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Seção Especial

Desafios políticos na implementação da política externa do governo Lula 3

Em emergência climática, regulação da internet, integração regional, mediação da paz e expansão do BRICS

Resumo

O texto analisa dificuldades na implementação da política externa brasileira em 2023, no âmbito de cinco agendas: emergência climática, regulação da internet, integração regional, mediação da paz e expansão do BRICS. Destacam-se a atuação da oposição de extrema-direita para radicalizar politizações no plano doméstico e o descompasso entre algumas intenções e as condições existentes no plano externo. Ao final, sugerem-se alguns caminhos para lidar com os desafios aos objetivos do atual governo.

Palavras-chave:

governo Lula; política externa; extrema-direita; politização; radicalização
Imagem: Shutterstock.

O primeiro ano do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado pela ambição de mudar a imagem internacional do Brasil em relação à que predominou durante a presidência de Jair Bolsonaro (2019-2022). A postura sectária do antigo chefe de Estado, que privilegiava relações com homólogos com quem percebesse estreita afinidade ideológica (com destaque para Donald Trump), deu lugar à maior tolerância de Lula com diferentes mentalidades – encontros com Nicolás Maduro e Giorgia Meloni, situados em extremos opostos do espectro ideológico, foram exemplos. O isolamento relativo do antigo chefe de Estado, que fez 23 viagens ao exterior e visitou 22 países ao longo de quatro anos (Lopes 2022), foi substituído por uma diplomacia presidencial intensa, que incluiu 15 viagens e visitas a 24 países em apenas doze meses (Martins 2023).

No plano discursivo, a denúncia constante de Bolsonaro sobre uma suposta conspiração comunista global contra soberanias e liberdades, inclusive por parte da ONU, foi trocada por críticas de Lula às realidades concretas da desigualdade econômica, da fome, das guerras e da concentração de poder decisório nas mãos de grandes potências dentro de organizações internacionais. Em termos de ação, a aversão de Bolsonaro à participação do Brasil em iniciativas multilaterais sobre meio ambiente, vacinação e direitos humanos, por exemplo, deu espaço a uma valorização, por Lula, de cúpulas e fundos climáticos, à retomada de uma diplomacia da saúde para a África lusófona e à entrada do país em concertações, na ONU, em defesa da dignidade de minorias sexuais (Equal Rights Coalition) e da igualdade salarial entre homens e mulheres (Equal Pay International Coalition).

Promoveu-se, em suma, uma autêntica mudança de orientação internacional na política externa, na qual o papel que um país busca no sistema internacional é definido pelo governo de turno, conforme os termos de Hermann (1990). O projeto autodeclarado de transformar o Brasil em um pária internacional, na expressão do ex-chanceler Ernesto Araújo, reservava ao país uma posição de aliado de primeira hora da extrema-direita transnacional, com sede nos Estados Unidos, que tem como uma prioridade enfrentar o poder crescente da China. Por sua vez, a aspiração da política externa do governo Lula, explícita desde a eleição de 2022, é envolver o Brasil na construção de um sistema internacional multipolar, no qual instituições multilaterais e processos de integração regional tenham força para conter o poder tanto dos Estados Unidos quanto da China, incentivem uma coexistência pacífica e reduzam assimetrias econômicas entre Norte e Sul nos marcos do capitalismo.

A aspiração da política externa do governo Lula, explícita desde a eleição de 2022, é envolver o Brasil na construção de um sistema internacional multipolar, no qual instituições multilaterais e processos de integração regional tenham força para conter o poder tanto dos Estados Unidos quanto da China, incentivem uma coexistência pacífica e reduzam assimetrias econômicas entre Norte e Sul nos marcos do capitalismo.

Entre a intenção e a realização, porém, sempre existe a mediação da política. Assumir um papel internacional requer não apenas capacidades materiais de poder adequadas por parte de um país, como também força política por parte de um governo para fazer com que sua vontade prevaleça diante de coalizões de oposição aos seus planos, nos âmbitos externo e interno. No Brasil, esse segundo desafio ficou mais difícil à medida que avançaram a redemocratização, a abertura da economia e a comunicação virtual de meados dos anos 1980 em diante. A multiplicação de vozes, empresas com vínculos internacionais, grupos de interesse e constituencies variadas produziu uma politização da política externa, isto é, um aumento da percepção, na sociedade, de que há componentes partidários em decisões tomadas por um governo, sobre os quais cabe discussão (Lima & Duarte 2013).

O debate público em torno da matéria cresceu continuamente até atingir um volume inédito e, ao que nos parece, mudar de qualidade durante o governo Bolsonaro, quando a politização deixou de se situar em marcos democráticos e passou a ser radicalizada pela extrema-direita. Discordâncias em torno da política externa deixaram de ser tratadas como legítimas por essa facção e passaram a ser interditadas por um discurso autoritário e maniqueísta, que simplifica concepções de mundo entre bem e mal e condena, via de regra, negociações e concessões.

