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Como mudar uma política externa?

Reflexão sobre mudança em política externa durante o governo Bolsonaro

Resumo

O artigo analisa em que medida o mapa cognitivo e o processo decisório da política externa do governo Bolsonaro levaram ao rompimento da tradição diplomática e a uma mudança mais geral no curso da política externa brasileira. Compreende tais transformações no contexto de fortes mudanças na ordem internacional e de um regime democrático que acomoda polarizações e, portanto, eventuais inflexões drásticas de política externa. O artigo proporciona uma reflexão conceitual sobre o que significa mudança em política externa, à luz das transformações introduzidas ou exacerbadas durante o governo Bolsonaro no que diz respeito às ideias que pautam a política, a seu processo de formulação e implementação e a suas ações.

Palavras-chave:

política externa brasileira; governo Bolsonaro; processo decisório de política externa; fatores ideacionais; mudanças em política externa.

Em que medida a política externa desenvolvida durante o governo de Jair Bolsonaro difere dos padrões de continuidade e de mudança observados na trajetória histórica da política externa brasileira? Que práticas, ideias e escolhas foram preservadas e quais foram alteradas? Trazemos aqui uma reflexão conceitual sobre o que significa mudança em política externa, à luz das transformações introduzidas ou exacerbadas pelo governo de Bolsonaro no que diz respeito às ideias que pautam a política, a seu processo de formulação e implementação e a suas ações. Para além da retórica, a política externa do governo de Bolsonaro provocou mudanças na inserção internacional do Brasil em níveis bilateral, regional e multilateral. Em cerca de três anos, seu governo alterou prioridades e estratégias, rompendo com o padrão diplomático de manter o diálogo com parceiros tradicionais, administrar a integração regional baseada no Mercosul e buscar o engajamento com instituições multilaterais.

Acompanhando a evolução da disciplina das Relações Internacionais, a literatura tem abordado as possibilidades de mudança em política externa, sua qualidade, amplitude, lapso temporal e frequência. Uma forma de analisar a mudança é considerá-la a partir da análise das etapas intermediárias do processo decisório ou da adoção de determinadas estratégias para a consecução de objetivos. Forma alternativa é ver a mudança como manifestação final da política externa, fenômeno resultante de disputas no interior do Estado e observável empiricamente na relação com outros atores internacionais, a partir de relações bilaterais e com parceiros regionais ou em foros multilaterais. Além disso, a interpretação de quando se dá uma mudança depende de lentes que enunciam a escolha de níveis de análise e respectivas condições explicativas.

Em períodos mais recentes, a política externa vem incorporando novos atores e ideias, assim como agendas cada vez mais complexas e inter-relacionadas.

Em períodos mais recentes, a política externa vem incorporando novos atores e ideias, assim como agendas cada vez mais complexas e inter-relacionadas. Além disso, o envolvimento de diferentes atores domésticos com interesses e agendas distintos vem crescendo progressivamente. Torna-se difícil, portanto, entender e explicar uma política externa apontando apenas os seus resultados. Ao mesmo tempo, a análise do processo de formulação e implementação da política externa e de seus princípios e valores é fundamental para o entendimento dessa política, embora não suficiente. Assim, reforçamos a necessidade do desenvolvimento de uma abordagem integrativa para a compreensão da política externa (Haesebrouck & Joly 2020; Rodrigues, Urdinez & Oliveira 2019). Não só níveis de análise e fatores explicativos podem estar associados, como também variar de acordo com o contexto. Desse modo, a mudança é parte integrante do processo de tomada de decisão e também detectada como manifestação final da política externa.

Rompendo com uma tradição de continuidade, a política externa de Jair Bolsonaro, no poder desde 2019, introduziu novas ideias, formas de ver o mundo e parcerias, colocando em xeque padrões que nortearam a inserção internacional do Brasil por um longo período. Diferente de outros candidatos à presidência, os temas da política externa de Bolsonaro ocuparam um lugar relevante na campanha eleitoral, em muitos casos buscando atender a demandas de grupos específicos – muitos deles não pertencentes às elites tradicionais do país – e minimizando a centralidade decisória do Itamaraty. A formulação e a implementação da política externa refletiram a crescente fragmentação do processo decisório e a eventual divergência de interesses entre atores com visões ideológicas e outros que defendem interesses pragmáticos segmentados.

Nossa proposta é, a partir da análise de dois fatores que embasam a política externa do governo Bolsonaro – o mapa cognitivo e o processo decisório –, apontar em que medida esses levam ao rompimento da tradição diplomática e a uma mudança mais geral no curso da política externa brasileira. Compreender tais transformações serve ao propósito de pensarmos a política externa em meio a um universo de fortes mudanças no sistema internacional e em um regime democrático que acomoda polarizações e, portanto, inflexões drásticas de política externa. O texto se divide em três seções e a conclusão. A primeira seção traz uma discussão conceitual sobre mudança em política externa. A segunda se orienta para um apanhado das ideias que influem sobre a política externa de Jair Bolsonaro. Em seguida, nos dedicamos ao desmonte do Itamaraty e ao fragmentado processo de formulação da “nova” política externa. Na conclusão, o texto apresenta os traços gerais da mudança observada sob Bolsonaro e alguns de seus efeitos na inserção internacional do Brasil. 

