfrentou momentos bem conturbados nos anos 1990). A participação dos Estados Unidos e da OTAN no desarmamento nuclear de Ucrânia, Cazaquistão e Belarus levou em consideração os interesses do Ocidente e não dos países envolvidos. Nesse sentido, a Rússia se beneficiou, mas também cumpriu o papel de facilitador dos interesses ocidentais no seu entorno regional (lembrem-se que os acordos foram elaborados pelo Congresso dos EUA, a partir da colaboração entre republicanos e democratas). A partir de 2008 a situação é alterada por aquela que seria a gota d'água capaz de fazer o copo de insatisfação russa com o Ocidente transbordar: na Cúpula de Bucareste, a OTAN se compromete a aceitar a Ucrânia e a Geórgia na Aliança. Meses depois, a Rússia invadiu a Geórgia e desde então ocupa as regiões separatistas da Ossétia do Sul e da Abecásia.
O Ocidente assistiu incrédulo à guerra e não entendeu que o limite suportável para os russos havia sido ultrapassado. Na Geórgia, após a derrubada de Shevardnadze, Mikhail Saakashvili havia assumido a presidência com um discurso nacionalista incendiário, treinado nos tempos de sua atuação como importante advogado em Nova Iorque. Dessa maneira, prometeu retomar a todo custo as regiões separatistas em seu território, algo que julgava possível após o comprometimento da OTAN em aceitar a Geórgia na organização. Ao resgatar o lema, "Geórgia para os georgianos" e transformar em herói o ultranacionalista Zviad Gamsakhurdia, líder responsável pela guerra civil que assolou o país logo após o fim da URSS, Saakashvili atacou soldados russos que faziam a patrulha das regiões separatistas, a serviço da Comunidade de Estados Independentes (CEI). A resposta violenta da Rússia não foi antevista, provavelmente porque a ideologia nacionalista impediu que o então presidente enxergasse a situação com clareza. A OTAN se restringiu a mandar mantimentos para ajudar o país e se viu impotente frente à dissuasão nuclear russa. O aviso foi dado pelos russos, mas não foi entendido pelo Ocidente.
Na Ucrânia, após anos de enriquecimento da elite política por conta dos ganhos econômicos extraídos tanto do Ocidente quanto da Rússia, a população empobreceu. A Ucrânia é, aliás, o país mais pobre da Europa em termos de PIB per capita, sendo esse indicador equivalente a menos da metade do brasileiro. A insatisfação com a elite política e a pobreza enterraram o sonho dos russos de que seria possível viver em um país próspero. Por outro lado, cresceram movimentos nacionalistas no Oeste, os quais colocavam em cheque o establishment político e canalizavam sua revolta contra a influência russa e grupos minoritários (além dos russos, outras minorias são repetidamente vítimas do discurso de ódio dos nacionalistas ucranianos). Aos poucos, consolidou-se a dicotomia pró-Rússia ou pró-Ocidente entre os membros da classe política, pelo menos aos olhos ocidentais. Aos poucos, também, o ideário radical nacionalista antirrusso passou a reverberar em setores pró-Ocidente, que viam essa parcela pequena da sociedade ucraniana como um instrumento útil para chegar ao poder. A aparente vitória dos forças pró-Ocidente na Revolução Laranja de 2004 trouxe desilusão com o fracasso gritante do governo Yushchenko (que recebeu menos de 5% dos votos na tentativa de se reeleger) e recolocou um "pró-Rússia" no poder, com a vitória legítima e reconhecida internacionalmente de Yanukovich em 2010. A partir de então, o nacionalismo ucraniano no Leste passou a ser incentivado com mais intensidade pelos políticos pró-Ocidente, levando a extrema-direita antirrussa a ganhar 10% dos votos nas eleições parlamentares de 2012.
Yanukovich tentava restabelecer o papel tradicional da Ucrânia ao barganhar com o Ocidente e com a Rússia em troca de benefícios econômicos, porém agora em uma posição muito mais favorável à Rússia. As coisas saíram do controle quando a diplomacia europeia entrou em cena. A partir de 2008, com a crise econômica mundial, a Europa olhou para novos mercados para sair da crise e viu a Ucrânia como um destino importante para seus produtos manufaturados. Não é necessário lembrar que a economia europeia é movida pela Alemanha e que a Alemanha é movida por exportações. Aí é lançada a iniciativa de um acordo de associação comercial com os países do Leste da Europa e do Cáucaso, que não são membros da UE. Obviamente, a saída de Belarus, Armênia e Azerbaijão das negociações não incomodou os europeus, dado o pouco apelo econômico de uma parceria com países com mercados consumidores tão reduzidos. Mas a Ucrânia com seus mais de 40 milhões de habitantes não poderia ficar de fora. A Rússia contra-atacou com a proposta de uma área econômica euroasiática. Yanukovich avançou como nenhum outro presidente pró-Ocidente havia avançado nas negociações com a UE. Mas, quase ao término do prazo das negociações, os russos ofereceram bilhões de dólares em subsídios à economia ucraniana, e o governo ucraniano aceitou entrar na iniciativa econômica russa, abandonando as negociações com a UE. Então, Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia à época, atiçou a população ucraniana a se voltar contra a decisão do seu governo. A Europa, como uma criança birrenta que não aceita uma negativa, apostou todas as fichas na derrubada de Yanukovich. Os ucranianos foram jogados à própria sorte, com a ascensão de grupos nacionalistas a postos-chave do governo no contexto posterior à invasão russa da Crimeia. O Ocidente esticou a corda, e ela arrebentou.