Ao passo que a politização é positiva quando encaminhada por vias institucionais e participativas, próprias de como a democracia deve lidar com políticas públicas, a radicalização nega o caráter republicano da política externa ao tratá-la como monopólio de uma minoria extremista. No caso do governo Bolsonaro, o tema foi reduzido a um instrumento personalista do presidente para atender a interesses de constituencies conservadoras (com destaque para ruralistas, cristãos evangélicos e agentes de segurança e defesa) grandes o suficiente para lhe dar apoio no Congresso e votos populares em uma possível reeleição (Lima & Alburquerque 2022). 

Por sua vez, o ano inicial do novo governo Lula representou a antítese do radicalismo, não apenas porque se ampliou a enorme frente partidária que o sustenta, incluindo PP e União Brasil (partidos conservadores que sequer haviam apoiado Lula na eleição), como também, na política externa, tomaram-se iniciativas bem-vindas de interlocução do Executivo com setores da sociedade civil comprometidos com a democracia e a ciência, como, por exemplo, nos Diálogos Amazônicos, coordenados pela Secretaria-Geral da Presidência da República, e em seminários da Fundação Alexandre de Gusmão sobre desarmamento nuclear, sustentabilidade, gênero, raça e infraestrutura regional. 

Não obstante esses avanços, o atual governo mostrou fragilidades políticas de outra natureza na implementação de sua política externa, ainda que também ligadas, em parte, às disputas domésticas. Para além delas, o cenário internacional foi marcado por uma intensa turbulência, tampouco nova. Conforme resume Hirst (2023, 97), “o tempo presente revela-se dominado por polarizações geopolíticas e disputas inter-hegemônicas, o que reduz e condiciona a margem de autonomia de países médios do Sul Global”, além de estimular lógicas conflitivas e incertezas que retiram a ancoragem institucional de agendas de governança global. O mesmo pode ser dito sobre as condições de governança regional, bastante diferentes da época da Onda Rosa, no início do século.

Em face desses constrangimentos, houve dificuldades do governo brasileiro para alcançar objetivos perante atores políticos internos e externos em, ao menos, cinco agendas da política externa: enfrentamento da emergência climática, regulação da internet, integração regional, mediação da paz e expansão do BRICS. As seções a seguir tratam de cada tema por via de breves descrições de eventos emblemáticos, com vistas a iluminar diferentes variáveis políticas que atravessaram o caminho entre desejo e resultado na política externa. As considerações finais apresentam algumas ponderações sobre essas dificuldades, que causam ruídos significativos na voz que o governo pretende dar ao Brasil no mundo e que ensejam o risco de tornar a política externa demasiadamente declaratória e dependente da liderança carismática do presidente em exercício.

CLIMA

A ênfase na proteção do meio ambiente e na retomada da tradição brasileira de engajamento em discussões climáticas multilaterais foi marca do discurso de Lula na eleição de 2022, a fim de se contrapor ao negacionismo climático e ao avanço do desmatamento na Amazônia durante a gestão de Bolsonaro. Ainda na qualidade de presidente eleito, seu primeiro compromisso internacional foi a ida à COP 27 do Clima, em Sharm el-Sheik, Egito. Uma vez empossado em 2023, esteve presente na COP 28, em Dubai, onde celebrou a queda de 49,5% na área amazônica desmatada, entre janeiro e outubro (Brasil 2023a); prometeu zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030; lançou a proposta de criação de um fundo internacional para conservar florestas tropicais em 80 países; e obteve a chancela para que o Brasil sedie a COP 30, em 2025.

O governo também liderou a revitalização da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), ao convocar uma cúpula de presidentes dos países membros, em agosto, no Pará. A Declaração de Belém, emitida ao final do encontro, prometeu reativar comissões temáticas e criar o Foro de Cidades Amazônicas, um painel técnico-científico para a produção de dados ambientais, um mecanismo de diálogo entre governos e povos indígenas, um sistema de controle aéreo integrado e a institucionalização do Parlamento Amazônico (Parlamaz). No encontro, o governo brasileiro também anunciou a criação de um centro de cooperação policial em Manaus, para combater o narcotráfico e crimes ambientais.

Além disso, o Fundo Amazônia, utilizado para o fomento de projetos de sustentabilidade na floresta e paralisado no governo anterior, foi recapitalizado com doações estrangeiras que somaram R$ 3,9 bilhões em 2023, dobrando o valor que estava em caixa até 2022 (Brasil 2023b). Finalmente, o Executivo encaminhou ao Congresso um pedido de ratificação do Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe (conhecido como Acordo de Escazú), formulado na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), assinado pelo Brasil em 2018, mas engavetado em seguida. A tramitação da ratificação segue até o presente momento, com pressão notável de organizações da sociedade civil para que ocorra (Escazú Brasil 2023).