Mudanças em política externa

Uma das formas mais comuns de estudar mudanças em política externa é abordá-la como uma gradação de intensidade, que varia de nenhuma ou pouca até cenários de alterações drásticas de curso. Charles Hermann (1990) aponta quatro níveis: ajuste, ou mudança de estilo ou intensidade, em que objetivos mais gerais da política externa são mantidos; mudança de programa, em que métodos e estratégias para atingir determinados objetivos são modificados, com esses últimos permanecendo iguais; mudança de metas ou de objetivos; e mudanças no padrão de inserção internacional, o que envolve o redirecionamento completo da política externa de um país.

A mudança pode ocorrer a partir de um paradoxo que acomoda, ao mesmo tempo, continuidade nos objetivos e alterações de intensidade, prioridades ou estratégias. Mudam-se as etapas intermediárias, mas mantém-se a orientação mais geral da política externa, o que abre espaço para situações de “mudanças na continuidade” (Fonseca Jr. 2011). Em outros casos, padrões de comportamento em política externa podem sofrer mudanças significativas mesmo sem a definição de uma opção deliberada por parte dos formuladores, como aponta Holsti (2016), ou por conta de uma situação de uma conjuntura de crise, real ou imaginada.

Mudanças em política externa, especialmente quando envolvem várias agendas temáticas e ocorrem em lapso temporal curto, implicam custos políticos elevados e, por isso, são menos comuns. Para Welch (2005), a mudança é esperada em três circunstâncias: em Estados autoritários com burocracias pouco formalizadas e com menos capacidade de resistência, o que diminui a continuidade institucional; quando há falhas na execução de uma estratégia específica, o que leva à reavaliação dessa estratégia; e quando existe a percepção ou antecipação de que as escolhas implicarão em perdas. A inércia seria, portanto, o paradigma mais comum.

Na visão de Albuquerque (2020), inércia em política externa ocorre quando há permanência de cursos de ação, mesmo em cenário em que se observam mudanças em fatores explicativos fundamentais. Assim, alterações em fatores domésticos, como o partido político no poder, a permanência do chanceler, a predileção do líder por temas internacionais e a situação da economia, e em variáveis internacionais, a exemplo do arranjo sistêmico e das percepções dos demais atores frente aos comportamentos do país, podem não ser suficientes para modificar os rumos da política externa.

Margareth Hermann (2001) argumenta que a política externa é desenvolvida por uma miríade de atores com capacidades variáveis de agência e que, por conta disso, a unidade de decisão envolvida no processo decisório pode modificar a natureza e os rumos dessa política externa. Em meio a atores como primeiros-ministros, presidentes, partidos, comitês, juntas militares, gabinetes, burocracias, grupos interagências e coalizões domésticas, ela identifica três tipos de unidades de decisão: líder predominante; grupo individual, no qual seus membros coletivamente selecionam um curso de ação; e coalizão de múltiplos atores autônomos que, sozinhos, não têm a habilidade de decidir ou forçar a concordância dos demais. A realidade mostra que essas três unidades de decisão podem conviver, especialmente em casos de fragmentação do processo decisório, o que pode ocasionar decisões erráticas e falta de coerência.

Na realidade, como é difícil que um país transcenda as diferenças internas para levar a cabo uma política externa congruente e vantajosa para todos, a identidade externa repousa no discurso vencedor, que assume ser a narrativa que melhor representa uma sociedade (Merke 2008, 44). Essa identidade externa vem sempre articulada e dá sentido às ações externas, o que envolve a reprodução das narrativas e a sua manifestação prática. As identidades são parte de um jogo de mudanças e de continuidades, sendo sempre construídas e redefinidas ao longo do tempo.

Para além do debate mais geral sobre mudança e continuidade em política externa, alguns autores baseiam a análise em fatores explicativos específicos. Kaarbo (2017), por exemplo, estuda como pode haver continuidade em política externa mesmo em países com gabinetes parlamentaristas compostos por diversos partidos com poder de veto e múltiplos interesses. Nesse caso, o primeiro-ministro teria papel fundamental em superar possíveis dissensos. Gustavsson (1999) também ressalta a figura do líder, dado que esse ou essa podem controlar a agenda política, formar coalizões e manipular o processo decisório de modo a manter suas preferências. Mais voltados respectivamente para o caso brasileiro e latino-americano, Cason & Power (2009) e Malamud (2015) apontam a centralidade da figura do presidente como variável chave para a formulação, implementação e alteração de rumos da política externa.