A invasão russa e as perspectivas futuras
Durante os oito anos em que a Ucrânia viveu com a anexação russa da Criméia e a guerra civil no leste de seu território, seria de se esperar que o sentimento nacionalista antirrusso ganhasse força. De fato, o slogan do governo Poroshenko, presidente eleito após a derrubada de Yanukovich, deixou bem claro o clima político do país: "Forças Armadas, Língua Nacional e Fé". A incorporação às Forças Armadas do país de milícias paramilitares de extrema-direita, com inclinações claramente neonazistas e formadas durante a intervenção russa de 2014, parece uma consequência natural neste processo. O que salta aos olhos, porém, é que o apoio da OTAN ao treinar militares ucranianos e ao fornecer armamentos representou um endosso explícito ao discurso antirrusso. Note-se, também, que as sucessivas ajudas econômicas de instituições como Banco Mundial e FMI estavam, indiretamente, financiando o combate.
A chegada ao poder de Zelensky, em 2019, mesmo ano no qual os americanos se retiraram do INF, foi mais um elemento a determinar o trágico desenlace dos acontecimentos iniciados em fevereiro de 2022. Para os russos, Zelensky é um fantoche do Ocidente, e as relações próximas do governo ucraniano com os serviços de inteligência e segurança dos EUA foram bastante expostas durante o processo de impeachment do Presidente Trump, acusado de pressionar Zelensky a apresentar provas de corrupção envolvendo o filho do presidente Biden na Ucrânia, quando Biden ainda era candidato à presidência. Por outro lado, a Zelensky não resta outra alternativa a não ser enfrentar a Rússia e, insanamente, pedir que a população combata tanques de guerra da segunda maior potência militar do planeta com coquetéis molotov caseiros. Qualquer cessão às demandas dos russos significaria seu fim político na Ucrânia e mesmo a possibilidade de seu assassinato por nacionalistas antirrussos. Nesse sentido, é bastante preocupante que um dos membros da delegação ucraniana que participou do primeiro encontro de negociação com os russos no dia 28 de fevereiro, Denis Kireev, tenha sido executado sumariamente em uma operação supostamente orquestrada pelo Ministério da Defesa da Ucrânia, ao ser acusado de traição. A falta de vontade da imprensa ocidental em elucidar esse assassinato é curiosa, mas o mais alarmante é a possibilidade de isso ser um recado às autoridades do país de que atender às demandas russas para um armistício será considerado traição à Ucrânia.
Deve ficar claro que a Rússia invadiu a Ucrânia para forçar uma negociação com a OTAN. Acreditar que Putin tomou essa decisão movido por emoção, ou que os russos não haviam planejado cenários tão duros quanto os enfrentados hoje, após sanções econômicas do Ocidente, é fruto da torcida ocidental antiPutin e da incapacidade de enxergar as coisas como elas são.
Deve ficar claro que a Rússia invadiu a Ucrânia para forçar uma negociação com a OTAN. Acreditar que Putin tomou essa decisão movido por emoção, ou que os russos não haviam planejado cenários tão duros quanto os enfrentados hoje, após sanções econômicas do Ocidente, é fruto da torcida ocidental antiPutin e da incapacidade de enxergar as coisas como elas são. Os russos planejaram muito bem a "operação especial" e negociaram com a China o roteiro dessa guerra. Nesse contexto, a única alternativa para cessar a violência imediatamente seria a declaração unilateral da OTAN de uma moratória no ingresso de novos membros, por um prazo bastante estendido, e o comprometimento de se iniciarem negociações sobre um estatuto de neutralidade da Ucrânia. Se, por um lado, isso pode ser visto como uma capitulação aos interesses da Rússia, por outro, o atendimento a essa demanda esvaziaria o discurso do governo russo de que a OTAN pretende utilizar a Ucrânia como ponta de lança de um ataque ao seu território. Da mesma forma, tal estatuto enfraqueceria as correntes nacionalistas antirrussas, uma vez que a possibilidade de uma intervenção russa no país seria afastada. As negociações ocorreriam nos moldes antigos, com uma conferência internacional com todos os envolvidos, o que atenderia à demanda russa de ter seu papel reconhecido como grande potência militar. Ademais, seria uma oportunidade de rediscutir a situação das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk, bem como resolver a questão da Crimeia. Nesses casos, tanto os interesses da Rússia quanto os da Ucrânia devem ser sopesados, e os resultados tenderiam a um equilíbrio que criasse período de coexistência pacífica entre as partes. A continuar como está, além da desgraça que a guerra traz para milhões de ucranianos e russos inocentes, a guerra na Ucrânia oferece sérias ameaças à paz e estabilidade do sistema internacional.
Referências Bibliográficas
Krauthammer, Charles. 1999. “The Unipolar Moment.” Foreign Affairs 70, no. 1 (1990): 23–33. https://doi.org/10.2307/20044692.
Wendt, Alexander. 1992. “Anarchy Is What States Make of It: The Social Construction of Power Politics.” International Organization 46, no. 2 (1992): 391–425. http://www.jstor.org/stable/2706858.
Recebido: 10 de março de 2022
Aceito para publicação: 30 de março de 2022
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