Essa pressão é sintomática de um dos dois obstáculos que impedem uma consolidação da imagem de potência verde que se procura dar ao Brasil no presente, apesar de todos os esforços: o atual Congresso Nacional é majoritariamente refratário à pauta da proteção ambiental, devido, sobretudo, à força da bancada ruralista. Por pressão desse grupo, muito ligado ao bolsonarismo, foram aprovadas medidas como o marco temporal da demarcação de terras indígenas (facilitando apropriações por entes privados) e a exclusão de um teto de emissões de gases de efeito estufa (GEE) ao agronegócio no projeto de lei (ainda em discussão) que regulamenta o mercado de carbono. Convém lembrar que os setores de mudança do uso da terra e agronegócio foram responsáveis por 49% e 25%, respectivamente, das emissões brasileiras de GEE em 2021 (Potenza et al. 2023) e são, portanto, fundamentais para o compromisso do país com a redução da poluição atmosférica.

Outro episódio que explicitou o conflito de visões entre Executivo e Legislativo aconteceu em maio, quando a Câmara dos Deputados votou uma medida provisória sobre a estrutura ministerial do governo Lula e reduziu atribuições dos Ministérios de Meio Ambiente, Povos Indígenas e Desenvolvimento Agrário. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, deu uma declaração enfática à imprensa sobre o ocorrido: 

As maiores modificações dizem respeito ao enfraquecimento [feito pelo governo Lula] do Ministério da Agricultura, num fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente, que é um ministério com muito pouco apoio político dentro do Congresso — é importante que se frise. Você não pode viver desconectado da técnica da política, não funciona, está aí esse problema gravíssimo em relação a este embate entre Ibama e Petrobras a respeito da exploração de petróleo na costa da Região Norte e indo até o Nordeste (Feitosa 2023, s.p.). 

A menção de Lira ao petróleo na chamada Margem Equatorial envolve o segundo desafio para a credibilidade internacional do Brasil no enfrentamento da emergência climática: para além do Legislativo, parte expressiva do Executivo defende a abertura de novas frentes de exploração de combustíveis fósseis na região. Ainda que o setor de energia contribua relativamente pouco para a emissão brasileira de GEE – 18% do total em 2021 (Potenza et al. 2023) –, trata-se do maior responsável pelas mudanças climáticas no mundo: cerca de 75% das emissões globais de GEE todo ano, desde 1990, decorrem do uso de combustíveis fósseis em geração de eletricidade, transportes, indústrias e construção civil (Climate Watch 2023). Uma pressão internacional para eliminar esses combustíveis ganhou força na COP 28, quando, pela primeira vez, a declaração final instou todos os países a fazerem transições que reduzam seu uso.

Todavia, autoridades do Executivo, como o próprio presidente da República, o ministro de Minas e Energia e o presidente da Petrobras, demonstram resistência a esse tipo de ambição quando demonstram inclinação à exploração de petróleo na Margem Equatorial. Ainda que por vezes defendam publicamente uma transição energética, esse conceito implica, a rigor, o que se conhece como phasing out da energia fóssil, isto é, sua eliminação gradual da economia, enquanto diversificação energética é o nome adequado para quando se pretende investir em fontes renováveis sem abandonar as fósseis – o que o Brasil já faz há décadas (Nemitz 2023). As razões políticas para se preferir o segundo caminho podem ser várias – tentativa de segurar a inflação por meio de subsídios à gasolina e ao diesel, conquista de apoio político nas novas áreas de exploração de petróleo, apego ideológico a um tipo de desenvolvimentismo vinculado a combustíveis fósseis, concorrência com grandes potências que estão explorando também novas frentes de petróleo na América do Sul –, mas o ônus é, sem dúvida, a redução do potencial de liderança climática do Brasil.

Esse ônus já se fez ver na política externa, quando o presidente Lula anunciou, em meio à COP 28, que ingressaria o Brasil como membro observador na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP+), em um movimento sem qualquer debate público prévio. A justificativa foi que o país procuraria incentivar debates sobre transição energética dentro do bloco, quando, na verdade, a própria natureza da OPEP+ é vender petróleo e disputar espaço no mercado com as petrolíferas privadas ocidentais. Durante a COP 28, o secretário do bloco pressionou os países membros para que bloqueassem qualquer menção à redução do uso de combustíveis fósseis nos documentos da conferência (G1 2023). O Brasil, por sua vez, recebeu o antiprêmio “Fóssil do Dia” pela decisão de adesão ao bloco, dado pela Climate Action Network, rede de 1,3 mil ONGs do mundo todo (Chade 2023a).