Indivíduos e seus mapas cognitivos, especialmente em casos de líderes predominantes, podem acelerar ou impedir mudanças em política externa (Axelrod 1976). Em trabalho clássico, Jervis (1976) defende que decisões políticas cruciais não podem ser entendidas sem a compreensão das crenças dos tomadores de decisão e das imagens que fazem de seus pares. Da mesma forma, Gustavsson (1999) explica que a política externa muda, especialmente em caso de transformações mais duradouras, quando os sistemas de crenças dos líderes também são alterados. Ideias importam para a formulação, implementação e reflexão da política externa. Ao lado de interesses, elas clarificam princípios e concepções de relações causais, podendo ser enraizadas em determinadas instituições responsáveis pela inserção internacional de um país (Goldstein & Keohane 1993).

Breuning (2013) explica que a adoção de normas internacionais por atores relevantes da burocracia, os quais chama de gatekeepers, depende não só de sua habilidade de adequá-las à realidade doméstica, mas também de criar coalizões com atores políticos nacionais. Sua visão trata a política externa como resultado da barganha política entre atores posicionados estratégica e hierarquicamente dentro do governo. A seleção dos atores considerados relevantes e a estrutura das barganhas dependem não só de regras explícitas e implícitas, mas também das percepções que um ator tem do outro.

Estudos como o de Rodrigues, Urdinez & Oliveira (2019) apontam como o partido político no poder pode imprimir uma dimensão ideológica ou pragmática que ocasione alterações no padrão de inserção internacional de um país. Outros atores domésticos como as comunidades epistêmicas, organizações da sociedade civil e o Legislativo também podem influenciar a política externa, promover mudanças, minimizá-las ou impedi-las, a depender de sua capacidade de barganha frente a governo e burocracias e/ou de mobilização da opinião pública contra esses mesmos grupos. O peso desses e de outros fatores tende a ser situacional, dado que podem ter maior ou menor capacidade de influência a depender do contexto, o que afasta interpretações deterministas.

Para além de fatores explicativos domésticos, a estrutura do sistema internacional também influencia padrões de continuidade e de mudança em política externa. Se estruturas multipolares favorecem maior flexibilidade, cenários marcados por bipolaridade seriam mais restritivos. Ao mesmo tempo, Estados insatisfeitos com o status quo seriam mais permeáveis a transformações do que aqueles em consonância com o conjunto normativo e regulatório em vigor. No caso do Brasil, inércia em política externa teria ocorrido em determinadas agendas – notadamente no âmbito multilateral – mesmo na transição entre as presidências de Dilma Rousseff (2011-2016) e Michel Temer (2016-2018). Essa ocorreu pela permanência de determinados quadros burocráticos, com especial destaque para o Itamaraty como cerne da formulação de política externa, que mantiveram a memória das posições do país e das respectivas agendas ministeriais. A inércia terminaria com a eleição de um presidente apoiado por grupos ideológicos sem tradição de influência na política externa e crítico ao cânone diplomático brasileiro, o subsequente desmonte do Ministério das Relações Exteriores e a fragmentação descoordenada do processo decisório, como é abordado na seção subsequente. 

O mapa cognitivo da política externa de Jair Bolsonaro

Desde os anos 1990, a diplomacia brasileira se agrupa em torno de correntes de pensamento e visões de mundo sobre os marcos da diplomacia: institucionalistas pragmáticos e autonomistas[1], com maior prevalência, mas também outros grupos como os liberais na economia e os desenvolvimentistas. Apesar de terem limites fluidos e coexistirem no interior do Itamaraty, a atuação internacional do país é marcada historicamente por traços de continuidade. Em termos das linhas norteadoras da política externa brasileira, havia uma percepção comum na preferência dos tomadores de decisões por soluções multilaterais; na atuação construtiva nas organizações internacionais; na defesa da solução pacífica de controvérsias e de princípios como a não intervenção e a igualdade soberana entre os estados; no respeito ao Direito Internacional; e na valorização da eficiência e da tradição da diplomacia brasileira.

Os institucionalistas pragmáticos defendiam a liberalização moderada da economia e, no cenário dos partidos políticos, foram basicamente identificados com o PSDB. A corrente defendia o apoio formal do Brasil aos regimes internacionais da ordem liberal em vigência e identificava as regras da política internacional como um arcabouço que poderia beneficiar o desenvolvimento econômico brasileiro. Na perspectiva dos institucionalistas, a autonomia seria compatível com um país integrado à ordem internacional que se comportaria dentro dos parâmetros das instituições multilaterais, agindo de modo construtivo na construção e manutenção dessa ordem.

Os autonomistas, por seu turno, defendiam a ideia de trazer junto ao Brasil outros países do Sul, emergentes ou de menos recursos, com vistas a contrabalançar o poder das potências consolidadas ocidentais, mas não numa visão de confrontação. Essa perspectiva dava maior destaque a crenças como a defesa da autonomia, do universalismo e de uma presença ativa do Brasil na política internacional (Saraiva 2010), não a questionando em essência, mas buscando adaptar o modo como regras e normas eram implementadas na prática. Se, por um lado, as coalizões com parceiros emergentes contribuiriam para alavancar ações do país, por outro seria importante buscar tanto um tipo de liderança internacional de caráter individual, quanto o fortalecimento da ação global.