Na tentativa de ajustar o discurso energético ao objetivo de ser uma potência ambiental, o governo começou a patinar. Ainda na COP 28, a diplomacia brasileira declarou, em nome do BASIC (fórum sobre clima reunindo Brasil, África do Sul, Índia e China), que são os países desenvolvidos que devem assumir a dianteira na redução do uso de combustíveis fósseis, conforme o princípio das Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas, e ajudar os países em desenvolvimento na transição energética. Por sua vez, as autoridades brasileiras inclinadas à exploração de petróleo na Margem Equatorial reforçaram o argumento paradoxal de que os recursos advindos da exploração serão imprescindíveis para a promoção de energia limpa. Do ponto de vista político, essa retórica soa um tanto descolada da realidade material do Brasil, especificamente no tema da energia, no qual o país conta, reconhecidamente, com uma das maiores tradições e expertises do mundo em fontes renováveis, de modo que, neste caso, não lhe cabe bem o figurino de potência fraca.

INTERNET

A construção de normas internacionais para regular a internet foi outro destaque do discurso de Lula nos meses seguintes à sua vitória eleitoral em 2022 (Milani & Ives 2023), em face da instrumentalização de redes sociais e aplicativos de mensagens feita pela extrema-direita, no Brasil e no mundo, para disseminar fake news e mensagens de ódio que atentam contra a democracia. No entanto, apesar dos ataques (articulados pela internet) de centenas de bolsonaristas às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, o tema não chegou a ganhar substância na política externa ao longo do ano para além de declarações.

Cabe destacar o envio de uma carta do presidente Lula à primeira conferência da UNESCO sobre internet confiável (Internet for Trust), em fevereiro, na qual defendeu que a regulação das redes sociais passe por um debate multilateral global, com ampla participação social, a fim de equilibrar direitos individuais e coletivos. O assunto também apareceu no discurso do presidente na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, quando defendeu o combate à desinformação, aos crimes cibernéticos e ao enfraquecimento de leis trabalhistas por aplicativos e plataformas digitais que contratam o serviço de terceiros. Esse último tema foi incluído, ainda, em uma declaração conjunta entre Lula e Joe Biden, lançada em setembro, para que Brasil e Estados Unidos trabalhem juntos em favor da proteção de trabalho digno nas plataformas digitais.

A diplomacia brasileira promete dar maior impulso ao tema em 2024, quando o país exerce a presidência do G20, fórum para onde quer levar a discussão, tentando buscar consensos entre as maiores economias do mundo (Chade 2024). Contudo, 2023 mostrou que um obstáculo político semelhante ao da pauta ambiental pode reduzir a margem de ação do Itamaraty: a resistência do Congresso Nacional. Em maio, o presidente da Câmara decidiu adiar a votação do “PL das Fake News”, projeto de lei que cria uma série de responsabilidades às empresas provedoras de internet. A decisão ocorreu após uma ofensiva de big techs, como Google e X (antigo Twitter), para criticar publicamente a medida, remover postagens de sites que a defendiam e patrocinar conteúdos que se opunham a ela (Brasil 2023c). A medida foi taxada de “PL da Censura” pela oposição bolsonarista, que se juntou às big techs na coalizão de veto e atuou para deslegitimar a proposta nas redes sociais. Segundo a imprensa, “Lula não conseguiu maioria segura nem com o empenho do governo, nem com Arthur Lira, defensor da medida, e nem com o Supremo Tribunal Federal (STF) nos bastidores” (Teixeira 2023). Ainda não há data para uma apreciação da matéria.

Assim como clima, internet é um tema transversal aos planos internacional e doméstico. Criar regulações em apenas um deles é pouco eficaz para avançar soluções aos problemas atuais. (...) Nesses casos, articulações internacionais e domésticas precisam andar juntas, o que requer uma sintonia que o governo Lula, ao menos em 2023, não conseguiu alcançar.

Assim como clima, internet é um tema transversal aos planos internacional e doméstico. Criar regulações em apenas um deles é pouco eficaz para avançar soluções aos problemas atuais. Essa questão abre espaço, por sua vez, para a conhecida problemática dos jogos de dois níveis de Putnam (1988), segundo a qual a credibilidade da posição de um país em uma negociação internacional está ligada à percepção que os atores envolvidos têm sobre a chance de um acordo final ser ratificado no nível doméstico. Nesses casos, articulações internacionais e domésticas precisam andar juntas, o que requer uma sintonia que o governo Lula, ao menos em 2023, não conseguiu alcançar.

INTEGRAÇÃO REGIONAL

Após os quatro anos de desinteresse do governo Bolsonaro por uma integração sul-americana abrangente, o novo governo Lula retomou o projeto vigente entre 2003-2016 de buscar aproximações entre todos os vizinhos. Para além da mencionada revitalização da OTCA, o Brasil assumiu a presidência do Mercosul no segundo semestre de 2023. O período foi marcado pelo esfriamento das negociações de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, devido a uma convergência política de insatisfações: em especial, o Brasil se opôs à participação de empresas europeias em compras governamentais e a punições contra o descumprimento de metas ambientais voluntárias, ao passo que a França não aceitou abrir mão do seu tradicional protecionismo agrícola. Além de se retomar o viés mais protecionista do Mercosul, o bloco foi expandido com a adesão da Bolívia como sexto membro pleno (embora a Venezuela siga suspensa).

Apesar de alcançar o que desejava para a OTCA e o Mercosul, o governo brasileiro teve maior dificuldade em recolocar um projeto de união entre os países amazônicos, platinos e o Chile. Em maio, o país sediou, em Brasília, uma cúpula entre os presidentes da América do Sul, a convite de Lula. O evento teve êxito em garantir a presença de todos os chefes de Estado (com exceção de Dina Boluarte, devido a problemas domésticos no Peru) e aprovar um documento final chamado Consenso de Brasília, que manifestou uma disposição coletiva ao diálogo sobre temas como comércio, paz, segurança, meio ambiente, desigualdade, saúde, democracia e direitos humanos. 

A lista ampla, porém, não foi combinada a um mecanismo institucional para encaminhar efetivamente as conversas. Nesse ponto, não houve consenso: após reinserir o Brasil na UNASUL, o país, apoiado pela Argentina, propôs reverter o esvaziamento da organização mediante uma modificação do caráter consensual exigido no processo de eleição da secretaria-geral (em 2018, seis países suspenderam sua participação no bloco após a Venezuela se opor a uma indicação argentina para o cargo e travar uma solução); a Colômbia propôs uma UNASUL menos abrangente em temas e mais flexível na forma; a Venezuela defendeu a UNASUL conforme está hoje; e o Chile, o Equador e o Paraguai propuseram diálogos mais informais (Ives 2023).

O imbróglio foi sintomático do contexto político e ideológico fragmentado que a América do Sul vive hoje. Governos à esquerda e à direita se sucedem sem haver uma hegemonia clara, diferentemente da Onda Rosa, quando predominava uma maioria progressista. Há crises econômicas e/ou políticas na Venezuela, na Argentina, no Peru, no Equador e na Bolívia, além do compasso de espera no Chile sobre seu rumo constitucional, existem diferenças de visões entre Lula e o colombiano Gustavo Petro sobre a exploração de petróleo na Amazônia e Lacalle Pou pressiona para firmar um acordo comercial entre Uruguai e China à margem do Mercosul.

É difícil imaginar o surgimento de um cenário mais harmonioso no curto prazo. A tendência nesse tema, para o Brasil, parece ser olhar para cada relação bilateral com especificidade (como visto no seu envolvimento em negociações entre governo e oposição, na Venezuela, e entre governo e guerrilha, na Colômbia) e articular reuniões coletivas ad hoc que tentem alcançar algum resultado concreto em temas específicos (como a Primeira Reunião Sul-Americana de Diálogo entre Ministros da Defesa e das Relações Exteriores, realizada em novembro, em Brasília).

Entretanto, novamente, a política doméstica pode dificultar a implementação de iniciativas de cooperação, haja vista a tendência da oposição bolsonarista em sobrevalorizar afinidades ideológicas. Para além das críticas habituais a regimes de esquerda na região, que inflamam as redes sociais e reduzem a margem de manobra da política externa nessas relações, um comportamento de políticos bolsonaristas, em 2023, deve ser lembrado com atenção: a ida de Jair Bolsonaro e de uma comitiva de aliados (governadores, senadores e deputados) à posse de Javier Milei na presidência da Argentina, a convite deste, em dezembro. O comparecimento ocorreu após uma eleição na qual Milei, dotado de forte discurso sectário, proferiu ofensas a Lula por sua ideologia de esquerda e o acusou de favorecer a oposição na disputa. O presidente brasileiro, por sua vez, deixou de ir à posse em razão dos gestos de Milei e enviou o chanceler Mauro Vieira no seu lugar.

Novamente, a política doméstica pode dificultar a implementação de iniciativas de cooperação, haja vista a tendência da oposição bolsonarista em sobrevalorizar afinidades ideológicas. (...) Enquanto críticas da direita sul-americana a líderes de Cuba e Venezuela já são antigas, uma ofensiva contra Lula pode crescer por incitação de um bolsonarismo cada vez mais articulado com aliados regionais.

Esse episódio é revelador de dois desafios políticos. O primeiro é a deslegitimação do Brasil como líder regional quando é governado por uma liderança de esquerda. Enquanto críticas da direita sul-americana a líderes de Cuba e Venezuela já são antigas, uma ofensiva contra Lula pode crescer por incitação de um bolsonarismo cada vez mais articulado com aliados regionais. O segundo desafio é a pretensão de bolsonaristas de se colocarem – e serem reconhecidos – como representantes do Brasil em um evento oficial, em detrimento do atual chefe de Estado. Se um governo instituído perde legitimidade como interlocutor, entra-se em um terreno pantanoso de interferência externa em assuntos domésticos que fragiliza qualquer processo de integração. Esse segundo problema apareceu também na agenda a seguir. 