Em ruptura com as correntes anteriores, a política externa de Bolsonaro teve como base ideológica outros critérios como o antiglobalismo e o conservadorismo.

Em ruptura com as correntes anteriores, a política externa de Bolsonaro teve como base ideológica outros critérios como o antiglobalismo e o conservadorismo, rompendo com a abordagem majoritariamente pragmática e com vistas a reforçar a imagem de ator internacional responsável e cooperativo. Casarões & Saraiva (2021) apontam para o antiglobalismo, o anticomunismo e o nacionalismo religioso como cimento ideológico para a política bolsonarista. Em citação dos autores: “nas palavras do chanceler Ernesto Araújo, com a vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018, ‘[o] Brasil subitamente se redefiniu como um país conservador, antiglobalista e nacionalista”[2].

Logo após eleito, Bolsonaro escolheu para a chancelaria um diplomata jovem para a tradição do cargo de chanceler, Ernesto Araújo, com fortes vínculos com o deputado federal Eduardo Bolsonaro[3]. Ambos são fortemente influenciados pelo filósofo Olavo de Carvalho, escritor com fortes vínculos com a ultradireita norte-americana[4]. Ernesto Araújo, por seu turno, uma vez escolhido como chanceler, afirmou que “há países que resistem à demonização do sentimento nacional, ao esmagamento da fé (principalmente da cristã), que rejeitam o esvaziamento da alma humana e sua substituição por dogmas anêmicos que servem apenas aos interesses de dominação mundial de certas elites” (Bilenky 2018).

O nacionalismo religioso, segundo Casarões (2020), seria um traço que vem se destacando entre as forças conservadoras atuais. Ele se caracteriza por condicionar o pleno pertencimento do indivíduo à determinada sociedade à opção por uma determinada religião ou crença. Influencia a política externa ao aprisionar sua agenda a partir de preceitos morais, condenando visões de mundo contrárias e baseando-se numa lógica de confronto. Desde o início de seu mandato, o governo de Bolsonaro vem vinculando a projeção internacional e os votos do Brasil em organizações multilaterais a valores cristãos, buscando introduzir uma narrativa que substancie essa nova identidade e assim se articule a ações renovadas. “Nossos votos na ONU serão de acordo com a Bíblia, disse o presidente diante de uma plateia de lideranças evangélicas” (Castro 2019).

Bolsonaro divulgou a narrativa baseada no conservadorismo, ao emplacar valores como a defesa da família e da vida desde a sua gestação, atendendo a lideranças conservadoras e cristãs que deram apoio à sua candidatura (Belém Lopes & Carvalho 2020). Em afirmativa do presidente, “o Brasil é um país cristão e conservador e tem na família a sua base. Deus abençoe a todos” (Alves 2020). Buscou também aproximar-se de outros líderes conservadores, como Donald Trump, Matteo Salvini e Viktor Orbán. Ernesto Araújo, em parceria com Eduardo Bolsonaro, buscou conformar a Aliança Liberal Conservadora, em oposição ao Foro de São Paulo e outros movimentos de esquerda. O conservadorismo também repercute a visão bolsonarista do Ocidente, nas palavras de Araújo: "Ocidente não é necessariamente aquilo que determinados países ocidentais defendem nas Nações Unidas ou em outras instâncias. Nós nos consideramos parte do Ocidente (…) e uma das coisas que achamos que é Ocidente é você, no caso, não sexualizar a infância, digamos assim. É uma das coisas que fazem parte da ética, digamos, ocidental” (Senra 2019).

A oposição ao Foro de São Paulo mostra como o anticomunismo é uma marca importante e também fabricada para manter mobilizado o eleitorado, num clima de “campanha constante”, e atender aos interesses de grupos domésticos específicos [5]. A cruzada contra o “marxismo cultural” global e os governos de esquerda procura conectar os votos dos eleitores – muitos deles insatisfeitos com as gestões do PT – com a ideologia conservadora, religiosa e autoritária. Na interpretação do governo, o anticomunismo serviria de base para a escolha de parceiros e de “ameaças”, como “o bolivarianismo das Américas”, que deve ser liquidado (Bilenky 2018). No mesmo sentido, a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), que sempre foi um braço acadêmico do Itamaraty como espaço para debate de ideias, divulgou em seu site artigo de Araújo (2019b) em que o chanceler afirma que o “projeto comunista é atual” e “quer voltar a estrangular-nos”, regressando a governos da América Latina. Esse anacronismo não é acompanhado pela crítica a países que violam direitos humanos, com quem o Brasil tem partilhado votos em fóruns como o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

O principal esteio das ideias que pautam a política externa do governo de Bolsonaro é o globalismo. Em artigo publicado em 2017, por exemplo, Araújo descreve a civilização ocidental como um conjunto de ideias tradicionais que corriam risco de desaparecer por conta de determinados projetos de poder orientados pelo aparato burocrático das instituições multilaterais. Essa burocracia corresponderia a uma elite internacional contrária aos valores nacionais e que controlaria os fluxos da globalização em temas como comércio e migração, afetando o exercício da soberania estatal. Com base no “marxismo cultural”, buscaria aplastar conceitos como nação e fé cristã (Oliveira 2019)[6]. Segundo ele, em seus discursos ou em seu blog[7], haveria uma luta entre a fé e a ausência dela, cabendo ao Brasil adotar uma política externa com vista a recuperar seu destino ocidental. Ele defendeu a necessidade de uma “metapolítica” externa brasileira, por meio da qual o Brasil faria parte do combate ao “globalismo” para defender os tradicionais “valores ocidentais” e uma doutrina de patriotismo (Araújo 2019a).

Parte do globalismo, o climatismo é identificado como uma crença de que alguns países e líderes estrangeiros fariam uso do alarmismo sobre a mudança do clima para atingir objetivos políticos, suprimir o debate sobre a ação humana no aumento da temperatura global e minar a soberania de estados como o Brasil (De Orte 2019). O climatismo seria especialmente danoso ao Brasil por ter a maior parte da floresta Amazônica em seu território. Segundo Araújo “a mudança climática deveria ser estudada de maneira serena, racional, mas também foi capturada por uma ideologia", tornando-se pretexto para a defesa da intervenção na economia e abrindo espaço para a imposição de políticas públicas e restrições a “liberdades fundamentais” (citado por Zanini & Mello 2019).

Portanto, ao contrário dos institucionalistas pragmáticos e dos autonomistas, a política externa do governo de Bolsonaro defende uma concepção de autonomia e de liberdade que se estabelece apesar da ordem internacional vigente. Tratou-se de uma tentativa de mudança no padrão de inserção internacional do Brasil como um todo, buscando um redirecionamento da política externa e um rompimento com a tradição diplomática. Enquanto os institucionalistas defendem a participação nos marcos normativos dominantes e os autonomistas buscam alterar aspectos desse arcabouço sem questioná-lo essencialmente, o mapa cognitivo bolsonarista adotou estratégia retórica agressiva e reativa, contestando a essência do multilateralismo e os padrões que norteavam a inserção internacional do Brasil, propondo novas ideias e formas de ver o mundo. É o que Araújo chamou de política externa “severina”, um conjunto de ideias diretamente conectado com os anseios do “povo” – conceito reducionista e comum a governos populistas autoritários – que seria utilizado para enfrentar um “sistema corrupto” (Charleaux 2021). Essa estratégia, no entanto, não se traduziu em capacidades efetivas de ação. 

Mudanças no Itamaraty e no processo decisório

As ideias norteadoras do pensamento bolsonarista vieram acompanhadas por mudanças na corporação diplomática, identificada por eles como pouco afeita aos interesses nacionais e propagadora do globalismo na arena política doméstica. O novo governo procurou abrir espaço para não diplomatas e realizou promoções e remoções de função seletivas, num grau além do esperado. O desmonte do Ministério de Relações Exteriores, cuja continuidade burocrática servia historicamente como resistência a inovações dentro das visões institucionalista e autonomista, foi uma condição necessária para o governo avançar com mudanças tanto na política externa quanto em seu processo decisório, contribuindo para sua fragmentação. Nas palavras do chanceler Ernesto Araújo em seu discurso de posse: “o Itamaraty existe para o Brasil, não existe para a ordem global. O Itamaraty existe para o Brasil, não existe para si mesmo. Nós somos uma casa de excelência?”[8]

Em seu primeiro dia de governo, Jair Bolsonaro editou medida provisória n. 870[9] que modificou regras do ministério em relação à hierarquia, abrindo caminho para uma reforma do Itamaraty que, por sua vez, possibilitou a ascensão de diplomatas ainda em meio de carreira para cargos-chave, deixando de lado profissionais de uma geração mais experiente. Ademais, extinguiu secretarias até então importantes e criou novas pastas, privilegiando relações bilaterais, como é o caso do departamento de Estados Unidos, e reduziu a centralidade de temas multilaterais no organograma, então submetidos à recém-criada Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania. O agronegócio, uma das bases de sustentação do governo, foi contemplado com departamento próprio (Bilenky 2019).

Uma vez iniciada a desestruturação da corporação diplomática, o chanceler foi progressivamente mudando os embaixadores das principais embaixadas do país no exterior, deixando de fora diplomatas seguidores dos valores tradicionais da corporação e no auge de suas carreiras. Araújo, até então com poucos seguidores, tentou esvaziar as correntes de pensamento vigentes e reconfigurar o ministério com novos profissionais, por meio de mudanças no concurso para o Instituto Rio Branco e no seu currículo de disciplinas (Casarões & Saraiva 2021, 8). A FUNAG deixou de ser um canal para reflexões e debate e tornou-se meio para que o chanceler publicitasse as ideias bolsonaristas. Com a chancelaria sofrendo desestruturação, o processo de formulação e de implementação de política externa ficou mais sujeito à competição entre burocracias, personalidades e grupos autônomos com influência sobre o governo.