PAZ E MEDIAÇÃO INTERNACIONAL DE CONFLITOS

O governo Lula teve início em meio à continuidade da guerra na Ucrânia, decorrente de uma invasão da Rússia à vizinha, a partir de fevereiro de 2022, por receio de que aderisse à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A postura oficial brasileira foi em favor da neutralidade entre os lados do conflito e da busca de uma negociação pacífica. A diplomacia presidencial foi mobilizada, e Lula teve mais de uma conversa pessoal ou à distância tanto com Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, quanto com Vladimir Putin, presidente russo. Combinada a críticas frequentes de Lula à paralisia do Conselho de Segurança da ONU, o presidente brasileiro sugeriu a articulação de um clube de mediação, formado por países como Brasil, China, Índia e Indonésia. A ideia também foi levada para o encontro anual do G7 (para o qual o Brasil não era convidado desde 2009). Todavia, não prosperou.

A partir de outubro, uma nova guerra teve início, desta vez no Oriente Médio, após o grupo palestino Hamas fazer um ataque terrorista à população israelense e suscitar uma forte reação militar de Tel Aviv, que vitimou tanto integrantes do Hamas, quanto civis na Faixa de Gaza. O governo brasileiro condenou o ataque do Hamas e a reação israelense, tratada como desproporcional à luz do Direito Internacional Humanitário. O discurso oficial foi novamente em favor da distensão. Lula foi convidado para uma cúpula de paz no Egito, em outubro, mas não compareceu (enviando, no seu lugar, o chanceler Vieira), pois se recuperava de uma cirurgia e apostava na presidência brasileira do Conselho de Segurança, ao longo de outubro, para costurar um acordo. No entanto, nem uma resolução articulada pela diplomacia brasileira, nem qualquer outra resolução conseguiu evitar vetos de membros permanentes do órgão à época.

Uma terceira mediação de paz foi tentada pelo Brasil a partir de novembro, dessa vez entre Venezuela e Guiana pela posse do território de Essequibo. A região é oficialmente guianense, mas tem sua soberania contestada historicamente pelos venezuelanos. Nos últimos anos, a descoberta de petróleo no mar da Guiana, explorado pela empresa estadunidense Exxon Mobil, reacendeu o interesse da Venezuela pelo território e levou o presidente Maduro a organizar um plebiscito sobre sua soberania. A maioria dos votos foi favorável à reivindicação venezuelana. Em resposta, Irfaan Ali, presidente da Guiana, criticou a legitimidade da votação, pediu que o tema fosse discutido na Organização dos Estados Americanos (OEA) e recebeu gestos de apoio político e militar dos Estados Unidos e do Reino Unido. Em favor de uma desescalada e incentivado pela Casa Branca (Chade 2023b), Lula teve conversas com Maduro e Ali e enviou Celso Amorim, assessor-chefe da Presidência da República, para mediar um acordo entre ambos, em São Vicente e Granadinas (presidente pro tempore da CELAC), em dezembro. O acordo foi firmado, e os dois países renunciaram à ameaça do uso da força. O secretário de Estado dos Estados Unidos agradeceu ao Brasil “por sua liderança diplomática na busca de uma solução pacífica na disputa” (Péchy 2023).

Assim como no caso da integração regional, as tentativas de mediação da paz pelo Brasil revelam certa dificuldade política de combinar projeto e contexto externo, dessa vez porque as grandes potências simplesmente não mostram disposição a aceitar nenhuma mediação dos conflitos na Eurásia – nem pelo Brasil, nem por qualquer outro país. Por sua vez, quando se apresentou um conflito na América do Sul, a grande potência norte-americana não interferiu nas intenções brasileiras, provavelmente devido a seu autointeresse em não ter sua produção de petróleo na Guiana perturbada.

A defesa enfática do pacifismo pelo Brasil teve os dividendos políticos de demarcar mais um contraste com a hostilidade do governo anterior ao diálogo entre diferentes visões e reafirmar esse princípio caro à imagem do país construída pelo Itamaraty ao longo de décadas.

Entretanto, a defesa enfática do pacifismo pelo Brasil teve os dividendos políticos de demarcar mais um contraste com a hostilidade do governo anterior ao diálogo entre diferentes visões e reafirmar esse princípio caro à imagem do país construída pelo Itamaraty ao longo de décadas. Mas a oposição bolsonarista tampouco deixou de politizar o assunto, passando a adotar o argumento recorrente de que neutralidade é sinônimo de ajuda a um dos lados do conflito. Em um movimento mais grave, Bolsonaro e parlamentares aliados tiveram uma reunião, dentro da Câmara dos Deputados, com o embaixador de Israel no Brasil, em novembro, a fim de enfatizar seu apoio na guerra contra o Hamas. A ação tem efeitos semelhantes ao ocorrido na posse de Milei, conforme explicado na seção anterior, e salienta o entendimento da extrema-direita de que contrariar a política externa do governo contribui para mobilizar constituencies domésticas e alianças externas sem implicar altos custos.