Com a chancelaria sofrendo desestruturação, o processo de formulação e de implementação de política externa ficou mais sujeito à competição entre burocracias, personalidades e grupos autônomos com influência sobre o governo.

O Itamaraty deixava de exercer plenamente a função de “anteparo” a leituras não convencionais da política externa, abrindo espaço para que mais grupos de interesse influenciassem a agenda diplomática e instrumentalizassem temas internacionais na arena doméstica. Dessa forma, as fronteiras entre o interno e o externo tornavam-se ainda mais porosas, com a política externa fazendo parte da estratégia mais ampla de manutenção da mobilização das bases por meio da reprodução do discurso revisionista e de guerra cultural.

A coligação inicial de apoio a Bolsonaro foi formada por uma variedade de grupos novos no Executivo e autônomos entre si. Além de coincidir com transformações no cenário internacional, notadamente a presença de governos nacionalistas capitaneados pelos Estados Unidos, o início do mandato de Bolsonaro refletiu uma mudança nas forças políticas internas. O governo aglutinou setores muito diferentes e com visões diversas, que buscavam influenciar segmentos da política externa (olavistas, evangélicos, liberais na economia, militares e ruralistas exportadores de commodities) e eram conectados por intermédio de um líder predominante. A articulação entre eles, no entanto, era instável e deu-se apenas em torno da figura presidencial e das expectativas com a nova administração.

Assim, conformava-se um governo estruturado na contradição: defendia a liberalização econômica (embora com muitos senões); tinha um perfil antidemocrático e em constante conflito com as instituições em vigor; utilizava forte violência na oratória, sobretudo nas redes sociais; e propagava uma mentalidade conservadora e revanchista. Essa divisão de grupos se reflete na manifestação da política externa e no seu policymaking. Segundo Hagan (1994), esse cenário corresponderia a um estado fragmentado, que seria, por sua vez, terreno fértil para tentativas de mudanças radicais no curso da política externa.

Na concepção de Gardini (2011), uma política externa ideológica parte de um conjunto de ideias e visão de mundo e é associada a personalismos e administrações específicas, estando focada em doutrinas e princípios e priorizando a compatibilidade de alternativas a esses em detrimento de suas consequências práticas. Isso não quer dizer, no entanto, que a condução de dita política externa ocorra de forma inequívoca e sem reações no plano doméstico, dada a pluralidade de atores com poder de barganha e capacidade de exercer influência.

Gardini & Lambert (2011) reconhecem que a tensão entre a busca de ideias e as suas consequências práticas é um fenômeno frequente na América Latina. No caso brasileiro, há um misto de confronto e conciliação entre as ideias conservadoras e a retórica populista de Jair Bolsonaro com a procura de ganhos setoriais por diferentes grupos envolvidos com a política externa[10]. É o caso, por exemplo, de negacionistas e evangélicos, que são por vezes contrabalanceados, em segmentos específicos da política, por atores como os militares da ativa e os ruralistas[11]. Em áreas nas quais o presidente pode auferir benefícios eleitorais, no entanto, a dimensão ideológica da política externa pode prevalecer (Casarões & Saraiva 2021). Nos casos em que isso não ocorre, a condução da política externa não deixa de ser marcada por ruídos e contradições, afetando a imagem internacional do país.

Entre os grupos apoiadores do governo Bolsonaro, estão: os evangélicos, que legitimam uma política externa defensora da família tradicional e contra a “ideologia de gênero”, influenciando os votos do Brasil em fóruns como o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e a aproximação com Israel; os grileiros, garimpeiros e madeireiros, que têm peso político e ligações no Congresso e dificultam o desempenho do Brasil frente às negociações sobre questões climáticas; os antiglobalistas e negacionistas, responsáveis pela aproximação com o governo de Trump e outros governos de extrema-direita, e que manifestam repúdio às organizações multilaterais; os exportadores de commodities e defensores de boas relações com os países árabes e a China, representados no Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e os (autointitulados) liberais, representados no Ministério da Economia e que advogam pela negociação de acordos de livre comércio, sobretudo por meio do Mercosul, assim como pela entrada na OCDE. Segundo Belém Lopes & Carvalho (2020), a “inserção internacional do Brasil é, hoje, subproduto da conveniência eleitoral de Jair Bolsonaro”.

O núcleo familiar, especialmente o papel exercido pelo deputado Eduardo Bolsonaro, também deve ser destacado na política externa. Além de comentários em redes sociais e de ter sido presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Deputados, Eduardo foi cotado como embaixador em Washington e realizou viagens como representante do governo, apesar de não o integrar formalmente (Casarões 2021). Tido como um “chanceler paralelo” por alguns, privilegiou parcerias de cunho ideológico.

O Legislativo, por seu turno, buscou exercer papel de equilíbrio por intermédio, sobretudo, do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, se não deu seguimento a um processo de impeachment, contrariou a retórica belicosa de Bolsonaro no trato com parceiros externos. Mesmo estando mais alinhado com o governo, seu sucessor, Arthur Lira, tentou articular canais de diálogo com a China e pediu insumos e vacinas em meio à escalada de casos e mortes por Covid-19 no Brasil (Barbiéri 2021).

A pandemia abriu canais para a participação de novos atores. Para além do parlamento, exacerbou a atuação externa de governos subnacionais e de organizações da sociedade civil. Contrários à atuação de Bolsonaro na resposta à pandemia e criticados por ele quanto às medidas de isolamento social, governadores e prefeitos organizaram-se em consórcios para a compra de vacinas e para ampliar a pressão sobre presidência e Ministério da Saúde.[12] Numa lógica de federalismo de confronto e em meio à lotação de UTIs e aumento do número de contágios e de mortes, governos locais também recorreram ao Judiciário para respaldar suas decisões.

Em suma, com um chanceler de um grupo com pouco espaço na chancelaria e em meio ao desmonte de suas regras e tradições, o Itamaraty deixou de ocupar um lugar central na formulação de política externa e de se colocar como ator incontestável na interlocução do Brasil com o exterior[13]. O processo de envolvimento de diferentes atores com a política externa foi ainda mais segmentado e, em muitas circunstâncias, trouxe situações de divergências internas ou mesmo de paralisia e falta de gestão no comportamento internacional do país. Reações foram comuns e de diferentes intensidades e refletiram os variados grupos de interesse domésticos, na base do governo e em oposição a ele, o que contribuiu para a maior politização da política externa.

Considerações Finais

Neste artigo, abordamos traços da formulação da política externa brasileira durante o governo Bolsonaro. Apontamos como padrões consolidados da inserção internacional do Brasil foram questionados e modificados, por meio, sobretudo, de retórica inflamada, mas também por iniciativas que contrariam o cânone diplomático. Mais do que em momentos anteriores, a política externa refletiu disputas domésticas e ajudou a exacerbá-las, fragmentando o processo decisório e diminuindo a importância relativa do Itamaraty.

Sob a figura de um chanceler sem apoio das principais correntes de pensamento dentro do ministério e de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, o presidente pôde politizar a política externa e utilizá-la como instrumento de guerra cultural e de reprodução do discurso olavista, buscando construir uma narrativa diferente da tradicional. Ainda que não fosse inteiramente “ideológica”, a política externa era pensada a curto prazo e como parte de uma lógica mais ampla de promoção de conflito permanente. A mudança de rumos e de estratégias e a falta de objetivos claros em política externa confundiram interlocutores e, replicando o comportamento bolsonarista em política doméstica, produziu iniciativas internacionais descoordenadas. Essas atendiam aos interesses de variados atores domésticos, notadamente os que formavam a base do governo: evangélicos, olavistas, liberais na economia, militares e ruralistas.

A proposital falta de coordenação, entretanto, inviabilizava a formulação de uma concepção coerente do lugar do Brasil no mundo. Em situações de conflito entre grupos de interesse, o governo tendia a privilegiar a base de apoio mais fiel e ideológica, especialmente em temas como meio ambiente, saúde e direitos humanos, alienando opções de cunho pragmático e afetando relações bilaterais, regionais e multilaterais.

O processo decisório aproximava-se de uma configuração composta por um líder predominante (Bolsonaro) sem controle do processo decisório e sem interesse em estabelecer articulação mínima entre os múltiplos atores autônomos. A isso seguiram-se reações, também descoordenadas e com variados graus de intensidade, de grupos representados por vice-presidência, exportadores de produtos agrícolas e elites econômicas. A “rebelião” desses grupos autônomos não só foi consequência do impacto da política externa de Bolsonaro, mas também refletiu o jogo de forças no tabuleiro político doméstico. A eles, somaram-se o Congresso Nacional, o Judiciário, os governos subnacionais e as organizações da sociedade civil.

O desgaste dessa forma de governar ficou mais claro nos primeiros meses de 2021, quando a “rebelião” dos grupos autônomos foi acentuada pelo turbulento contexto político nacional. Naquele momento, observaram-se o avanço da pandemia, atrasos na vacinação e os então mais de 300 mil mortos pela Covid-19, o que era questionado por um governo negacionista; a estagnação econômica com aumento da inflação; a eleição de novas lideranças para a Câmara e o Senado que, se foram apoiadas por Bolsonaro, passaram a requerer mais espaço no ministério, cargos e emendas; e a proximidade do processo eleitoral de 2022, revitalizado com a possibilidade de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Externamente, a eleição do democrata Joe Biden nos Estados Unidos fazia com que o Brasil de Bolsonaro e Araújo perdesse o principal fiador do “antiglobalismo”.

Esse processo de fragmentação acelerada na formulação e na implementação da política externa e de crescente afastamento de algumas bases de apoio do governo levaria à substituição de quadros olavistas do ministério, entre eles, o chanceler. Após embate com o Senado, Araújo seria substituído pelo embaixador Carlos Alberto Franco França, então chefe do cerimonial da presidência. França trouxe o discurso diplomático para mais perto da tradição do Itamaraty, reduzindo pontos de atrito com parceiros externos e buscando resgatar a centralidade do corpo diplomático e a previsibilidade no comportamento internacional do país. Através dessa correção de rumos e de busca de “retorno à normalidade”, termos como antiglobalismo, climatismo ou anticomunismo perderiam espaço nos discursos oficiais, assim como a relevância de ideias conservadoras e religiosas.