BRICS+

Finalmente, o quinto tema de destaque em 2023 foi a volta à relevância política do BRICS, que ora passou a se chamar BRICS+. Em agosto, a 15ª cúpula de presidentes do bloco decidiu expandir seus membros e fez um convite de adesão a seis países: Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. A predominância de países do Oriente Médio reforçou o espaço que a Ásia já tinha na formação original, em linha com interesses de inserção regional por parte de China, Índia e Rússia. O governo brasileiro era inicialmente contrário à expansão de membros plenos e defendia a criação das categorias de países observadores e parceiros, porém prevaleceu a posição chinesa em favor de novos integrantes em igualdade de condições (Bloomberg 2023).

Em termos de pauta, o destaque da cúpula foi a “desdolarização”, isto é, a defesa de medidas para reduzir o uso do dólar e aumentar transações nas moedas dos países membros. Também no ano passado, a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff foi empossada na presidência do Banco do BRICS+, passando a gerenciar os empréstimos do órgão. Em discurso na conferência, Rousseff (2023) defendeu o balanceamento da ordem financeira internacional, tornando-a mais justa e inclusiva para países do Sul. Emirados Árabes Unidos, Egito e Bangladesh foram admitidos como membros do banco ainda em 2023.

A reforma da governança econômica global é a missão por excelência do BRIC, nascido em 2009, na esteira da crise financeira gestada pelas desregulações de Wall Street. Contudo, uma segunda novidade, em novembro, foi a realização de uma cúpula extraordinária por videoconferência entre os chefes de Estado dos cinco membros originais e seis novos para discutir a eclosão da guerra entre Israel e Hamas. A reunião foi convocada pelo presidente sul-africano (então presidente pro tempore do BRICS+), Cyril Ramaphosa, e contou com a participação do presidente Lula. Porém, o grupo não conseguiu convergir em torno de uma declaração conjunta, pois o Irã não concordou em classificar os atos do Hamas como terroristas, ao passo que a Argentina queria um reconhecimento expresso do direito à defesa de Israel (Moreira 2023).

O episódio revelou o desafio político de se construir convergência dentro de uma coalizão que dobrou de tamanho e pode ser instada a atuar em circunstâncias que fogem da seara econômica. Tratar de guerra, em especial, pode gerar certo constrangimento ao Brasil, que costuma defender o Conselho de Segurança como fórum privilegiado para esse tema. Além disso, outra dificuldade surgiu com a troca de governo na Argentina, em dezembro, na medida em que Alberto Fernández, favorável à entrada do país no BRICS+, foi substituído por Milei, que já declarou que não aceitará a participação e perseguirá um alinhamento geopolítico com Estados Unidos e Israel. A adesão argentina havia sido um pedido brasileiro aos demais membros. Sem essa parceria dentro do bloco, o Brasil pode seguir perdendo voz em face da China e ter dificuldade em se colocar perante países com interações históricas muito mais profundas e, portanto, mais capazes de agenda-setting no BRICS+ conforme suas preferências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro ano do terceiro governo Lula serviu para testar as águas da implementação do projeto de política externa que venceu a eleição de 2022. Esse projeto guarda as linhas mestras do que foi feito nas gestões anteriores comandadas pelo PT, mas naturalmente precisa ser adaptado a novos contextos e correlações de poder nos planos interno e externo (Saraiva & Silva 2023). Apesar das dificuldades, avaliamos que o saldo foi positivo, posto que se retomou a seriedade da política externa, após quatro anos de vexames sucessivos, e se iniciou um processo de reconstrução da imagem internacional do Brasil, especialmente do seu regime democrático, alvo de dúvidas e contestações após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e os ataques do 8 de janeiro em 2023.

Apesar das dificuldades, avaliamos que o saldo [do primeiro ano do terceiro governo Lula] foi positivo, posto que se retomou a seriedade da política externa, após quatro anos de vexames sucessivos, e se iniciou um processo de reconstrução da imagem internacional do Brasil, especialmente do seu regime democrático, alvo de dúvidas e contestações após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e os ataques do 8 de janeiro em 2023.

O cerne dos novos desafios políticos é a ascensão e a resistência de uma extrema-direita no Brasil, com articulações transnacionais, que radicaliza a politização da política externa. Colocar as agendas de proteção ambiental e segurança da internet em destaque, na atuação internacional brasileira, vai de encontro aos interesses desse grupo, na medida em que pode contribuir para frear crimes ambientais que enriquecem suas lideranças e crimes cibernéticos que radicalizam seus seguidores. São, porém, enfrentamentos difíceis, dado que a regulação do meio ambiente envolve múltiplos custos distributivos entre diversos setores da sociedade, enquanto a regulação da internet implica contestar o imenso poder das big techs, motores importantes do capitalismo internacional hoje.