Tomando por base a concepção de Hermann (1990), o governo de Bolsonaro seria marcado, até o início de 2021, pela procura de uma refundação da política externa, o que permaneceu mais no campo discursivo do que prático. Esse processo de tentativa de mudança seria contrabalançado por um redirecionamento parcial em direção à continuidade dos posicionamentos tradicionais do país, especialmente a partir da transição na chancelaria e da perda de espaço no processo decisório do núcleo familiar e dos olavistas, sendo mais perceptível em áreas temáticas com menor relevância para a agenda de campanha de Bolsonaro.

Nossa proposta neste artigo toma como exemplo o caso do governo de Bolsonaro para debater os fatores de mudança na política externa de um país. Em um cenário que indica mudanças políticas com alto grau de polarização, em que a política externa é parte da plataforma doméstica de fazer política, a política externa brasileira tende a ser impactada mais diretamente pela política interna, apesar do papel histórico da corporação diplomática como fator de continuidade.

* Agradecemos ao CNPq e ao Programa Prociência UERJ pelo apoio financeiro fornecido para pesquisa que deu base a este artigo. E a Guilherme Casarões, com quem a interação na confecção do capítulo citado nas referências (Casarões & Saraiva 2021) trouxe bons insights para este artigo. 

Notas

[1] Sobre as correntes institucionalistas e autonomistas, ver Saraiva (2010).

[2] Inaugural speech as Brazil’s Minister of Foreign Relations, 02/01/2019, https://www.funag.gov.br/chdd/index.php/ministros-de-estado-das-relacoes-exteriores?id=317. Citado por Casarões & Saraiva (2021).

[3] "Eduardo é o grande - e um dos únicos - apoiadores do Ernesto’, disse uma embaixadora à reportagem, sob condição de anonimato” (Senra 2019). Essa proximidade ficou mais clara em março de 2021, quando o chanceler foi abertamente questionado por deputados e senadores e convidado a abrir mão do cargo.

[4] Sobre Olavo de Carvalho, Araújo (2019a, 5) afirma: “desde meados da década de 1990, paralelamente à ascensão de um regime ateísta corrupto (na época, ainda em formação), novas ideias estranhas começaram a circular nos livros e artigos de Olavo de Carvalho, um filósofo brasileiro, talvez a primeira pessoa no mundo a ver o globalismo como o resultado da globalização econômica, a entender seus propósitos impiedosos e a começar a pensar em como derrubá-lo”.

[5] Em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, Jair Bolsonaro afirma que “O Foro de São Paulo, organização criminosa criada em 1990 por Fidel Castro, Lula e Hugo Chávez para difundir e implementar o socialismo na América Latina, ainda continua vivo e tem que ser combatido” (Folha de S. Paulo 2019).

[6] Cabe ressaltar, porém, que a concepção de Araújo de Ocidente diz respeito a uma dimensão conservadora do pensamento ocidental.

[7] O blog se chama Metapolítica 17: contra o globalismo. https://www.metapoliticabrasil.com/

[8] Inaugural speech as Brazil’s Minister of Foreign Relations, 02/01/2019,  https://www.funag.gov.br/chdd/index.php/ministros-de-estado-das-relacoes-exteriores?id=317

[9] Editada em 01/01/2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/57510830.

[10]  Os dois fenômenos seriam complementares – uma política guiada apenas pela ideologia tenderia à utopia, ao passo que uma guiada apenas pelo pragmatismo tenderia a ser imediatista e oportunista (Gardini 2011, 13-14).

[11] Para Gardini (2011), uma política externa pragmática seria baseada na utilidade e praticidade de suas ideias, em que o peso das consequências de cada ação supera o apreço por um ou outro princípio.

[12] É o caso da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e do Consórcio Nordeste (Lupion 2021). 

[13] Ao longo da Nova República, e mais notadamente a partir do governo de Dilma Rousseff, o Itamaraty tem sua centralidade questionada no policymaking da política externa. O processo de decisão sobre as questões internacionais foi sendo progressivamente descentralizado entre diversas agências governamentais e em poderes como o Legislativo. Da mesma forma, o papel de agenda setting, que tradicionalmente estava centrado na presidência e no Itamaraty, passou a ser mais disputado por atores outros que não os tradicionais. Durante o governo de Michel Temer, o ministério contou com dois chanceleres do campo da política que buscaram recompor as relações da presidência com o Itamaraty, numa tentativa de superar dissensos advindos do governo anterior, mais centrado na administração das múltiplas crises no âmbito doméstico. Com Bolsonaro, a falta de centralidade do Itamaraty ficou ainda mais evidente.

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Recebido: 30 de novembro de 2021

Aceito para publicação: 13 de dezembro  de 2021

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