A essas dificuldades somam-se o baixo crescimento econômico brasileiro há uma década, o avanço do Legislativo sobre receitas do Executivo por meio de emendas parlamentares cada vez mais volumosas e o pouco espaço relativo que o PT e sua base aliada mais fiel têm no Congresso. Como afirma Carvalho (2023, 137), “o resultado é uma política [externa] que precisa ser mais estratégica, otimizando os recursos empregados – agora mais escassos do que na primeira passagem de Lula pela presidência – na busca por alcançar seus objetivos”.

A saída, para tanto, não passa por contornar debates amplos e participativos. Declarações do presidente brasileiro no sentido de levar o tema das mudanças climáticas para dentro do Conselho de Segurança da ONU para tornar o cumprimento de metas de redução de GEE mais efetivo (Estado de S. Paulo 2023), ou de criar uma governança climática global com autonomia para tomar decisões sem passar pelos parlamentos (Murakawa 2023) significam, respectivamente, dar mais poder aos países com assento permanente que controlam o órgão, sem garantia de uma reforma deste, e reduzir a agência de parlamentares progressistas e pressões de movimentos sociais dentro dos Legislativos.  

Tendo em vista que a configuração do Congresso Nacional não vai mudar nos próximos três anos, parece-nos que o investimento em articulação política pelo governo precisará ser intensificado para azeitar a implementação da política externa. Um exemplo de negociação com a oposição ocorreu em outubro passado, dias após o início do conflito entre Israel e Hamas. A fim de mostrar alinhamento a Tel Aviv, a oposição teve apoio da base do governo para aprovar, na Câmara dos Deputados, três acordos internacionais entre Brasil e Israel (em previdência, serviços aéreos e cooperação em segurança pública, tendo sido este último assinado durante o governo Bolsonaro). Em troca, o governo recebeu apoio da oposição para destravar a entrada da Bolívia como membro pleno no Mercosul, pendente desde 2015 (Cunto & Ribeiro 2023).

Outra possibilidade para melhorar a execução da política externa é um estreitamento do diálogo entre o Ministério de Relações Exteriores e o Congresso. O Itamaraty conta com uma Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos, ao passo que o parlamento tem comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional, tanto na Câmara, quanto no Senado. Aumentar o conhecimento mútuo sobre as intenções da política externa e a distribuição dos interesses parlamentares em apoiá-las ou contrariá-las pode ajudar a antecipar movimentos da oposição e reduzir o espaço de contradições entre o que o Executivo quer e o que o Legislativo pode oferecer.

Além disso, a atração de recursos estrangeiros para as áreas de meio ambiente (através do Fundo Amazônia e da proposta de fundo global para florestas tropicais) e infraestrutura (via Banco do BRICS) pode diminuir resistências na oposição, na medida em que sejam destinados a projetos de interesse de parlamentares, governadores e prefeitos em benefício de suas bases eleitorais e da economia local. Também na área de infraestrutura, o relançamento de obras de logística na América do Sul, conforme anunciado pelo Ministério do Planejamento para expandir o comércio com a vizinhança e a Ásia (Rittner 2023), é um passo na direção de estimular a integração regional.

Esses incentivos políticos e econômicos à moderação e à ação coletiva precisam ser acompanhados por sanções e punições que inibam crimes contra o meio ambiente, a segurança da internet e a democracia. O anúncio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) de que passará a ter focos de atenção em extremismo, segurança cibernética e clima, inclusive por meio de articulações regionais, é bem-vindo (Chiaretti 2023). Também é positivo o lançamento da primeira candidatura brasileira a secretário-geral da Interpol, comandada há 100 anos por países da América do Norte e da Europa, a fim de dar mais espaço a problemáticas de segurança de países em desenvolvimento (Maia & Garcia 2023). Resta ter mais clareza, entretanto, sobre o papel que as Forças Armadas desempenharão na defesa brasileira pelos próximos anos, o que ainda não foi bem delineado, dada a intensidade da relação entre setores militares e o bolsonarismo que se viu no passado.

Por fim, do ponto de vista analítico, nosso texto sugere que devemos ir além da afirmação genérica de que a política externa é uma política pública. Duas questões deveriam ser objeto de investigação sistemática dos analistas de política externa. Em primeiro lugar, quais as implicações para o processo decisório quando os temas internacionais tendem a ser transversais, afetando diretamente os planos interno e externo, como parece ser uma característica da política internacional contemporânea? Em segundo lugar, quais as consequências do processo decisório da política externa de governos minoritários? A nosso ver, um maior diálogo entre os analistas de política externa e os de processo legislativo brasileiro traria um ganho considerável para a compreensão das margens de manobra doméstica da política externa em contextos de radicalização política, como o que procuramos caracterizar aqui.

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Recebido: 22 de janeiro de 2024

Aceito para publicação: 18 de março de 2024

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